Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

O Retorno de Midnighter – Parte V

Quando sai da prisão, pensei que eu, Gabriel Shedd, encontraria um mundo mais limpo. Toda aquela televisão me fez mal. Não esperava que as coisas tivessem mudado para pior, no entanto.

"Não fui eu, eu juro! Eu juro!". O maldito grita mais uma vez. Eu enfio a ponta do meu coturno no buraco de bala na perna dele. Ele grita.

Eu não gosto dos gritos. Faz-me parecer o cara mau. Eu sou o herói aqui, como meu Pai foi antes de mim. Mas esse filho da mãe merece. Ele estuprou oito mulheres nas ultimas semanas. Matou duas. Eu estudei com uma delas no ginásio, Anne Chetter, moça de familia, mãe de um garotinho gordo. Morreu sufocada por um maldito saco de plástico, num beco miserável. O nome do desgraçado é Fabio Lusagrelli, sobrinho de um mafioso local. Ele é o primo feio da família. Não, ele não mora aqui, esse lugar é mais um santuário.
Claro, eu sei que ele é tudo isso. Encontro restos de drogas, papelotes amassados. Ele compra de alguém, e nada pior que um envenenador. Eu tenho ódio pessoal às drogas, fui preso por ser acusado de vendê-las. Enquanto o desgraçado chora aos meus pés, olho rapidamente pelo apartamento. Ele guarda fotos delas. Fotos! Eu não agindo de raiva, e atiro mais uma vez. Mas faço questão de mirar na "virilidade" dele.
Ele urra de dor. Urra como um porco que é. Eu saio andando pelo apartamento. Sujo. Descubro uma caixa onde ele guarda mexas de cabelo de suas vítimas. Queimo-as. Entre as gavetas, descubro anotações. Cheiram a veneno. É o contato, o vendedor dele. Guardo isso, já tenho um próximo verme a caçar.

Olho pra ele gritando no chão. Existe sangue espalhado por todo o assoalho. Miro nele de novo. "Pare, por favor, pare!". Ele olha lacrimejando, para de berrar um pouco.

Eu olho com ódio pela mascara. "Você sabe por que vai morrer, Fabio? Você vai morrer por que quando elas imploraram para parar, você não parou. Mas eu vou ser bonzinho. vou te dar a chance de escapar. Vou te largar aqui, igual você fez com elas. O telefone está logo ali. Se a emergência ligar a tempo, você vai ter sua chance".
Eu atiro na mão direita dele. Vejo os dedos escapando. Mas fui descuidado. Achei que ele iria estar sem segurança. Estou aqui faz oito minutos. Vejo pelo vão da porta dois homens se aproximando. Deviam estar no carro que estava parado no final do quarteirão. Outros se aproximam.
Jogo-me atrás de uma escrivaninha e atiro. O primeiro cai com força. Nada de sangue. Os desgraçados usam colete. Enquanto eles começam a atirar cegamente, jogo uma granada de fumaça. Isso vai me dar alguns segundos.

Ainda ouço os tiros. Troco rapidamente o pente. Meu pai me ensinou, faz muitos anos, que se o bandido usar colete, devemos usar balas perfurantes. Faz sentido. Enquanto puxo a trava do fuzil, um dos disparos dos desgraçados atinge meu ombro.
Meu colete segura a maior parte do impacto, mas eu sinto que vomitei sangue. Por dentro da mascara, o sangue se gruda ao tecido, numa textura pegajosa. Quase vomito com o cheiro de ferro. Meu ombro deve ter deslocado. Não tem problema. Eu tenho outro.

Começo a atirar. A fumaça é tão ruim para eles quanto é para mim. Pego a câmera de visão noturna que trouxe comigo. Eu sabia que ia ser útil. Seguro ela com o braço ruim, e atiro apoiando o fuzil na minha barriga. Dói muito, mas é a única saída.
Derrubo uns três deles. Eu não havia me preparado para uma briga de verdade, deixei o armamento pesado no carro. Percebo então minha saída. Quatro homens estão atirando de uma parede. Eles não perceberam que eu já mudei de lugar faz tempo. Vejo um extintor de incêndio enferrujado atrás deles. É bom de mais para ser verdade.

Dois tiros. Eu posso jurar que vi pedaços de um deles voando por cima de mim. Existem outros chegando pela porta, e minhas balas estão quase no fim. Eu preciso voltar para o carro. Meu pai me ensinou que o bom guerreiro sabe a hora de se retirar.
Tento minha última saída. Uma granada de fragmentos. Arremesso ela fora da casa, e rezo para que não tenha nenhum civil próximo desse cortiço. Jogo-me atrás de uma estante.
A explosão não é tão grande. Eu esperava mais barulho. No instante seguinte, o lugar inteiro parece ser fuzilado por uma chuva de fogo. Os fragmentos fazem jus ao nome, perfuram parte da parede de madeira da casa. Os homens lá fora se assustam. Um deles grita de dor.

Olho para o chão, Fabio ainda está vivo. Vou correndo na direção da janela dos fundos, não vou ter outra chance para escapar. Enquanto estou saindo, ele grita num misto de dor e ódio “Quem diabos é você, seu monstro?”. Eu?

Eu sou Midnighter.

Olhos Nublados – Parte IV

Mila sentiu o sangue respingar em seu rosto. Estava completamente imóvel, e seu olhar parecia perdido na desconfortante visão da cidade que se projetava das enormes janelas do MaxCorp Silver Tower. As luzes estavam apagadas, mas os disparos das armas criavam uma iluminação aterradora que revelava apenas pequenos traços da cena. Ouvia Zed gritando, mas as palavras eram incompreensíveis. Seu corpo foi arrastado para longe, sua visão tornou-se turva – parte pelo sangue escorrendo pelo próprio rosto – e os sons ficaram cada vez mais distantes.

Acordou. As luzes se moviam rápido de mais. Pareciam tentar chegar a ela por todas as direções. Ouviu um sussurro, talvez de Zed. O gosto de ferro em sua boca era forte. O sangue coagulado perde o calor reconfortante, e se torna congelante. Tudo parecia ficar escuro. Ouvia sirenes. As imagens sumiram novamente.

Abriu os olhos mais uma vez. Uma luz forte. Uma pergunta foi feita, mas ela não entendeu nenhuma palavra. Era difícil respirar. Sentiu sua pele sendo perfurada, mas não soube dizer onde; a dor já dominava seu corpo. Tudo parecia azul. Azul e branco. Era como deitar no chão do banheiro, frio, muito frio. O cheiro de ferro entupia suas narinas. O ar pareceu se recusar a entrar em seus pulmões. As coisas tornaram-se escuras mais uma vez.

Uma sensação confortável abraçou seu corpo. A dor havia melhorado. Abriu os olhos, mas eles se recusaram a aceitar a luz.

– Se sente melhor?

Mila tentou olhar para o dono da voz, mas suas pálpebras recusaram se abrir. Ela tentou mover um dos braços, mas sentiu uma dor alfinetando todos seus músculos.

– Calma, calma, você teve sorte! Agora descanse, você precisa de repouso.

Ela tentou balbuciar alguma coisa, mas não conseguiu formar palavras. Sentiu uma mão correndo sua testa. Pele suave, quase que veludo. Mila não ouviu mais nada. Não conseguia pensar direito. Perdeu a noção do tempo, e não teve certeza se estava acordada.
Teve um sonho estranho em algum momento. O mesmo sonho que a perseguia desde aquela noite, quatro meses antes. Pilhas e mais pilhas de corpos, alguns de crianças. Uns poucos homens esqueléticos se esgueiravam revirando os cadáveres. Uma torre retorcida se erguia no horizonte, e parecia tragar a atenção do devaneio. Uma sala do trono feita de esmeraldas pontiagudas. Havia uma pessoa usando uma armadura verde e negra, sentado em um trono disforme. No horizonte, é possível ver uma tempestade vermelha, uma chuva de sangue. A aterradora figura olhou diretamente para ela. “Você não pode impedir”.

– Abra a boca, você precisa de água.

Mila sentiu o liquido escorrendo por seus lábios. Fez o possível para bebê-lo sem engasgar. Seus pensamentos ficavam mais claros. Por que não soube que os homens iriam entrar na sala? Isso nunca havia acontecido, a maldição podia ter acabado com suas noites de sono, mas pelo menos não cometia erros tolos como esse.
Tentou abrir os olhos novamente. Ouvia gaivotas, e um ronco de motor. A luz feriu sua retina, mas ela se recusou a fraquejar. Lentamente, acostumou-se com a luz. Então, tudo ficou nublado.

– Finalmente! Eu já achava que meu investimento tinha ido por água abaixo – Disse Zed. Mila podia vê-lo agora, estava sentado em uma cadeira branca. – Você consegue falar?

– C-como ch-cheg... chegamos aq-qui? – A garganta da moça doía um pouco, como se tivesse gritado muito na noite anterior.

Zed sorriu. Levantou-se e saiu da sala sem falar uma palavra. Mila sentia o corpo doer. Tentou se levantar para segui-lo, mas não teve forças. Sentiu certo desespero em não conseguir sair da cama. Ela quase chorou, sua respiração ficou pesada.

– P-por favor, n-não... – tentou falar, tentando esconder o medo em sua voz.

Mas não adiantou. Zed só retornou muito tempo depois. Mais de uma hora. Trazia uma bandeja com um prato de algum tipo de caldo ou sopa. A garota tentou falar alguma coisa, mas Zed pareceu bastante convincente em dizer que ela deveria comer. Comeu. Meio forçada, a garganta arranhava a cada colherada. Quando terminou, se sentia mais calma. Seus pensamentos ficaram lentamente mais claros.

– Como saímos de lá? – tentou perguntar, com uma voz mais suave.

Zed não respondeu.

– Eu sei onde estamos, sei que fiquei inconsciente por dois dias. Eu sei até que você seduziu a esposa do dono desse barco. Mas por favor, me responda como saímos de lá?

Mais uma vez, ele permaneceu em silêncio. O barulho de um helicóptero preencheu a sala, mas gradualmente foi diminuindo. Mila tentou se levantar bruscamente, seus olhos pareciam mais nublados que nunca.

– Siga o helicóptero, não temos muito tempo! – ela disse. Sentiu dor ao falar tão rápido.

– Não. – Zed respondeu num tom de voz suave, com um sorriso leve no rosto.

Mila ficou paralisada por alguns instantes.

– Você precisa me ajudar! Se não fizer isso, vai acontecer algo muito ruim! – ela tentou justificar. Falar parecia causar certa dor em seu corpo.

– Claro, eu sempre preciso ajudar. Vamos fazer isso mais interessante para mim. Quem vai ganhar a Liga dos Campeões? – disse ele, numa cadencia calma e suave.

– O que? Milhões de pessoas podem morrer, e você está preocupado com futebol? Você não tem coração? – ela tentou segurar a respiração, mas já sentia um gosto de ferro na boca.

– É uma troca justa. Uma resposta inocente não é um preço razoável pela vida de milhões? – Zed parecia examinar a palma da própria mão.

Mila não podia acreditar. Ele parecia ser pessoa completamente diferente de quem havia conhecido. Um barulho de explosão ao longe. Ela não tinha muito tempo.

– Manchester, 3 a 2 contra Milan. – ela não entendia direito, mas se sentia usada. Ela tinha más lembranças de usar o dom para proveito próprio.

Zed se levantou e saiu. Mila sentiu o barco mudando de direção.