Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Making Of: Richard Harris Teabing

Este é um tópico em off sobre as idéias e absurdos que me levaram a criar a personagem hoje conhecida como Richard Harris Teabing.

Bom, o Richard, aka Crusade, nasceu após o fracasso da primeira personagem construída em 5 minutos (Brainstorm) pra que eu pudesse jogar com o pessoal, é eu entrei no barco quando este já estava navegando. Brainstorm era vazio e sem background nenhum, logo ou criava um background pra ele ou elaborava um novo personagem, aqui está o embrião de Crusade.
Na época tive uma conversa com o Cal sobre o que ele estava precisando para a equipe e ele me disse que queria um líder. Na equipe já haviam dois elemental controlers, Alisia e Nicholas, e um Brick, Gunther. Chegamos a conclusão de que o melhor seria um Backbone, um personagem suporte.

Na época eu comecei a reler as minhas HQs antigas e numa delas encontrei uma personagem que na época me inspirou bastante, o Lorde Fobia, um cavaleiro armadureiro. Um super cientista que construiu uma armadura tecnológica com detalhes e estilo medievais. À parte o fato dele ser um vilão, a idéia me pareceu muito boa. Outra personagem muito forte foi o Dr. Destino, um armadureiro super carismático. Ele também é vilão, mas é uma ótima personagem. Falando em vilões eu tirei o nome de um outro vilão, Richard Fisk, o filho do Rei.

Eu queria um líder carismático, armadureiro medieval, logo eu precisava ser gênio também, temos a ultima inspiração Tony Stark, o Iron Man. Mas o verdadeiro problema surgiu nas montagens das fichas. A primeira build contava até com poderes psiônicos, overpower total. A segunda, mais centrada estabelecia um Richard next stepper, cujo poder era supergenialidade e supercarisma que construiu uma armadura de combate para si. Ainda faltava o background, aí entram as leituras novas da época com Iron man Ultimates. Richard tem muito do Tony de Ultimates, ele é um canalha, esse é o melhor termo pra descrevê-lo. Um super gênio super carismático que sempre teve tudo fácil. Richard não é dotado de muita moral, aliás no sentido heróico ele se encaixa muito no arquétipo do pícaro. Só que isso gera uma crise no grupo de jogo e no sentido do mundo de jogo onde o mestre (Cal) anseia por heróis paladinos. Portanto eu tinha que dar um motivo pra esse pícaro se tornar um herói. Nada melhor que a velhja fórmula do parente morto, no caso do Cruzade o irmão. O visual cavaleiro medieval vem daí, até pensei em chamar a personagem de cavaleiro verde, que era o objeto de adoração e estudo do irmão de Richard.

Com a morte do irmão a personagem ganha um motivo para salvar vidas, o que depois de pensar mais elaboradamente vejo como uma busca cega por redenção. Richard sente-se culpado pela morte do irmão e ele teve a sua parcela de culpa mesmo. Ele então tentaria fazer o certo porque é "o que Merrick faria". Isso dá uma profundidade interessante para uma personagem que tem momentos de imoralidade geral e de heroismo absurdos.

Cruzade começou como um disfarce elaborado, um cavaleiro fantasma que servia ao graal, mas isso só agradava a mim e ao cal, os outros jogadores não curtiram a idéia, logo parei de fazer as frases elaboradas e acabou-se o disfarce. Com o tempo, eu me cansei de ser um cavaleiro medieval só por ser e resolvi mudar o visual, a nova armadura contava não com uma espada metálica, mas sim com uma espécie de lightsaber e tinha o aspecto similar ao da armadura do Iron man ultimates.


To brigando por um Iron man 6... to be continued.

Making Of: Christine Parrin

Este é um post em Off, sobre as idéias e rascunhos que levaram à criação de Christine Parrin.

A Christine surgiu de uma mistura de idéias, e de uma mescla de personagens. Por volta de 1997, eu e um colega estávamos planejando uma revista em quadrinhos, e bolamos um time de Super Heróis adolescentes. Entre eles, havia uma garota francesa chamada Marie, que vivia isolada dos outros membros da equipe.

Marie na verdade era filha de um importante político francês, e havia entrado para o grupo (uma escola de super-humanos) para não interferir na vida política do pai. Seus poderes eram bem bizarros - seus braços eram compostos de uma geléia amorfa, que podia assumir diversas formas, normalmente longos tentáculos ou coisas do tipo. Ela tinha vergonha desse poder, e usava luvas de couro justas até a altura dos ombros, que eram a única forma de manter seus braços com aparência normal. Diferente do resto do time, ela não era nem queria ser uma heróina. Era arrogante e depressiva, sempre se isolando dos outros, além de manter uma finesse de realeza o tempo todo.

Mais tarde, quando resolvemos fazer um jogo de RPG sobre o grupo, ela foi descartada, por ser um personagem sem muito brilho. Em seu lugar, criei H, baseando-me novamente em Solaris de X-Men:Age of Apocalypse. Era uma garota cuja pele emanava um poderoso fogo atômico, além de voar e disparar rajadas. Seu nome era Telma, e era uma colegial normal que teve a vida interrompida devido aos poderes. Na época, ela controlava os poderes sem problemas, apesar de só poder usar o podo flamejante por alguns minutos, senão corria o risco de atingir a massa crítica e explodir como uma bomba atômica.

O ponto mais importante de Telma era que ela não havia sido abandonada pelos conhecidos. Na verdade, ela havia entrado na escola por que sua colega de classe, Simone, havia descoberto o lugar. Simone era uma garota viva, curiosa, hiper-ativa e fascinada por super heróis. Ela havia convencido os diretores da escola (proto-verões de Syn e Joe Treno) de que também entrasse, e assim, poderia fazer companhia à sua amiga. Na época eu achei muito legal ter um personagem humano, sem nenhum tipo de poder ou habilidade especial, no meio de um time de super-heróis. Simone lembra muito a Jubileu do Geração-X, e servia como apoio moral para o grupo. Acho que muito da Nêmesis feio dela, apesar de eu ainda querer investir na idéia.

Na segunda versão do fanfic, depois dos jogos, resolvemos remodelar os personagens para que tivessem um tom mais adulto. Então, Marie e Telma se fundiriam quase que por completo. A nova personagem seria chamada apenas H. Anteriormente, havia sido uma riquinha francesa, mas agora era uma tocha atômica ambulante. Seus poderes eram muito fortes, e a quantidade de radiação que ela emanava era suficiente para ferir os outros do grupo. Por esse motivo, ela usava uma roupa justa, que pareciam com tiras de couro amarradas, e redes finas de chumbo, dando a impressão de um traje de mergulho ninja. Ela possuía um quarto próprio na escola (igual Marie, anteriormente), mas este era um cofre de chumbo, o único lugar onde ela podia tirar as pesadas roupas de anti-radiação que usava. Seu poder ainda era o de disparar e controlar radiação.

Mais tarde, no PbEM Gênesis, mestrado pelo Capa, criei um personagem chamado Max Evans, baseado no homônimo da série Roswell. Ele era um adolescente cujo poder era controlar, de forma instintiva, a matéria ao seu redor. Não tinha poderes telecinéticos nem nada do tipo, mas podia alterar a composição química dos materiais, bem como gerar reações químicas do nada. Ele, no entanto, era um jovem perturbado, abusado pelo pai e que trabalhava como faxineiro de uma rodoviária. Ele foi reescrito para uma versão mais séria de Gênesis, se tornando um Zero (uma espécie de Last Stepper). Como havia a intenção de publicar o material, resolvi mudar o nome dele para Michael Paris.

Anos depois, quando estava preparando as primeiras aventuras da campanha, pensei em criar uma cena onde os personagens deveriam decidir se confiavam ou não em um NPC com passado suspeito. Decidi então criar Christine. Ela seria uma mistura de Simone, Telma, Marie e H, mas com os poderes de Michael Paris, que eram mais interessantes. Seria irmã do grande vilão da série, Voltage. Como detalhe, usei uma foto da cantora francesa Alizee (na época, não sabia que ela era francesa), e inventei que Christine usaria sempre chapéus. Na época, ela também não falaria o que eram seus poderes, e sempre que perguntavam, respondia que fazia "Coisas". Eu devo admitir que me diverti muito com os jogadores tendo ataques nervosos com esses detalhes, e foi uma das coisas que mais senti falta quando o personagem cresceu.

Na época, Voltage seria realmente um cara mau. Ele estaria reunindo um grupo chamado "Os 7", que seriam os Supers mais fortes do mundo, para criar um time invencível de vilões. Logo na terceira aventura, ele deveria mandar seus lacaios para tentar capturar Christine, e então seria revelado o segredo.

Obviamente, não deu certo. Primeiro, por que nenhum dos jogadores tinha se afeiçoado pela personagem (apenas Ashley se interessou pelo personagem), e segundo, por que um dos jogadores havia escolhido como fraqueza exatamente o poder de Voltage, o que o tornaria um vilão impraticável, já que era muito poderoso. Christine foi deixada de lado, mas obteve afeição de Alisia durante a primeira aparição de Contágio.

Christine então iria desaparecer. Na verdade, iria se aliar a Voltage, e enfrentar o antigo grupo. Os jogadores então se esforçaram tanto para evitar que ela lutasse contra o grande vilão, que mudei de idéia. Eles descobriram que eles eram irmãos, e que Christine havia descoberto que fora Voltage quem destruira parte de Paris anos antes, matando (teoricamente) seu irmão e seu pai. Ela então passou pela primeira fase atômica. Toda a ideia de Christine ser uma Third Stepper para parar tanto Lann quanto Voltage foi uma idéia que surgiu quase do nada, durante o jogo.

Na verdade, eu achei que seria legal transforma-la na H, mas Nicholas lutou tanto para salva-la, que resolvi retorna-la ao normal, depois de uma série de cenas dramáticas. Quando Lann criou versões de Christine e Voltage, a idéia seria substituí-los por "gemeos malvados", mas como o mundo foi resetado logo depois, abandonei a ideia.

Outro ponto importante são as personalidades. Diferente das suposições, existem apenas duas personalidades de Christine: uma criada por travas, que é uma pessoa amarga, fria, calculista, arrogante e cruel, e outra que foi feita pelo Tchekov (numa tentativa de evitar que a primeira se matasse) é gentil, hiper-ativa, ingênua e amigável. Quando desperta, por ajuda de Lann, a personalidade inicial vê que perdeu sua vida para uma estranha, e quer que ela sofra por isso. Christine de tornou namorada de Nicholas, e os dois estão juntos desde então.

Devido a reestruturação do jogo, Christine perdeu um pouco do brilho. Resolvi fazer uma nova versão dela, voltando à idéia original. Ela se tornaria H novamente. Claro, a idéia parou quando vi a mobilização dos jogadores. Ela está em estado atômico desde então, flutuando entre as personalidades, por causa de um ataque da Third Stepper Singularity.

Entre outros detalhes importantes da personagem estão o sotaque (eu adorava fazer o sotaque francês de Christine) e o apoio familiar no Background (O irmão é Voltage, e a mãe é Simone, que é a espiã francesa Telma com as memórias implantadas).

Nota: Este post será atualizado sempre que a personagem passar por alguma mudança.

Café e uma Noite de Sono

Doia ainda, todos dias anteriores os quais vinha lutando, ficando acordado lendo aquelas notas que durante 5 dias da semana pareciam ter sentido algum e em algumas horas depois tudo se encaixava, pensava consigo mesmo se aquilo era algum tipo de desafio pessoal ou fruto de pura genialidade misturado com loucura de seu outro "eu" existente naquela dimensão daonde não guarda lembranças muito saudáveis. Olhava para o relógio, tinha pego um pouco no sono e a medida que seus sentidos voltavam logo olhava ao seu redor e via novamente aquele mesmo cenário: um computador a sua frente, uma escrivaninha lotada de anotações, outras parafernalhas super tecnologicas da HQ de Richard que algumas dela ainda nem fazia idéia pra que serviam, uma divisória de vidro espesso que dividia aquela sala de pesquisa ao isolamento radioativo e a furna aonde estava ainda repousando Christine, que ao que parecia estava acordada e olhando com um olhar de repulsa a tudo aquilo que eu estava fazendo.

"Da um tempo, to aqui me matando, sem esses olhares de 'fala sério' pra mim, já tive pacientes menos pacientes"

Sabia ele obviamente que as próximas palavras que sairiam da boca dela seria pra lhe gozar ou desmotivar, ainda sabendo que hora ou outra palavras de afeto e incentivo surgiam do nada, dando-lhe esperanças que ainda houvesse algum tempo restante.

"Ahhhh... quanto tempo será que eu dormi?"

- Teve uma boa noite de sono? - disparada ela do outro lado do vidro.

Lá vinha ela com as ironias, novamente, acho que eu não tinha pego nem 10 minutos de sono, acho que virou algo patologico ultimamente. Ou será que não?

- Hum... - recompunha-se - Tá!! Aonde paramos...? - sorria marotamente daquela novissima piada
- Eu há meses aqui parada e você ae que nem um tolo... - atirava novamente

Aquele joguinho de palavras até divertia de vez em quando, principalmente ao acordar de suas frequentes "pegadas de sono", logo olhava para o relógio de parede e via marcar 9 da manhã.

Logo lembrava-se do dia anterior ao que teve alguma idéia que pudesse auxiliar em sua pesquisa e volta a suas anotações sem perder a piada anterior que lhe pareceu muito boa.

- Ok, bom dia pra você também...

Ao passo que ouvia a do laboratório abrir já ouvia-se o chamado primordial

- Bom dia Nicholas! -entrava Richard em bom e alto tom.

"Vocês combinaram né?" - olhava para Christine que retornava com um sorriso irônico novamente.

- Café? - oferecia educadamente.

Logo virava-se para Richard e olhava para aquele copo de café expresso em sua mão.

"Obrigado amigo, mas não, preciso de algo mais forte" - pensava o médico acostumado a plantões.

- Obrigado... e bom dia para você também Richard - Logo que pegava o copo de sua mão e colocava ali do lado.

Nisso ele lembra-se exatamente de alguns anos atrás, parecia-se muito com aquele dia, a não ser pelo fato que não eram as mesmas circunstâncias, afinal era jovem e ainda não tinha tantos problemas para se preocupar... pelo menos não nas mesmas proporções.

Aproximadamente 6 Anos atrás, Oxford - Inglaterra

- Café? - oferecia ao homem de jaqueta branca.

-Não obrigado Nicolhas, preciso de algo mais forte que isso para poder chamar de café ha ha ha... - respondia sorridente aquele senhor de cabelos brancos, bigode e oculos, cujo humor só era sobrepujado por sua genialidade na medicina.

- Algum dia o senhor terá que me ensinar a receita do seu famoso café professor Neville.

- É, quem sabe um dia Nicholas, agora venha comigo, tem um caso interessante que gostaria de que analisa-se.

Aquele era Paul Jekins Neville, renomado doutor, pesquisador e mentor, era uma pessoa gentil e brincalhona, a não ser frente aos pacientes, aos quais tentava demonstrar um pouco mais de frieza e menos sarcasmo.

Era comum naqueles tempos de faculdade o doutor Neville sempre lhe levar para conhecer casos aos mais adversos os quais ele tratava ou mesmo pesquisava, parecia que dentro do corpo docente era o que mais simpátizava com o jovem Nicholas já que de acordo com ele se assemelhavam muito em sua juventude, os outros professores também o auxiliavam muito, no entanto era em especial o pegou praticamente para aprendiz, e para sua sorte este era o mais genial de todos dentro do grupo de pesquisadores de toda Inglaterra e um dos mais renomados da Europa, nessas horas Nicholas sentia-se privilegiado.

Dessa vez o doutor Neville estava deixando seu aprendiz encarregado de auxiliar em um de seus casos, coisa que já era comum, no entanto esse em especial marcaria a vida do jovem médico para o resto de sua vida: garota caucasiana, 11 anos; falha nos rins e fígado, provavél quadro clínico de lupus, antes já diagnosticada com cancêr o qual fora retirado há 3 anos e tratado pelo próprio doutor Neville, provável solução para o caso: transplante e constante tratamento com esteróides para tentar retardar o efeito do da lupus.

Seu professor tinha plena confiança em seu promissor aluno, mas sabia também que este não era perfeito, tendo consciência que algum dia este haveria de falhar e perder algum paciente. Afinal este era o destino de jovens doutores, aprenderem com acertos assim como com seus erros, e Nicholas estava ciente disso, que por mais que temesse.

6 anos atrás - 21:38 - hospital Radcliffe

Nicholas se aproxima do leito da jovem ao mesmo tempo que examina o seu quadro clínico, seu nome era Amanda, a pequena era alegre, nem parecia que tivesse passado há alguns dias atrás por um transplante e agora estava se recuperando.

- É.. ao que me parece você está melhorando a cada dia mais Amanda, creio que em 2 dias poderá ter alta, meus parabéns - o jovem doutor anunciava a jovem paciente e seus parentes.

Após muitos agradecimentos dos pais e da própria pequena este aliviado se retirava do quarto e dava de cara com seu mentor, contente por passar invicto por mais um paciente complicado.

- Não acha muito cedo meu bom rapaz? eu daria pelo menos 1 semana a mais de observação, lembre-se que nem sempre as coisas sao o que parecem ser. - advertia sorridente o cauteloso e experiente doutor.

Não achava necessário, afinal havia ela passado por tanto, e se recuperado tão bem, mas sabia que a advertência de seu mentor tinha algum tom de teste, sabia que este estava zelando por ele além de seus pacientes. Achou então interessante então ficar mais algumas horas no hospital, cumprir algumas horas a mais de clínica e de vez em quando verificar o quadro de Amanda.

Passados 2 da manhã o jovem doutor já estava totalmente fatigado pela rotina que vinha passando pelos ultimos 2 dias, sabia que tinha que se acostumar com isso pra futuramente passar por situaçoes muito piores no entanto sabia também que precisava descansar de vez em quando, algo que uma das enfermeiras o recomendou fazer há exatamente 1 hora atrás e que já recusava. Partiu então para a lanchonete do Hospital e pediu o tão aclamado café e também comida, para que se mantivesse acordado por mais algumas horas.

- Doutor... - alguém o chamava.

Parecia uma voz aflita.

- Doutor Von Buhler! código 2 doutor!!! - novamente clamava seu nome.

Como que de subito ele retornava a realidade, havia pego no sono, mal pode olhar para o pulso e ver 5 horas da manhã e já se levantava e partia acompanhado da infermeira que o levava para emergência, acidente de trânsito, precisavam de auxilio.

Nisso outra enfermeira esbarra com ele no corredor e quando olha do outro lado, por onde havia acabado de passar vê alguma movimentação no leito da pequena, parecia que também haviam chamado um código de emergência de imediato se dirije ao quarto para ajudar ignorando totalmente o chamado anterior, a essa hora a infermeira gritava como ninguém ao seu ouvido.

- É minha paciente!!! chame outro! - esbravejava enquanto tentava se desvencilhar da infermeira que ainda o chamava.

A jovem Amanda estava sofrendo novamente de falha multipla dos orgãos e em estado de taquicardia seguido segundos depois de uma cincope, Nicholas de imediato pede auxilio de mais infermeiras e ali se inicia o processo de ressusitação, 1, 2, 3 vezes, sem sucesso, novamente, 1, 2, 3 vezes, sucesso, em mistura de ansiedade e desespero Nicholas não consegue raciocionar direito e tenta desesperado trazer devolta a paciente ainda sem compreender o ocorrido, no entanto sem êxito. Estava feito, o destino dele assim como de outros havia se concretizado, havia perdido seu primeiro paciente.


- Café? - oferecia-lhe alguém.

Olhava perplexo para o teto quando é interrompido por alguem, era seu professor, Neville, oferecendo-lhe um copo de café e segurando outro em sua outra mão, a medida que ia se sentado ao lado do jovem Nicholas.

- E-uu, a perdi... - balbuciava custando a acreditar.

- Vamos, tome um pouco de café Nicholas, você sabia que algum dia isso haveria de ocorrer, você não podia fazer nada, foi de repente, ninguém esperava por isso.

- Mas senhor, eu estava dormindo, acordei de repente com outro chamado, como poderia saber...

- Não poderia... isso acontece, as vezes, não deve se culpar, agora tome um pouco desse café e vá descansar, vai lhe fazer bem, eu lhe garanto. - esticava ao jovem novamente o copo de café.

- Como poderia descansar num momento desses senhor... não depois de tudo...

- Confie em mim. - se retirava o professor enquanto tomava ainda seu café.

Doia ainda, sentia a dor de dentro por ter perdido sua paciente, seu corpo fatigado pelo cansaço, tudo doia. Quando lhe passava pelos labios aquele aroma forte do café e pela sua boca deslizava ele pode sentir algo diferente, como que um alivio, um cheiro diferente. Aquele não era o café comum da lanchonete, tinha um gosto mais doce ainda que tivesse gosto de café, era como se tomasse um vinho e sentisse aquela sensação após alguns segundos da degustação, aquilo o tranquilizava ao mesmo tempo que o trazia devolta a realidade, parecia que a dor havia se extinguido repentinamente, parecia que o cansaço não estava mais ali. Mas então por quê?!! por que pedir para descansar?

Olhava novamente para o copo de café e sabia, que o descanço não era algo apenas fisiologico, era algo também mental, quase que espiritual, mistico. Não poderia prosseguir dali em diante sem que houvesse uma profunda reflexão sobre todo o ocorrido, cairia a partir dali em desgosto ou não? era terrivel a sensação de não poder fazer nada, ainda que não transpareça ele sabia que aquele dia ainda se repetiria muitas e muitas vezes, e só lhe restaria 2 coisas a fazer...

... uma boa noite de sono, e seu copo de café.


HQ da extreme, tempo atual

Olhava para as anotações a medida que ainda sentia-se atordoado com o repentino acesso de sono.

- Não vai tomar seu café Nicholas? - perguntava Richard a medida que via o estado deplorável do amigo.

Logo ele sorria, se levantava e sem dizer nada saia do laboratório e seguia até a cozinha, ali como se fosse um mantra preparava o café, aquela receita que o fez compreender muitas coisas em sua carreira médica, coisas como perseverança, esperança, força de vontade.

E foi então adicionando 1 a 1 os ingredientes:

-8 colheres de café
-1/3 açucar
-1/3 xarope de chocolate
-1/4 xarope de malte ou 1/2 colher de erva doce
-5~20 cravos (tem efeito analgésico e regulador intestinal)
-4 palitos de canela
-limao e laranja espremido a gosto
-creme a gosto

Era uma receita antiga, adaptada do seu professor. Não deixava um gosto de café na boca e sim um gostinho doce gostoso, deixava a pessoa bem disposta, agia bem no estomago sem causar gastrite e previnia efeitos do alcool como cirrose,além seu principal efeito quase que mágico: era ótimo contra a dor...

Devolta ao laboratório com dois copos em mãos oferecia a Richard um dos copos, ao mesmo tempo que perplexo e sem compreender muita coisa ele o olhava, já Christine não, ela parecia compreender o significado daquilo, sorrindo quase que ironicamente, mas também ainda que por um segundo sorrindo normalmente.

- Café? - oferecia Nicholas Von Buhler a seu amigo Richard.

Making Of: Yuko Miharu

Este é um post em Off, sobre as ideias e rascunhos que levaram à criação da Miharu.

A idéia original veio em 1997-98, onde seu protótipo e mais outras pessoas (incluindo K-Boom, Ionns, Syn, Sonique, Gunshot, e alguns outros) figurou em uma série de Fanfics e num jogo de GURPS. Originalmente, ela foi criada para ser par romântico de K-Boom, fato que não ocorreu em jogo devido à promiscuidade alheia.

Miharu era chamada originalmente de Yuko Yuhara, e era uma jovem japonesa criada por um avô sem nome em uma ilha perdida. O avô havia lutado na segunda guerra e defendido uma ilha por 20 anos após o Japão se render, e quando seu filho foi morto, ele levou a neta para o único lugar que considerava seguro.

Na época dos primeiros fanfics, os poderes de Miharu eram basicamente a habilidade com artes marciais. Ela era campeã de diversos torneios, e "faixa preta" em dúzias de estilos.
Na versão do jogo de RPG (e dos fanfics posteriores), Miharu ganhou uma alterada nos poderes e na aparência, graças à Blink de X-Men: Age of Apocalypse. Sua pele ficou de um tom branco, quase rosado, e passou a usar uma roupa de Ninja roxa e negra. Seus cabelos, no entanto, ainda eram negros. Seus poderes se tornaram uma simulação das habilidades ninja - ela continuava eximia artista marcial, mas podia também escalar paredes, desaparecer nas sombras e projetar armas de energia roxa, como shurikens. Sua nêmese na época era uma chefona da Yakuza cuja pele era de metal (com o sugestivo nome de Donzela de Ferro).
A personalidade dela nessa época era mais violenta e sombria, e ela era dotada de um senso de humor deturpado, gostando de assustar seus companheiros de grupo quando surgia do nada, e fazer comentários negros.

Na preparação para o jogo, em meados de 2003, ocorreram mais algumas mudanças. Primeiro, depois de ler Gen13 v2, gostei muito da idéia da Fairchild ter ficado um tempo com cabelos, lábios e unhas púrpuras. Copiei a idéia prontamente, e deixei-a com pele pálida de fantasma.
Sobre a personalidade, preferi algo mais sóbrio e sério. Inicialmente, me inspirei nas primeiras aparições de M, de Generation-X, ainda na época da Falange. Era uma personagem séria, inteligente e arrogante, que não tinha poderes tão fantásticos quanto o de seus colegas, mas podia se virar muito bem. Adicionei a isso um pouco do comportamento da Raven, do desenho dos Teen Titans, de forma a deixar ela um pouco "amarga".
Os poderes mudaram também. Inspirado pela Max Guevara da série Dark Angel, criei uma Miharu que era uma espécie de ápice da raça humana. Na verdade, era além desse limite. Roubei um pouco das habilidades do Jarod, de The Pretender. Ela tinha super-sentidos, super-força e agilidade, memória fotográfica, falava muitas línguas, e podia aprender qualquer coisa muito facilmente. Era treinada em artes de combate, sendo uma espécie de ninja, mas seus poderes eram agora meramente "humanos".

Na criação do nome, ocorreram problemas. Inicialmente, ela se chamaria Yuko Mihara, mas devido à pronuncia errada e insistência de um dos jogadores, acabou ficando como Miharu. Mihara é um sobrenome japonês, ao passo que Miharu é um nome próprio feminino. A personagem passou a se chamar Yuko Miharu, então. Outro problema foi o codinome. Originalmente, ela havia sido batizada de Nunchioi pelo co-autor da época dos fanfics, que era uma tentativa frustrada de lembrar o nome Kunoichi (ninja mulher). Na versão de 98, ela passou a se chamar Kunoichi, mas esse nome era muito difícil de ser pronunciado. Adotei o codinome Isai (prodígio). Mas ainda faltavam detalhes.

Originalmente, Miharu não tinha sentimentos por que era racional de mais, uma espécie de Senhor Spock. Na história original, ela havia sido capturada quando resolveu passear pelo Japão, saindo da ilha onde havia sido criada. Essa idéia mudou rápido, quando vi o impacto que enfrentar um First Stepper havia causado nos jogadores. Resolvi criar mais um, dessa vez uma espécie de Lex Luthor (mas deixo isso pra outro Making Off). Eu estava realmente irritado com o fato dos jogadores usarem Miharu para resolver todos os problemas. Houve uma época em que um jogador me disse que não iria investir em perícias, por que a Miharu tava no grupo para isso. Precisava tirar ela urgentemente da equipe, mas de uma maneira plausível. Nascia então Hideo.

Hideo era bisavô de Miharu até então. Não havia a noção de Steppers na época (os First Steppers eram chamados de "Os Sete"). Céus, eu nem poderia imaginar que uma viagem ao Japão causaria tanto problema (um detalhe importante! Na época, depois dos andróides do Doutor Hardy, tanto Miharu quanto Christine haviam fugido da base da Extreme sem deixar notícias; Miharu havia ido para o distante Japão, enquanto Christine estava, ao lado na França. Essa situação serviu para mim como um medidor, na época, de que Christine realmente não tinha nenhuma importância para os jogadores...). Durante a viagem ao Japão, os heróis enfrentaram um grupo de vilõezinhos que basicamente mimetizavam o grupo da época, e depois se encontraram com Hideo em pessoa. Devo assumir que todo aquele papo de First, Second, Third, Next e Last Steper foi inventado na hora. Eu queria que Hideo deixasse uma grande impressão nos jogadores, então fui criando as coisas enquanto eu falava.

Naquela situação, Miharu decidiu que era melhor ficar no Japão. Eu esperava resistência por parte dos jogadores, mas, mais uma vez, os planos do mestre foram frustrados. Eles saíram sem resistir muito (eu acho que estavam chocados em saber toda aquela baboseira, e também que a boba da Christine era irmã do coisa-ruim em pessoa, Voltage).

Ocorreram poucas modificações nos poderes de Miharu, desde então. Durante uma visita à Tchekov, decidi que a explicação para a ausência de sentimentos de Miharu (bem como para o comportamento de Christine e algumas outras pessoas) eram umas tais "Travas". Na época, tais travas eram condicionamentos genéticos. Mais tarde, seria dito que na verdade, eram obra de uma pseudo-First Stepper, Lucy. Miharu havia matado seus próprios pais (um fato que foi dito por Hideo, mas passou batido) por que sua trava dizia que tentaria matar qualquer pessoa que amasse. Por causa disso, ela isola seus sentimentos. Outra coisa que ocorreu foi que ela seria na verdade um "backup" de Hideo. Quando ela despertasse seus poderes secundários de Last Steper, Hideo conseguiria acesso à mente dela, mudando para um corpo mais jovem e virtualmente imortal.

Durante muito tempo, eu achei que Miharu era "forte de mais" para andar com a Extreme, e a mantive escondida, inatingível. Isso mudou com as regras da Segunda Edição. Agora, era possível fazer uma Miharu que pudesse servir como suporte, e não como pivô do grupo, mantendo as habilidades fantásticas sem aumentar o nível de poder. Como havia uma resposta positiva à presença dela por parte dos jogadores, achei que ela poderia voltar. Mas ainda precisava de uma desculpa.

A idéia veio em Act of War, em outros dos meus momentos reveladores, chocantes e inventados na hora: a destruição da mansão Miharu. Um Hideo enfraquecido teria dificuldades em manter Miharu presa. Bastou criar um vilão forte o suficiente. Originalmente, Cataclisma seria um Third Steper feito para matar Hideo, mas, no entanto, achei que ele era forte de mais para isso. Ele virou o primeiro homem Last Stepper, com o poder de controlar as forças da natureza, e um poder de fogo equivalente ao de Voltage. Depois da luta, Miharu e Hisa acabaram por se aliar aos heróis.

Ainda sim, havia o sentimento de que Miharu era invencível. Então, resolvi tudo com um outro Plot Devide feito na hora. O Rei da Montanha drenou severamente os poderes dela, mas foi a dopagem providenciada pelos jogadores que deu o Reboot final. Ela perdeu todos os conhecimentos adquiridos pelos poderes que tinha até então, o que a coloca novamente no treino e estudo. Isso fez dela um bom personagem auxiliar, com direito ao roleplay que ela merece.

Nota: Este post será atualizado sempre que a personagem passar por alguma mudança.

Sussurros e sonhos

2 de Novembro de 2014.

Um bando de pássaros cruzou os céus de um pequeno recanto ao sul da Espanha. Não eram pássaros grandes, como gaivotas ou pelicanos. Eram mais parecidos com pequenas andorinhas. Eles pareciam seguir uma formação de seta bastante irreverente, como se não houvesse nenhum risco ao redor. E não havia. Amanda pegou algumas flores no chão. Era primavera, e os gramados pareciam tapetes de branco e rosa. Um riacho seguia ao fundo, cortando o terreno de maneira irregular. Ela correu alguns segundos, sorrindo. Seu vestido branco misturava-se com as pétalas.

Colocou as flores num arranjo do lado da cabeça. Escutou algumas vozes chamando-a, mas não deu atenção. Seus olhos sorriam inocentes, enquanto acompanhavam os pássaros. Eles pareceram cumprimentá-la, e ela retribuiu jogando várias flores para cima. Sorriu mais uma vez, e se deitou entre todas as flores do mundo que podia querer naquele instante.

- Senhorita Fontana? Nós já terminamos as filmagens, você não precisa mais...

Ela não ouviu. Fingiu que não ouviu, na verdade. Fechou os olhos e se imaginou em um mundo onde estivesse sozinha. Imaginou voar junto com os pássaros, sem nenhuma responsabilidade. O vento ficou mais forte. Ela adorava, sentia um prazer infantil no ar passando por seu corpo, como cócegas feitas pelos pais às crianças. Sorriu, respirou fundo mais uma vez, e ignorou todo o barulho das pessoas ao seu redor.

"Parece uma criança, não entende que estamos trabalhando?"
"Esse café está doce, eu disse que não gosto de açúcar!"

Pareciam falar diretamente em seu ouvido, sussurrando. Ela abriu os olhos, assustada. Apenas o senhor Ortega, seu empresário, estava perto. Apoiou-se nos braços, e ficou sentada, procurando por mais pessoas. Os homens da produção estavam perto do furgão, a mais de cinqüenta metros. Riu de si mesma, como se tivesse cochilado e acordado com um sonho.

- Já era hora! Sabe que se continuar assim, vai atrasar sua agenda! Agora levante-se, temos que pegar o avião para...

"Eu fico imaginando se são de verdade, são muito grandes!"
"Não diga bobagem, ela deve ser inteira fabricada."
"Ei!, Vocês têm que ver isso, acabei de baixar esse jogo pro meu celular!"

Amanda olhou assustada. Tinha certeza ter ouvido as vozes dos homens da produção. A voz rouca era com certeza do bigodudo que ficara encarando-a a viagem toda. Mas estavam longe de mais. Até os pássaros estavam mais perto. Ela se levantou e limpou as pétalas do vestido.

- Está prestando atenção no que eu estou dizendo? Amanda?

- Hã? Desculpe, eu não ouvi direito, estão falando muito alto... - Ela jogou os cabelos para trás, e tirou a tiara de flores que havia feito.

O senhor Ortega falou mais alguma coisa qualquer. Ele pareceu irritado, e segurou o pulso de Amanda. Andaram até o carro. Ele deu uma bronca no motorista, que dirigiu até a estrada.

"Eu queria ter tirado umas fotos daquelas coisas, ninguém do estúdio vai acreditar que eu filmei de tão perto!"
"Fique quieto, Ruiz! Você não fez nada de especial, aposto que ela é do tipo que..."

Olhou rapidamente, mas a Van do estúdio estava parada centenas de metros atrás. Amanda então começou a ouvir as ordens de Ortega. Ela normalmente não prestava muita atenção, mas dessa vez, era ainda mais difícil se concentrar. Seguiram de carro vários minutos, até uma cidade modesta.

7 de Janeiro de 2015.

Estava parada no banheiro, em frente ao espelho. Puxou os cabelos de lado, e olhou com esforço para cima da testa. Parou um instante para ver sua expressão, e parecia com aquela que as mães olham quando fazemos algo errado. Riu. Olhou de novo para o topo de sua cabeça, puxando os cabelos com os dedos. Eles estavam lá! Os malditos, estavam lá! Os cabelos brancos! E ela ainda nem tinha completado 24 anos! Todas as raízes, todos os fios, brancos. Olhou novamente. Não, não eram brancos, não todos. Alguns eram de um azul pálido, quase cinza. Mas quem ela iria enganar? Eram, afinal, cabelos brancos. Sua carreira estaria terminada, velha aos 23 anos. Achava ter entendido por que os artistas duravam tão pouco tempo. Essa vida devia envelhecer as pessoas mais rápido! Não, não era possível. Artistas ficavam jovens para sempre. Principalmente os do cinema. Ela havia feito quatro clipes já, será que isso contava para alguma coisa? Não, os cabelos brancos estavam lá a toda.

Enrolou a toalha na cabeça e saiu. Mercedes, sua fiel escudeira, estava esperando. Falou sobre os compromissos do dia e tagarelou sobre o serviço péssimo que o afinador de pianos havia feito. Amanda não ouviu nada. Na verdade, ouviu, mas não prestou atenção em uma palavra. Quando chegaram ao quarto de vestir, tirou a toalha da cabeça e olhou para a secretária.

- Mãe de Deus!
- Eu estou velha! Eu não acredito! - Amanda jogou a toalha em um canto do aposento, e quase derrubou um abajur. Começou a lacrimejar, esperando que Mercedes, a salvadora, tivesse uma solução.

Hora e meia depois, Amanda estava com uma toca na cabeça. Mercedes havia tingido seu cabelo. 23 anos, e velha. Ela ainda estava tentando se conformar. Pensava se teria que usar dentadura. Quando a tintura secou, ficou se olhando no espelho por mais quinze minutos. Parecia tão falso... Nem notou que seus olhos estavam um pouquinho mais claros.

21 de Janeiro de 2015.

Estava sozinha no quarto. Era uma quarta-feira, e nos últimos dois anos, as quarta-feiras haviam se tornado seus domingos. Os domingos haviam se tornado suas segundas-feiras. Talvez isso fizesse quintas das segundas, ou terças dos sábados. Havia ido a dois médicos na outra semana, e feito milhões de exames. Nenhum deles sabia dizer por que seus olhos haviam ido do negro ao azul claro em duas semanas. Não havia perguntado nada sobre os cabelos, era um segredo entre ela e Mercedes.

"Ela não seria louca de assinar, isso vai acabar com a carreira dela!"
"Mercedes, ela diz ouvir vozes da pessoas na cabeça. Se isso continuar assim, ela vai acabar internada. A televisão é a melhor saída!"

Estava sentada ao piano da sacada de sua casa. Suspensa por vigas de madeira, beirando uma encosta de vinte metros. Haviam montanhas e árvores ao redor, tudo muito bonito. Não se incomodou em olhar procurando por alguém. Sabia que eles estavam longe. Ela não acreditava que pudesse estar ficando louca, não com todas essas coisas acontecendo de uma vez. Tocou mais algumas notas dissonantes, tentando se lembrar de alguma melodia que sua mãe cantara ao berço. O aroma das flores no pequeno vale abaixo era delicioso. O perfume amargo de Ortega fazia o possível para abafar qualquer outro cheiro, mas mesmo assim, as flores se destacavam.

A porta de vidro se abriu. Ortega e Mercedes entraram, calados. Ele explicou sobre o excelente contrato que havia conseguido com os executivos de uma grande rede de televisão, um arranjo para Amanda apresentar um programa de auditório. Mercedes não se pronunciou.

- Desculpe, senhor Ortega. Eu sou música. Eu gosto de música. Eu prefiro voltar aos barzinhos.

Ortega pareceu enraivecido. Mercedes tentou acalmá-lo, e convencer Amanda de que era o melhor para ela. A garota não escutou mais nada. Não podia. Estava maravilhada com o que começara a sentir.

Podia ver os ventos, nítidos e fortes. Eles não atrapalhavam sua visão, nem embaçavam objetos. Era como se fossem parte de uma segunda visão, separada da primeira. Podia sentir que corriam pelo vento. Sussurros, milhões de sussurros, pessoas falando suavemente em seus ouvidos. Podia saborear os aromas como nunca, eram todos novos, diferentes. Tinham cores! Então, sentiu o perfume de Ortega (era de um verde amarelado, quase podre), o esgoto da cidade, o cheiro de urina. As vozes gritavam em seus ouvidos, agressivas.

O vento ficou forte. Os papéis voaram das mãos de Ortega. As telhas da sacada foram arremessadas nas janelas da casa ao lado, e uma quantidade enorme de poeira entrou na sala. Mercedes tentou arrastar Amanda para dentro, mas o vento parecia vir de todo o lugar. O enorme piano de cauda começou a se mover sozinho.

Amanda desmaiou, gritando de medo.

3 de Fevereiro de 2015.

Estava tentando se controlar. Não havia contado para ninguém, mas ela sabia a verdade. De alguma forma, ela podia sentir o vento. Era como um animal selvagem, que se torna perigoso quando acuado. Amanda queria domá-lo. Estava parada, na cobertura ao ar livre do hotel, olhando para a cidadezinha, dezessete andares abaixo. Ela podia ouvi-los conversar. Uns sussurravam suavemente, apaixonados. Outros gritavam, furiosos. Mas todos eram reais, todos eram vivos. Podia dizer qual perfume cada um usava, o que haviam comido. Ninguém acreditava nela. Nem Mercedes, nem Ortega.

Se divertiu por alguns minutos vendo o ar quente das ruas dar lugar ao ar frio do mar. Sabia que não estava louca. Era tudo bonito de mais. Começou a cantarolar uma antiga música celta. Fechou os olhos, e começou a dançar. Imaginou que talvez caísse na piscina, mas o mundo fazia uma melodia maravilhosa, e não podia deixar de celebrar.

Um vento suave acariciou sua pele. Era uma brisa do mar, adivinhou. Havia se perdido das ruas, e estava sozinho. Ela também estava sozinha. Dançaram juntos, até que ouviu o grito assustado de uma das camareiras.

Abriu os olhos, e a música do vento cessou. Podia ver as pessoinhas na rua. Sorriu para elas. A mulher gritou de novo. Ela falara alguma coisa, Amanda tinha certeza disso, mas não tinha idéia do que. Olhou para trás, e percebeu que estava de pé em uma pequena extensão da parede do prédio, um mastro de concreto que se estendia a quase três metros do parapeito, além das grades. Amanda não teve medo. Ao invés disso, riu. Ando calmamente pela estreita ponte, e voltou para o prédio. Não teve dificuldades de pular as grades - se sentia estranhamente leve.

16 de Fevereiro de 2015.

O Tour na Dinamarca havia sido um sucesso. Os boatos sobre sua tentativa se suicídio haviam tido uma repercussão positiva para sua carreira. Mas Amanda não se importou muito. Na verdade, faziam dias que o mundo parecia estar distante de mais dela.

Ela era Autista. Sabia disso. Vivia em um mundo diferente do das outras pessoas. Havia sido diagnosticada assim aos oito anos, mas isso nunca a impediu de nada. Na verdade, não era um autismo forte. A maioria das pessoas pensaria que ela era bastante distraída, desligada, mas na verdade, era por que seu mundo particular era mais interessante. Seus ouvidos podiam diferenciar notas mais precisamente que equipamentos eletrônicos. Ajustava todos seus instrumentos pessoalmente - menos o piano, ela não sabia como afinar um piano.

Andou até a janela de vidro. Ortega havia pedido aos camareiros que trancassem todas as janelas do quarto. Sentia-se como um passarinho engaiolado, entoando tristes suplicas de liberdade. Sua respiração fez uma marca no vidro, e ela fez um desenho com o dedo. Não percebeu a porta se abrindo, nem a conversação que veio depois. Na verdade, havia ouvido tudo muito claramente, mas nenhuma palavra havia lhe despertado interesse, pois tinham um som monótono.

- Senhorita Amanda? Este é o rapaz que enviou aquelas cartas. O do Instituto Lautrupvang.

Amanda se virou. Parecia ter saído de uma viagem longa. Seus olhos percorreram o rapaz. Tinha cabelos cor de fogo. Será que ele também tinge os cabelos? Parecia forte e inteligente. Talvez seja algum artista de televisão. Ela não queria apresentar o programa de televisão. E se o rapaz estivesse ai para convencê-la do contrário? O fogo dança ao vento. Talvez ele seja um dançarino!

- Perdão? Senhorita Amanda? Eu sou Kelvin Dølwist, nós trocamos cartas, se lembra de mim? Senhorita Amanda?

Ela acordou novamente de seu transe. Ele havia falado por quase meio minuto antes de ela começar a ouvir. Sorriu e comentou algo sobre dançarinos, mas ninguém entendeu. Ortega atendeu ao telefone, e se afastou dos dois, pedindo desculpas. Estavam sozinhos.

- Amanda, eu sei sobre você. Sei que você é diferente. E sei que você pode fazer a diferença para o mundo!

"Doze Mil? Doze Mil? Onde você acha que eu consigo dinheiro? Isso não cai do céu, sabia?"

- Se você vier comigo, só umas horas... Eu posso te apresentar para alguém. Alguém que pode te ensinar a controlar sua habilidade! Eu sei que é difícil, mas tudo que está acontecendo com você, tudo tem uma explicação.

"Não quero saber, eu preciso do equipamento para ontem!"

Ele não falava sobre dança. Talvez, fosse um artista moderno! As palavras não pareciam querer se alinhar em sua cabeça, mas Amanda não fez nenhum esforço para entender. Kelvin parecia aflito. Olhou para os lados, assegurando-se que estavam sozinhos.

"Como assim, azul?"

- Olhe.

Suas mão direita pegou fogo. Não como se estivesse em chamas, mas como se controlasse as labaredas delicadamente. Uma flor se formou nas chamas, perfeita. Amanda cortou toda sua linha da pensamentos. A chama se apagou. Ela sorriu com os olhos.

- Eu vou estar ocupada nos próximos dias por causa dos shows. Dia 18 é meu aniversário. É uma quarta feira... Eu vou estar livre. Mas não pense que é um encontro, viu?

Kelvin sorriu. Cumprimentou a moça, e saiu da sala.

18 de Fevereiro de 2015.

Amanda estava maravilhada com o céu. Era maior do que em qualquer outro lugar. O vento era forte, mas gentil. Tudo era perfeito. Curtiu o momento por alguns minutos. Parecia uma pracinha, mas era tão muito mais. Kelvin havia a trazido para cá num jatinho ovalado. Ninguém sabia onda ela estava, e isso lhe fazia se sentir livre. Dançou e cantou, abraçada às correntes de ar.

- Não sinta vergonha. O vento é uma extensão de seu próprio corpo.

A voz era diferente, que conseguia quebrar os pensamentos da garota e atingir diretamente sua mente. Um homem muito velho, rouco e sério. Havia se apresentado a pouco como Dmitri Tchekov, o mesmo que era Secretário de Segurança da União Européia. Era menor e mais troncudo do que mostravam na TV, mas Amanda não poderia saber - não assistia TV.

- Sinta-se leve. Pode dançar no vento, não pode? Deixe que ele te guie!

Amanda dançou. Sentia-se mais feliz do que nunca. Não ouvia vozes, todos os aromas eram agradáveis, e o vento era delicado e macio. Começou a se sentir cada vez mais leve, mais confortável. Então, outro vendaval começou. Era forte, e parecia não querer desistir. Resistia às súplicas da moça. Ela se desesperou, como da outra vez. Tudo era de mais, os sons, os aromas, eram muitos, intensos.

- Não desista! Sinta o vento! Sinta-o como parte de seu corpo! Não o deixe descontrolado!

Ela resistiu. Dois, três, cinco minutos. O vento ficava cada vez mais forte. Ela fechou os olhos de medo. Ordenava que parasse, mas ele fazia exatamente o contrário. Sentiu que seria arremessada para longe. Escutou então uma melodia desordenada. Atentou-se à suas notas, esquecendo-se em parte do perigo que corria. Em sua mente, tentou acertar os tons e as notas da música, para que soassem agradáveis aos ouvidos. Então, o vento parou.

- Abra os olhos, Amanda. Abra os olhos, pela primeira vez.

Ela abriu. Via a pequena pracinha lá embaixo, centenas de metros distante. Podia sentir com perfeição todas as correntes de ar, os sussurros e os aromas. Tudo era perfeito. Então, percebeu que não sentia o peso do próprio corpo. Notou, pela primeira vez, que não estava mais presa ao chão. Estava livre como os pássaros. Estava voando. Sorriu de verdade pela primeira vez.

Uma canção galesa.

É uma bela manhã de outubro, 17,4 graus celcius, vento forte à noroeste. A brisa marítima chega na encosta da montanha e toca as flores nos jazigos. É uma bela manhã, como todas as outras em que estive com você... sabe, não importa o que acontecesse, o que houvesse, saber que você estaria lá por mim era sempre um alívio, era reconfortante. Afinal, você sempre foi o mais forte de nós dois Merrick, sempre foi o mais puro. Não sei a primeira vez que notei sua presença ou você a minha, mas com certeza o fizemos juntos. Daquele quarto na parte sul da casa, que fica a 18 passos do quarto de nosso pai, aquele quarto de paredes brancas como a neve do ártico onde fomos colocados juntos e onde vivemos juntos até sermos considerados dignos de receber uma cama própria ao invés de berços.

Você esteve lá quando eu caí daquele maldito berço, eu me lembro que tínhamos três anos, me lembro fortemente do seu choro, acho que o fato de você estar chorando me traumatizou mais que a própria queda, e você sabe que eu odeio cair, como você mesmo disse anos depois com seu forte sorriso... "Levante Rick, cair não combina com você". É, não combina, embora venha ocorrendo cada vez com mais frequência irmão. Eu ando perdido, e como sempre na minha vida, venho atrás de você em busca de mim mesmo. Talvez seja isso Merrick, talvez seja esse o meu problema, talvez eu sempre soubesse que não éramos irmãos de verdade, que nosso pai não era meu pai... sabe a verdade? Isso me deixa confuso sim, o maior problema é me deixar confuso, e sim, me frustra também, porque no fundo, eu me orgulhava de ter seu sangue nas minhas veias, de saber que a coragem que você tinha, também era minha. E agora eu sei que não é.

Então quem sou eu? Quem é Richard Harris Teabing? Sabe a única coisa que me vem a cabeça quando essas dúvidas surgem? O único fato que nunca mudará independente de qualquer coisa? Você Merrick, você é meu irmão. Logo Richard Harris Teabing, ou seja, eu, eu sou seu irmão. E nada, nada no mundo pode dizer o contrário sobre isso. Que a genética babe sua saliva de genomas, que a química se perca na tabela periódica, que a matemática definhe em seus dilemas mentais, que a física se autoprojete pra fora da própria realidade. Nenhuma das ciências do mundo pode me dizer que eu não sou seu irmão, e olha que eu conheço todas.

Afinal, como poderia eu não ser seu irmão? Não foi com você que eu tive minha primeira briga? Meu primeiro soco, um direto de esquerda no meu maxilar. Doeu muito, nunca mais nos agredimos depois daquilo. Você por remorso, eu por bom-senso. Não foi pra você que eu sempre contei tudo? E o inverso não era verdade? Você sempre soube de todas as minhas falhas, de todos os meus "desvios de comportamento"? Só você soube que fui eu quem destruiu o carro do senhor Gibbins, a moto de Marlowe Jr e a saia da Senhorita Gwendolyne. Cada um por um motivo diferente... Mas só você sabe, até hoje, disto. Assim como só eu sei que você amou perdidamente Meredith, a empregada casada com quem você teve sua primeira vez. Eu soube disso no segundo em que vi seus olhos quando falei dela, por isso não te contei que ela havia se deitado comigo no outro dia.

E é por isso que cada dia 8 de outubro eu venho aqui pra te pedir perdão. Não por eu ter me deitado com ela, não foi culpa minha, eu não fazia idéia que você tinha se apaixonado pela maior defloradora da região, mas foi minha culpa não ter te contado. Assim como foi minha culpa o modo como você morreu. Se nosso pai não tivesse me adotado, me criado, você ainda estaria vivo Merrick. Vivo e feliz. E tudo por minha culpa, se eu não tivesse me engraçado com todas as mulheres de Oxford, se eu não tivesse me envolvido com Eliza ou nunca humilhado aquele doente mental do Gostrauken na sala de aula...Se, é a conjunção condicional mais maléfica do mundo. É o feto da auto-piedade.

Desculpe irmão, sei que você odeia me ver chorar, sempre odiou, principalmente por ser algo muito raro de acontecer, mas não consigo evitar, não estando aqui na costa de Callaghan, não estando aqui, na área reservada aos Teabing, tendo na minha mão um punhado de crisântemos roxos, os preferidos de nossa, sua mãe biológica, segundo nosso pai, os seus preferidos desde que você soube o que era um cheiro bom, e o que era um cheiro bom campestre. Desculpe Merrick, eu não consigo, não hoje... talvez um dia.

Entretanto eu faço juz a fama dos galeses. Eu não sou confiável, ao contrário de você irmão, você que sempre foi o mais honrado de nós. É, o padre disse tudo no seu funeral Merrick, Deus leva os justos e bons para perto de si, acho que vou arder no inferno... não que eu não mereça, mas eu gostaria de poder te encontrar de novo irmão. Gostaria de te dar aquele abraço forte, de ver seu sorriso brilhante outra vez e é duro saber que nunca mais isso vai acontecer.
É como aquela velha canção que nosso velho pai o Coronel Maddock nos cantava quando éramos crianças:

As aves de arribação chegaram
Nesta primavera bela
Enquanto a nossa estrela
e a lua se deitaram

Enquanto o sol aguarda nascer
Nós esperaremos por vocês
Aves de arribação tão doces
O morrer é apenas um adormecer

No qual do inverno se esconde
Num sonho de alegrias
De Callaghan nas pradarias
Voltar a caminhar por onde...

Adeus Merrick, até ano que vem. Obrigado por sempre me guiar pra junto de mim, afinal, você sempre foi o mais forte, e eu o mais errado. Obrigado por tudo meu irmão.

Bourbon

Enquanto segurada já não tão firmemente pela singela e quase trêmula mão, a garrafa derramava insensível uma fina cascata de bebida dentro do copo de bordas manchadas com batom rosa-claro. Sentada no chão da sacada do apartamento em NY, costas apoiadas na quina de parede, tendo como companhia uma delgada fumaça que brotava da ponta do cigarro sobre o cinzeiro ao seu lado. A cabeça, tombada para o lado como se pesasse mais que a própria paisagem, olhava para uma direção despropositada. Não precisava olhar para as coisas, na verdade sentia como se tudo estivesse o tempo todo olhando para ela. Podia ver claramente quando caminhava pelas ruas: todos a observavam. Odiava aquilo, talvez por isso apreciasse tanto estar invisível. Levou o copo novamente à boca e bebeu mais um largo gole do líquido, sentiu o álcool atravessar seu peito e em seguida amortecer sua cabeça. A garrafa já passava da metade e ela ainda não atingira o estado que buscava. Um estado de paz, de esquecimento, de isenção. Não gostava tanto assim de ficar embriagada, mas nos últimos tempos aquilo havia se tornado necessário com cada vez mais freqüência. Ouviu o celular tocando dentro do quarto. Moveu seu campo de visão para o visor, apenas para descobrir que era do escritório. A ONU não parava, era uma megainstituição global que não podia parar por um segundo sequer.

Mas ela não. Ela não era uma instituição, era apenas uma garota. Conteve um riso amargo e torturado ao pensar naquilo. Sequer era um ser humano, ao menos não no sentido biológico da palavra. E se um macaco capaz de aprender, sentir, se relacionar e compreender as coisas, continuava sendo um macaco, o que a definiria como humana senão o fator biológico? Lembrava-se das palavras de Pierce, dois anos atrás, quando descobrira sua real natureza. Um projeto militar intergovernamental para criar armas de guerra super-humanas. Super-humana. Sequer conseguia se sentir humana, sequer conseguia sentir qualquer coisa inteira dentro de si, tudo era fragmentado como sua própria história. A começar pela infância. Quinze anos de escuridão. Seus pais haviam morrido em um acidente, era o que seus tios lhe contavam. Ela sofria de uma doença raríssima que a impedia do contato com a luz solar, era o que seus tios lhe diziam. Eles a amavam muito e sempre a amariam, era o que lhe diziam. Mentiras. Absolutamente todas mentiras.

A começar por seus pais, que eram por sua vez também armas governamentais desenvolvidas em laboratório e forçadas à reprodução. Não eram seus pais, eram matrizes genéticas, sequer eles eram humanos, então como estar mais distante que isso daquele mundo? Sua doença era outra enorme mentira, a maior de todas. Não podia sentir a luz solar porque isso ativaria seus poderes, e isso a colocaria em situação de ser efetivamente a arma que a projetaram para ser. Quinze anos. A janela de seu quarto era vedada com fitas adesivas e plásticos pretos. As crianças diziam que ela era um vampiro, um monstro, e por muito tempo ela acreditou nisso. De certa forma, ainda acreditava. Mas a pior mentira de todas não era aquela, e sim a de que seus tios a amavam. Não conseguiu impedir duas lágrimas gêmeas de rolarem paralelas por seu rosto enquanto se lembrava.

Se a amasse mesmo, ela pensou, sua tia jamais teria ido embora. Sem explicações, sem despedidas, sem sequer um bilhete que dissesse o porque. Simplesmente partiu, para nunca mais voltar, deixando para trás uma menina de quinze anos e um homem de 50 que não suportou a dor do abandono e se entregou aos comprimidos. Primeiro os antidepressivos, que o mantinham na cama o dia todo, deixando uma casa inteira para a menina que não podia viver de dia. Depois vieram os barbitúricos, e por último os seratogênicos, que o colocavam em um estado de euforia descontrolada. Foi naquele estado que ele a encontrou, deitada sobre o sofá, cansada e abatida de outro dia igualmente vazio. Foi nesse estado que ele decidiu que ela não era mais uma criança, era uma mulher, crescida e cheia de formas atraentes.

O copo caiu no chão, liberto dos dedos que agora se apertavam contra a palma das mãos. Soluçou, e o soluço deu espaço a um choro incontido. Tremia por dentro e por fora, lembrando-se do momento em que sentiu o cheiro ocre do suor nos braços de um velho possuído pela dor e pelas drogas, determinado por sua vez a possuí-la de alguma forma. Lembrou das mãos, ásperas e insensíveis apertando seu corpo. Lembrou-se de ter gritado e do pesado impacto do braço sobre seu rosto, calando o desespero em pálidos e apavorados gemidos de agonia. De todos os momentos de sua vida, nenhum teria sido tão perfeito para que seus poderes despertassem como aquele. Mas eles não despertaram, permaneceram como ela, calados e impotentes. No dia seguinte, a polícia o levaria para a Penitenciária Hicker, onde ele passaria os 5 anos seguintes de sua miserável vida, até ser morto por outro presidiário. Nunca se interessou em saber o que acontecera. Passou as mãos pelo rosto, enxugando as lágrimas. Tragou longamente o cigarro e espalhou a fumaça pela atmosfera a seu redor. Olhando para os cacos de vidro do copo espalhados pelo chão em meio ao bourbon, teve a inevitável associação com sua própria vida. Cacos. Cacos de uma infância nas sombras, cacos de uma adolescência sem pais, por mais que Douglas Moench tenha sido ótimo a adotando, cacos de uma vida sem sentido em que lutava sem saber o porque, por uma humanidade à qual ela sequer pertencia. Apanhou a garrafa e, sem cerimônias, bebeu um generoso gole direto no gargalo. Podia ter moldado um copo de luz, mas sentia-se em um estado de fim-de-carreira muito mais apropriado a gargalos do que a copos. Perguntou-se, finalmente, porque continuava.

Porque era esse o sentido de sua vida. Riu novamente, dessa vez muito mais amargurada. Que espécie de vida era aquela? Acordava e ia para a ONU, onde passava seis horas trabalhando com os meandros legais envolvendo crianças estrangeiras trabalhando em condições desumanas nos EUA. Todos os meses conseguia devolver dúzias delas a seus países, mas para quê? Para serem exploradas em outro lugar, para serem substituídas por outras que chegavam todos os dias pelos portos ocultas em fétidas caixas de madeira embolorada. Para morrerem, adoentadas antes dos nove anos, assassinadas antes dos doze, de overdose antes dos quinze, de fome um pouco por dia. Por mais que lutasse, não conseguia mudar o mundo. Quantos criminosos já detivera? Lann, Contágio, o Carniçal, cada um derrotado trazia quatro novos em seu rastro. Pensou em Nicholas. Ele nunca acreditara nessa conversa de herói. Talvez tivesse razão. Talvez não valesse mesmo a pena. Talvez não houvesse sentido naquilo tudo. Mais de uma vez pensara em simplesmente mudar de lado. Em usar seus poderes para pura e simples vantagem própria, e que se dane o resto do mundo. Que se danem as crianças escravizadas, as cidades ameaçadas de destruição, que se dane o mundo todo. Se ninguém se preocupava com ela, porque ela precisava se preocupar com um mundo que nunca fora justo?

Sentiu a cabeça rodando. Muito álcool. Finalmente começava a atingir o estado que queria. Mal conseguia se lembrar de onde estava, mal conseguia se lembrar de quem era. Eram aqueles minutos de total e completo torpor alcoólico que ela buscava. Minutos em que não era Alísia e nem Sunshine, em que não precisava lidar com a solidão de cada dia em seu apartamento, quando o trabalho da ONU já estava feito e quando não havia criminoso a ser caçado pela Extreme. Richard devia estar com Tessa, Nicholas com Christine, Gunther provavelmente visitava Sonique. Mas Alísia, sozinha na sacada de seu apartamento, estava completamente desacompanhada naquele momento. Desacompanhada de pessoas, desacompanhada de sentimentos, desacompanhada de esperanças. Sabia que no dia seguinte iria acordar com a cabeça girando ainda mais e que alguma coisa irracional a faria retomar tudo, a luta pelas crianças, pelo mundo, pela lei. Sabia que aquilo era muito mais movido pelo contexto do que por seu próprio ideal. Mas não queria se preocupar com ideais naquele momento.

Ali, jogada no chão sem ninguém que pudesse vê-la naquele estado deplorável, ela sorriu uma última vez antes de apagar, porque não conseguia mais saber quem era, e aquilo a tornava, ainda que por segundos, livre.

Três Segundos

Algum lugar do Oceano Atlântico, 22 de Abril de 2016.03h12am, hora de Greenwich.

Faltavam três segundos. Enquanto suas pernas golpeavam a água sob seus pés, frenéticas e desesperadas como britadeiras, uma infinidade de elétrons da atmosfera era atropelada pelo inglês cuja mente, em pânico, só conseguia pensar na mesma coisa. Faltavam três segundos.

Três segundos para que a bomba explodisse, três segundos para que o RDX conseguisse o que queria. Três segundos para que a casa com a pequena menina Nancy Gray fosse pelos ares. Não podia pensar naquilo. Precisava pensar em correr, precisava ser mais rápido. Segundos atrás estava em Nova York, lutando contra terroristas da Daydream, e finalmente conseguira encurralar pela segunda vez o psicopata especialista em explosivos. Foi quando um telão exibiu uma imagem de uma garotinha, Nancy Gray, desaparecida a 12 semanas, foi na pista dessa garota que ele encontrou a Daydream. O contador do relógio marcava 7 segundos para a explosão. “Corra, herói” foi a única coisa que o miserável disse enquanto sorria. Sete segundos. Demorou cerca de quatro para alcançar a metade do caminho. Três segundos e uma quantidade interminável de água a ser cruzada. Correr sobre alto-mar era sempre uma experiência estranha, parecia que as nuvens é que corriam contra seu caminho, e era difícil saber quanta distância faltava. Não parou para olhar o GPS, não podia perder tempo, não podia se desconcentrar. Precisava correr, precisava correr como nunca correra na vida. Primeiro porque era uma criança e por mais que ele tivesse aprendido a separar sua vida civil da vida como herói, era impossível não lembrar que ele próprio tinha um filho daquela idade. Segundo, porque sabia que ninguém mais no mundo conseguiria correr tanto em tão pouco tempo. Terceiro, e mais importante, porque em seu consciente, sabia que talvez fosse tempo de menos para distância demais. Finalmente, e muito mais importante do que qualquer outra coisa, estava concentrado e desesperado, porque em seu inconsciente ele sabia que não havia como chegar a tempo. Sabia que o RDX provavelmente medira sua velocidade antes de escolher o ponto para colocar a bomba. Mas ele tinha que correr, não podia desistir, mesmo que seus músculos já começassem a doer, mesmo que seus reflexos já estivessem comprometidos pelas enxurradas de ácido lático em suas juntas. Dois segundos. Em um ato de pânico, arrancou o visor e as luvas do uniforme. Precisava aliviar peso, cada milésimo de segundo era imprescindível enquanto Claude Nistelroy, um risco luminoso retilíneo que se formava rasgando o Atlântico entre Manhattan e Londres. Sentiu um ganho de velocidade, mas suas pernas doíam e bolhas começavam a estourar em seus pés. O solado das botas encontrava-se espalhado por todo o trajeto transoceânico. Sentiu um ligamento do joelho se rompendo e, no mesmo segundo, sendo religado ao corpo por seu hiper-metabolismo. Mesmo assim doía muito. Não podia parar. Faltava só um segundo. Sabia que logo as docas de Welshtown surgiriam no horizonte. Um segundo. Pensou por um micro-instante em desistir. Um segundo. Cerca de sete mil quilômetros. Não sabia em que cômodo do prédio estaria a bomba. Não sabia se haveria para onde correr com o explosivo ou como desarmá-lo em tão pouco tempo. Não sabia sequer se o marcador de tempo estava correto ou se sua própria noção dos segundos passados estava certa. Mas sabia uma coisa ao certo, ele sabia que se ele não o fizesse ninguém mais no mundo conseguiria. Ele era o homem mais rápido no mundo, ele e somente ele era a única esperança que a vida de uma pequena menina com a idade de seu filho tinha. Lembrou-se de Liquid e Impacto. Lembrou-se das vezes em que quase morreram para salvar alguém. Lembrou-se de que quase morreram para ajudá-lo a salvar seu filho. Não, não poderia desistir, precisava continuar, precisava correr mais rápido, precisava ser mais rápido que o tempo, que a bomba, que a morte. Arrancou do próprio peito o símbolo da Extreme, único item que não era feito de tecido Sis e que fazia algum peso. O rastro de solado das botas se misturava ao rastro do sangue que saía de seus pés enquanto corria cada vez mais rápido, enquanto o atrito com o ar começava a arrancar fios de seu cabelo e a empurrar suas gengivas para longe dos dentes, inundando sua boca com um gosto férreo e seco. Em um micronésimo de segundo o cenário todo mudou de cor do azul impassível do mar para uma miríade de tons entre verde, cinza, marrom e preto da terra firme. Meio segundo. O caminho mais curto para Londres era pela linha dos trens. Como uma enorme descarga elétrica, como um enorme relâmpago horizontal, ele disparou pelos trilhos enquanto começava a rezar. Nunca acreditara verdadeiramente em deuses ou coisa assim, mas sentia que precisava de algo maior para conseguir. Orou para o tempo, e pediu com todas as suas forças para que fosse o bastante. Um quarto de segundo. A dor em seu corpo já era generalizada, mal conseguia sentir as próprias pernas, que continuavam a se mover como que comandadas por um instinto maior, uma necessidade superior à razão que urrava em seu peito gritando que ele precisava conseguir, precisava salvá-la. Mesmo que isso significasse perder os movimentos das pernas, mesmo que significasse morrer. Não conseguiria olhar para seu filho se deixasse que a menina fosse vítima daqueles que ele diz ao pequeno garoto que vai combater quando sai de casa.

Foi pensando nisso que Claude sentiu o cheiro da fumaça levada pelo vento que ia contra seu trajeto. Tentou imaginar que fosse de outro lugar, mas no instante seguinte seus olhos chegaram ao prédio. O terceiro e último andar tornara-se uma enorme área fumegante. Ele não ouviu o som. A explosão deveria ter propagado um estrondo que se moveria a trezentos metros por segundo, então se ele tivesse se atrasado menos de um segundo, teria chegado a tempo de ouvir. Enquanto descargas elétricas saltavam de seus braços e pernas para os postes das calçadas e cacos de vidro da rua, o homem mais rápido do mundo caiu ao chão. Não de cansaço, embora mal conseguisse respirar. Não de dor, muito embora estivesse com pés, joelhos e boca latejando em espasmos de corte e cicatrização contínuos. Naquele momento, sete segundos depois sair de Manhattan, Lightning caía de joelhos sobre os destroços da rua em frustração, em profundo estado de angústia. Tentou olhar novamente para a construção, mas não conseguiu. Enquanto os ferimentos em seus pés eram regenerados, nada no mundo poderia curar a dor e sensação de completa impotência que rasgavam-no por dentro. Ele era Claude Nistelroy, o Lightning, o homem mais rápido do mundo, mas naquela madrugada fria de Londres, sozinho na rua enquanto a polícia só então era notificada do atentado, ele se curvou prostrado no asfalto e chorou, porque aquela menina dependia dele.

Porque, naquela noite, ele não conseguira ser rápido o bastante.