Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Temporada de Caça

New Jersey. Madrugada. No segundo andar da luxuosa mansão dos Nistelroy, uma janela destoava acesa do restante da residência. Sentado na ampla poltrona de couro, vestindo pijama com os pés de pantufas sobre a mesa, Claude Nistelroy devorava um pequeno embrulho de comida chinesa com um par de hashi, enquanto com a outra mão operava o teclado do notebook em seu colo. Estava compenetrado, já fazia quatro horas ali, sem encontrar nenhuma pista. Parou por um instante quando um camarão frito escapou do hashi, despencando rumo ao chão. Desviou os olhos do computador e, em um movimento invisível, apanhou o camarão com os palitinhos antes que o mesmo alvejasse a tonalidade creme do carpete. Descompenetrado, olhou para o relógio. 2h13 am. Suspirou, frustrado.

Era inacreditável. Oito assaltos em um mês. Dois bancos na Suíça, três museus entre a Itália e a França, e acervos pessoais de arte no Canadá, na Rússia e na Inglaterra. Títulos de ações ao portador, diamantes, obras de arte super-avaliadas, sempre coisas que podiam se tornar milhões de dólares rapidamente. Nenhum rastro. Pouquíssimas informações concretas. Das oito vítimas, quatro eram clientes preferenciais da Nistelroy Security Technologies. Desses quatro, três tinham seguro parcial contra roubos, o que significou ao final do mês uma duplicata de 11 milhões de dólares à Nistelroy Security. Em um mês onde o Crusade já fizera um volumoso e milionário saque dos cofres da empresa para pagar aos Black Ops – e Claude não gostava sequer de se lembrar daquilo – era causa suficiente para tirar o sono e a tranqüilidade do jovem empresário.

Súbito, um estalo, um lampejo luminoso dentro da mente de Claude, e em seguida um lampejo luminoso no quarto, revirando papéis e deixando cair de uma vez por todas a comida chinesa no chão. A duzentos quilômetros dali, e se afastando rápido como um raio, o Lightning disparava em direção a Londres, local do último assalto. Uma vez diante do prédio, propriedade de um magnata inglês que perdera três quadros de Degas com o assalto, Claude rapidamente adentrou o salão, cena do crime. Aproximou-se do cofre, um USR-536, tecnologia de última geração. Haviam categoricamente três formas de se abrir aquele equipamento. Atravessando o metal, por força ou incorporealidade, abrindo o sistema com um modem remoto e tomando o controle do dispositivo – opção mais plausível, embora se tratasse de uma tarefa árdua, ou pela manipulação dos ferrolhos e mecanismos internos da trava por meio de ímãs hipercarregados. A terceira opção era, por incrível que pareça, mais improvável do que a primeira. Tanto porque ímãs desse nível eram muito difíceis de se conseguir quanto porque a habilidade necessária para executar tal peripécia era própria de, no máximo, quatro pessoas no mundo, e Claude era uma delas.

Levou a mão direita ao cofre, encostando nele um sensor e ligou-o a um pequeno computador que segurava. Um software simples começou a medir, em altíssima precisão, o campo magnético da superfície metálica, traçando um desenho sobre a tela. Muito mais indignado do que surpreso, Claude suspirou novamente. Fazia sentido. Fazia todo o sentido.

Uma semana mais tarde. Cidade do México. Madrugada. Em um quarto de hotel barato, deitado sobre a cama, Claude bebia um milk shake de chocolate, enquanto na tela do laptop ao lado, diversas leituras corriam pelo display. Vinte e sete sensores instalados na propriedade do bilionário mexicano Carlos Slim. Claude estava tranqüilo. Sabia a quem procurava, conhecia muito bem aquele jogo e isso lhe dava a segurança necessária para não cometer erros. Se suas suposições estivessem acertadas, seria exatamente ali o próximo roubo. Se estivessem erradas, estaria fazendo papel d idiota a milhares de quilômetros do lugar onde deveria estar. Sorriu. Sabia que não se enganava, e a confirmação veio quando os sensores dispararam alarmes de leitura no laptop. Levantou os olhos em direção da tela. Impressionante. Sem temperatura, sem barulho, sem imagem visível. Um fantasma.

Exceto pela alteração na pressão atmosférica do salão de jóias da família Slim. Claude gargalhou. Sentia-se daquela forma, como um gato que pegou o pardal, sempre que uma idéia nova da Nistelroy funcionava bem. Claro, fazia pouco sentido usar sensores de pressão atmosférica em um ambiente com imagem, som e temperatura já monitorados.

A menos que se tratasse da pessoa que Claude procurava. Um novo clarão, mais papéis voando e um milk shake sujando o assoalho, e o Lightning já estava diante dos jardins da propriedade.

Dentro da sala reservada às jóias, antiguidades e obras de arte da família Slim, o ambiente estava escuro, iluminado apenas por suaves lâmpadas vermelhas nas paredes. Eram suficientes para alimentar as câmeras de vigilância, e não agrediam desnecessariamente as pinturas expostas pelo ccômodo. Sem que ruído algum fosse emitido, a tampa superior do duto de ar condicionado se moveu. Uma suave e finíssima fumaça começou a espalhar-se em direção ao ambiente, revelando dúzias de filamentos infravermelhos que cortavam o salão em várias direções. Ágil e equilibrada como um gato, a figura sombria do invasor esgueirou-se pelo teto, evitando sensores e aproximando-se de uma das vidraças de exposição, onde era possível ver um amuleto de aparência Azteca. Deslizando do teto em direção a seu objetivo, silencioso e delicado como uma aranha, o gatuno pairou diante do vidro e começou a manusear alguns instrumentos eletrônicos. Ligou uma ponta cristalina a um pequeno dispositivo, e o ativou. Um campo circunferencial de laser de microcorte se formou, e um disco perfeito foi destacado da redoma. Com a frieza de quem já treinara muito aquele movimento, esgueirou a mão direita para dentro do vidro, apanhando e trazendo para junto de si o amuleto.

“Devo admitir, colega, que o gerador de campo acústico estacionário foi brilhante, e que o traje fotorefratário invisível ao espectro vermelho foi absolutamente genial ...” virando-se abruptamente para trás, o ladrão pôde ver a imponente figura do Lightning, em seu traje vermelho e dourado reforçados ainda mais pela luminosidade do lugar. Estava sentado sobre uma bancada ao lado de um vaso chinês, batendo discretas palmas ao interlocutor, que pareceu notavelmente assustado.

“Não precisa se preocupar, os sistemas não vão nos acusar aqui, cuidei disso ao entrar. Somos só nós dois aqui, menininha.” Disse, acendendo um cigarro e retirando a máscara. O invasor se aproximou silencioso de Claude, e tirou também o capuz. Os longos cabelos negros correram por suas costas, revelando uma solitária mecha cor-de-rosa e um delicado rosto de mulher que, apesar de lindo, parecia raivoso e contendo uma explosão de fúria. Rosnou, impaciente.

“O que diabos você quer aqui, Claude?!”tão logo disse isso, foi em um estampido surdo e abafado levada pelos braços do inglês até a parede do outro lado da sala. Pressionada contra o concreto pela mão direita do homem, Victoria Lupin, a famosa ladra que se auto-denominava Pink Panther, notou que ele não estava tão brincalhão como de costume.

“O que eu quero aqui? Quero onze milhões de dólares que a senhorita me causou em prejuízos no último mês, quero saber para quem você está trabalhando e, mais do que qualquer outra coisa, quero que você pare de roubar meus clientes preferenciais!”seus músculos conduziram pequenas cargas elétricas azuladas pela superfície de seu uniforme, dando-lhe um aspecto muito apropriado a seu humor. Ela sorriu, passando os braços pelo pescoço do jovem e dando-lhe um beijo nos lábios. Em uma primeira metade de segundo, ele correspondeu, afastando-se dela logo em seguida.

“Merda, Victoria! É tudo brincadeira para você? Eu não sou mais o Esquiva-Balas, eu não estou mais nesse jogo! Você -”aproximou-se novamente dela, agora atento a seus movimentos. Sabia o quanto ela era perigosa, e que qualquer distração seria o bastante para que ela escapassse “Você vai me dizer para quem está trabalhando, e vai ser agora”

Ela sorriu, novamente. Pegou o cigarro da mão de Claude e deu um trago.

“Onze milhões? Francamente, Claude Monet Nistelroy, você já teve mais classe. Eu não pedi onze milhões emprestados, mon cher, eu os roubei de você. Quer eles de volta? Roube de mim. Quanto a parar de roubar seus clientes, bom, eu não queria colocar as coisas dessa maneira, mon amour, mas se você não consegue mantê-los em segurança ...” novamente, um sorriso pueril. Claude segurou-se, queria joga-la pela janela. Era exatamente o que ela queria que fizesse, estava o provocando. Respirou profundamente, conhecia aquele jogo.

“Se eu quisesse roubar você, menininha, não teria dinheiro nem para tingir o cabelo de rosa. Quanto aos meus clientes, eu te peguei hoje, e agora que sei que é você quem estava me roubando, posso te pegar sempre. Conheço suas técnicas, garota, ensinei metade delas para você. E você ainda não respondeu a pergunta mais importante ...”

Victoria voltou os olhos para Claude, em uma atitude cênicamente disfarçada, e com o ar de quem não entendeu, perguntou cinicamente “Hum? Qual pergunta?” parecia querer de alguma forma ganhar tempo.

“Você tem dinheiro, não precisa se tornar milionária e pode roubar qualquer coisa que não possa comprar. Agora, eu te conheço bem o bastante para saber que você não gosta de artes impressionistas, nem coleciona amuletos nativo-americanos. Assim, é evidente que alguém te pagou para fazer isso, o que me leva à pergunta: quem está interessado nessas peças?”

“Uma pena que eu não vá poder responder isso, não é mesmo, mon petit?” ela gostava de usar aquele francês vagabundo, tudo para provoca-lo. Ele a encostou novamente contra a parede, ainda que dessa vez sem forçar.

“É claro que você pode. Eu não vou te prender, e seja quem for não vai poder te fazer nada ... Então fale!” sentiu uma náusea ao dizer aquilo. A jovem o devolveu para trás com a mão sobre seu peito, e olhou para a entrada do ar condicionado.

“Claude, meu anjo, não é nada disso. Eu só não vou poder te responder porque você não estará acordado para ouvir, e além do que estou com pressa, o sedativo só deve te derrubar por alguns minutos ...”

Sentiu a cabeça girar. A náusea aumentou e as pálpebras começaram a pesar. Pensou em desacorda-la antes de desmaiar, mas deteve-se tempo demais tentando imaginar como diabos aquela maldita trapaceira o sedara.

O batom. Claro. O batom, seu cretino.