Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

O Retorno de Midnighter — Parte IV

Checo mais uma vez a bateria da armadura, e quase fico feliz em saber que ainda tenho 21 minutos. Tempo suficiente para uma última volta. Estico o braço para o lado e puxo uma trava com um leve movimento de dedos, fazendo disparar uma câmera voadora de meu cinturão. Meu irmão, Albert Samsom, projetou um sistema de câmeras controladas facilmente por um sistema remoto. Graças a isso, eu consigo ter uma idéia do que está acontecendo na vizinhança sem ter que gastar a preciosa energia do traje. Claro que a imagem não é muito boa, parece com câmera de telefone celular de dez anos atrás, mas dá para ter uma idéia.
Três quadras abaixo, na Union Dale, a pequena câmera me mostra algo suspeito. Quatro carros blindados, uma dúzia de homens com armamento pesado saindo e se preparando para algo grande. Eles olham para o prédio do Hospital St. Claire, onde descubro, graças à meu acesso à Internet sem fio nos sistemas da armadura, estar internado Fabio “Garanhão” Lusagrelli, sobrinho de Henrico Mancini, um chefão falido que achou que poderia peitar Don Lorenzo Maggio, um dos manda-chuvas do crime em Chicago. Qualquer um que assiste os noticiários sabe que máfia é coisa suja, e que o St. Claire é por acaso o hospital beneficiado por generosas doações da família Mancini.
Eu salto os dois primeiros prédios que me separam dos capangas. As ruas são pequenas quando vistas de tão alto, fico feliz em não ter medo de altura. Depois do segundo pulo, o motor de ar comprimido da armadura fica sem gás, e corro os quase vinte metros seguintes antes de poder pular novamente. Cada passo meu bombeia ar para a o cilindro de compressão e, com ele cheio, tenho energia para pular mais uns dez metros. Claro, a queda provavelmente me mataria, por isso acabo gastando uma quantidade enorme de gás para amortecer o impacto. Dói pra diabos, mas não mais do que cair de barriga numa piscina cheinha. Por segurança, uma série de ganchos dispara automaticamente na direção dos prédios mais próximos quando estou no ápice vertical de meu movimento, evitando acidentes.
Olho do parapeito. Estou vendo os homens, seis andares abaixo. Apanho a câmera voadora e guardo em meu cinturão – essa coisa é cara, tenho que tomar todo o cuidado do mundo para não quebra-la. Travo um gancho no chão atrás de mim e respiro fundo. Fico imaginando como Abe fazia essas coisas sem nenhum dos recursos que disponho. Sinto um pouco de orgulho dele, afinal, ele é Big Abe Samsom, e fez por merecer a fama de mais duro dos irmãos. Pego um cilindro do cinturão. É um bastão retrátil de titânio com um pequeno motor de vibração – não que seja de grande valia, mas deve nocautear facilmente os brutamontes que estão lá embaixo. Tem quase dois metros quando ativado. Confiro o tempo da minha armadura. Quatorze minutos.
Vejo os homens apontarem as armas. Parecem metralhadoras pequenas, mas não sei dizer a essa distância. Eu devia ter instalado uma lente de ampliação nessa droga de capacete. Calculo meu salto para o capô do carro da frente. Deve assustar os bandidos por tempo o suficiente para que eu me recupere da queda. Quando vejo que um deles começa a atirar, salto com força para baixo. Durante a queda, me lembro de que nunca testei a armadura para uma parada brusca.
Sinto o metal de minhas botas afundando na blindagem do capô do carro. O impacto é tão forte que o resto do veículo se dobra para cima, estourando os vidros. Meus pés estraçalham o motor do veículo. Minhas pernas doem como o diabo, e teria me ajoelhado de dor se o metal do capô não tivesse se dobrado ao meu redor, impedindo os movimentos. Sinto o fisgo do gancho preso em minhas costas, e vejo o cabo de metal me puxando para cima. Subo meio metro, e caio de novo. Enfio uma perna na frente, e consigo parar na calçada, quase desequilibrado. Ordeno para o gancho soltar. Ele vem em alta velocidade e chicoteia em um cabo elétrico, que é cortado ao meio. O resto do gancho bate em minhas costas com violência. É como tomar um soco daqueles. Fico sem ar.
Vejo o quarteirão inteiro se apagando por causa de minha entrada triunfal. Os mafiosos param de atirar por um segundo. Eu acho que os assustei de jeito. Uso o bastão de titânio – essa porcaria que me custou duas mil pratas – como bengala e me levanto corretamente. A armadura pesa uma tonelada em meus ombros, mas é forte como um diamante. Perdi o sistema de giroscópio, não vou conseguir estabilidade suficiente para usar o disparador de balas de borracha. Sinto que vou precisar de uns dois dias de gelo e repouso quando sair daqui.
Dou um salto para frente, tentando bater meu bastão em um dos italianos. Eles são lentos, quase se esqueceram do que é uma briga de homens. Quando piso no chão no final do pulo, urro de dor. Minha perna se dobra sozinha, ainda sentindo a pancada da queda. Eu jogo todo meu peso para o outro lado, e empurro meu corpo para frente, caindo de encontrão num mafioso. Nessas horas, eu penso que valeu a pena ter engordado. Com a armadura, estou pesando mais de trezentos quilos, e não me surpreendo ao ouvir um osso quebrando abaixo de mim. Um bandido a menos, mas eu estou caído.

Eles demoram um precioso segundo para olharem para mim. Ativo a camuflagem nesse meio tempo. A escuridão repentina e os flashes de luz do cabo elétrico chicoteando a rua me dão a distração necessária para me levantar. Começo a pensar que eu deveria ter atropelado eles com meu furgão – ia ser mais seguro. Retomo meu fôlego, olho para os lados. Giro o bastão com força, e três dos rapazes caem inconscientes. Restam oito agora. Eu gosto do barulho oco que o metal faz quando bate em bandidos. Faz-me sentir no controle da situação.
Eles começam a atirar. Eu devia ter pensado nisso antes. Minha camuflagem não chega nem aos pés da dos filmes do Predador – na verdade, ela é uma fina cama de fibra ótica que projeta imagens do ambiente – e o bastão visível, brilhando com cada flash da eletricidade na rua, também não ajuda muito. Claro, a surpresa faz com que muitas balas passem longe. Algumas resvalam na minha blindagem sem que eu sinta nada. Outras me atingem reto. Uma coisa que eu sempre tive curiosidade era o quão forte era o impacto de uma bala quando se usava colete. Estou usando uma armadura com meia polegada de titânio e liga de carbono, além das camadas de chumbo, tungstênio, amianto e outras paranóias minhas. Essa droga deveria parar (com sorte) balas de canhão. Mas mesmo assim, eu sinto cada impacto. É como ser atingido por um bastão de baseball, cada golpe só multiplica a dor do primeiro. Um dos tiros atinge um receptor externo da minha camuflagem no braço direito, e eu fico parecendo ruído de televisão fora do ar. Desligo. Eu devia ter pintado a droga de armadura de preto, pelo menos, ia chamar menos atenção a noite do que o metal polido.

A camuflagem com defeito comeu metade de minha bateria. Provavelmente, a queda e as tentativas do traje de amortecer os impactos fizeram um bom serviço. Tenho quatro minutos e doze segundos. Não tenho ar comprimido para dar um salto, e eles estão a quase dez metros de mim. Minhas pernas estão me matando. Confiro novamente a bateria, e me surpreendo com três minutos e quarenta e sete segundos. Assusto-me. Deve estar vazando energia. Ótimo.
Vou correndo na direção deles. Anos de futebol na faculdade me fazem derrubar dois deles em alguns instantes, e ainda consigo levantar o segundo e arremessá-lo nos outros. Derrubo mais um no processo. Sinto as balas cada vez mais fortes. Três minutos e vinte e dois segundos. Droga. Droga. Droga.
Uma das balas atinge meu elmo. Minha câmera de visão noturna vai pros ares, está tudo escuro. Eles acabaram de destruir novecentos e trinta dólares de investimento, e uma tarde inteira de serviço. Enquanto meus olhos se acostumam, esbarro em mais um deles. Espero que tenha sido um deles. Espero, por que no instante seguinte, eu dou o famoso soco de direita dos Samsom. O infeliz não vai mastigar por duas semanas. Dois minutos e trinta e oito segundos. Faltam quatro bandidos.
Arremesso meu bastão no mais próximo, que tomba. Ótimo, agora estou desarmado. Eu devia ter pensado em usar bumerangues, ou então, amarrar uma corrente na minha arma. Dois minutos e três segundos. Um apito no meu ouvido. O motor de compressão. Eu tenho energia suficiente para dar um pulo. Penso com toda a vontade do mundo que eu deveria aproveitar isso e sair desse lugar, mas algo em mim diz que não. E concordo. Abe com certeza não pensou em voltar atrás quando os malditos o emboscaram. Ele lutou até o final, pelo que era certo. Eu sou um Samsom, não vou cair. Não vou envergonhar meu irmão. Não vou sujar o nome de Hasler.
Com um minuto e vinte e sete segundos, eu chego correndo em um dos homens. Apoio minha perna em seu peito, e ativo o motor de pulo. Um jato de ar o arremessa quase vinte metros para trás, fazendo-o afundar o corpo na lateral de um carro. Arremesso meu gancho num outro homem. Mantenho a ponta fechada, eu não sou um assassino. Hasler nunca matou homens assim, não é a maneira correta de fazer justiça. Vejo o infeliz girando no ar. Meu gancho bate na parede do hospital, e volta para mim no instante seguinte. Sinto seu golpe chicotear em minhas costas. Trinta e dois segundos. O último homem atira em minha cabeça novamente. A câmera reserva desliga. Está tudo escuro. As balas ressoam em meu elmo. Sinto muita dor, quase perco a consciência. Escuto a direção dos tiros e me jogo. Doze segundos. Se eu errar, estou perdido. Resolvo arriscar tudo, e ativo minha surpresa especial. Uma descarga elétrica na blindagem da armadura. Sinto que toquei apenas de leve no infeliz, mas ele grita desesperadamente, até apagar.

Fico parado, caído no chão. A armadura pesa demais, mesmo para mim. Com um esforço épico, giro meu corpo para o lado. Movo minha mão até o capacete, e puxo a trava de segurança. Tiro da cabeça. Estou suado como a peste, e a borracha amortecedora que uso por baixo da armadura não serve como alívio. Sinto que vou ter assaduras pela manhã.
Faço força para levantar. Se eu tivesse bateria, poderia controlar o furgão por controle remoto. Enquanto dou meu primeiro passo, um dos homens acorda, e olha para mim, assustado. “Quem diabos é você, seu monstro?”. Eu?

Eu sou Midnighter.

Ficha Técnica — James Sweeney

BackGround:

James Sweeney nasceu na Irlanda em 13 de Abril de 1994. Ele cresceu órfão de pai e mãe nas ruas de Belfast. Seus pais foram dados como mortos num atentado terrorista. O Menino sobreviveu pois estava aos cuidados de sua Avó materna Elliene Sweeney, contudo a velha senhora faleceu quando o menino tinha 6 anos. Desde então o jovem, sem ter ninguem mais no mundo, foi criado em um orfanato em Belfast.
Quando completou 12 anos, ele próprio se inscreveu para entrar na academia militar da Irlanda. Aceito, o rapaz passou a viver no exército. Ele achou que seria o melhor modo de dar um sentido a sua vida, o Diretor da academia achou o mesmo. Então assim ele viveu por muitos anos sobre a dura discilpina militar. Uma vida não muito pior do que a que ele havia vivido no orfanato. James desenvolveu um gosto pelo combate armado e desarmado e pelas táticas de combate. Ele se destacou em todas essas atividades. Ele estava presente na força do exército destacada para conter o ataque terrorista no aeroporto de Belfast tendo apenas 17 anos.
Foi sua primeira ação em campo. O rapaz se destacou por sua ação de bravura no combate ao terrorismo, desarmando uma bomba radioativa. O que não se sabe é que o rapaz o fez sem querer, absorvendo a energia da bomba quando se aproximara dela, seus poderes despertaram.
Rapidamente após ter eliminado dois terroristas, ele e seu parceiro, Steve O`Coel se aproximaram da bomba. Uma estrutura circular sem acesso de abertura. Quando se aproximam da bomba são atacados por um homem em uma armadura. O homem mata O`Coel disparando uma rajada através de uma arma anexa ao antebraço da armadura. Ele atira em Sweeney que se esquiva e responde fogo, somente para reconhecer que sua arma é ineficaz contra a armadura do terrorista. O homem o agarra e o lança perto da bomba. Sweeney começa a sentir um formigamento em seu corpo.
Quando o homem se posiciona em frente James e aponta o punho que brilha de energia para a sua cabeça, James que se levantava para socar o homem sem querer acaba disparando uma rajada de energia radioativa poderosa, arremessando assim para longe o terrorista de armadura. O que brilha dessa vez são os punhos de James. Ele se sente forte como nunca antes, pronto para enfrentar um exército.
Incrivelmente a contagem da esfera para, mas não há explosão. A bomba, que era ativada por difusão de moléculas radioativas não explode, pois tais moléculas não mais estão condensadas na bomba. O jovem recebe a medalha de honra do exército Irlândes e ao invés de se formar como Cabo, o faz como Tenente.
Em sua formatura, ele recebe a visita de um homem estranho que trabalha pra divisão de Metahumanos da Interpol, seu nome é Jack Larsen. James recebeu permissão do governo Irlandês para trabalhar para esta organização onde ele recebeu treinamento para seus novos poderes e novas técnicas de combate.
James trabalha para esta organização até hoje. Ele sofreu um baque recente, ele namorava uma agente de seu batalhão, e ela foi descoberta recentemente como sendo uma agente dupla.


Personalidade:

James é quieto, mas não rabugento. Ele possui um humor tipicamente Irlandês, trágico. Não se abala facilmente por qualquer adversidade. Sorrindo diante das tragédias, realmente achando graça da desgraça. Ele é um soldado. Foi assim que foi ensinado a viver, como soldado. Sua vida gira em torno do serviço militar, todos os seus conhecidos estão nesse meio, inclusive suas namoradas. A ultima descoberta espiã, foi a única que ele amou. Essa traição fez até mesmo o humor inabalável de James escurecer por um tempo. Ele anda Taciturno.
Usa seus poderes somente quando não possui alternativa, preferindo usar armas e métodos comuns. Ele acha que viveu e lutou bem até receber esse dom que não pode ficar dependente dele, uma hora essa benção pode faltar.
James é um homem inteligente e formou-se estrategista na academia militar.

Expectativas:
James pretende cumprir seu papel como soldado, protegendo as pessoas. Ele tinha uma noção restrita a pátria que foi quebrada pelo seu trabalho com a Interpol. Mas James é humano. Ele deseja ter uma família um dia. Ter oque não teve a chance de ter até hoje, amor e aconchego familiar.

Poderes:

James absorve radiação Solar e canaliza essa energia em seu corpo. Ele pode converter essa energia em rajadas. Ele também pode absorver outros tipos de energia e convertê-las em Radiação Solar. Ele é Literalmente Uma bateria viva. Suas rajadas são devastadoras e ele evita de usá-las. Por ser uma bateria viva James oferece grande resistência a ataques psíquicos pois gera grande estática energética ao seu redor, ele também consegue sentir energia e ondas de radio.

Treinamento:

James recebeu treinamento militar em combate armado, desarmado, táticas de combate e pilotagem.
Ele é proficiente em 6 línguas.
Ele é um ótimo atleta, sendo muito forte, ágil e resistente.

Aparência:

James é um homem alto, de 1,98 m de altura, ele é extremamente musculoso, mantendo sua forma através de constantes exercícios físicos. James é ruivo e possui olhos verdes. Ele tem uma cicatriz que corta a sua testa horizontalmente.


Comentários do criador:
James é uma espécie de mistura entre Bishop e o Havok dos x-men. Me baseei muito nos poderes do Havoc e na bateria do Bishop, além da parte do treinamento ser muito importante. Eu queria criar um personagem soldado.

Nota do Editor:
Esse post pode servir de modelo para futuras Fichas Técnicas

Battery & Gunshot I

Kiev, 3 da manhã. Dois homens com sobretudos pesados caminham pelas vielas da cidade enquanto a neve cai levemente dos céus. O da direita é alto, aproximadamente 1,98 de altura, e veste um sobretudo verde-escuro surrado. Ele tem cabelo ruivo cortado em estilo militar, tem os olhos verdes bem escuros. O da esquerda é um pouco mais baixo, 1,80 de altura. Cabelos castanhos e óculos escuros no rosto. Os dois tem um semblante austero, cansado e a barba por fazer.
Eles não trocam palavras até chegarem a um galpão fechado, o portão de entrada cerrado por correntes e cadeados. "Pela indicação do informante o lugar é aqui Tom" Afirma o mais alto com sotaque irlandês carregado enquanto afasta com a mão esquerda o sobretudo para pegar uma metralhadora, deixando à mostra várias outras armas, de facas a granadas. "Sim, é aqui mesmo. Pronto?" Pergunta Tom, que também possui sotaque irlandês, ajeitando o rayban escuro que cobre seu rosto. O homem alto responde a pergunta com um movimento de cabeça.
Então Tom olha concentrado para as correntes. Uma rajada luminosa corta simetricamente o aço e a porta está aberta, deixando o cheiro de podridão se alastrar para fora. "Ele está atrás das caixas, 3 horas. 1,86, cabelos negros, pele pálida, ele tem uma mulher nas mãos morta. Há corpos espalhados por todo o galpão James. Espere! Ele sabe que estamos aqui." Afirma Tom. "Certo Gunshot, então não temos motivos para sermos discretos." diz o ruivo ligando a lanterna de sua arma e entrando no galpão. "Tome cuidado Battery, você leu os relatórios, ele pode ser um dos doze.¨, alerta Gunshot sem se mover.
"Ei amigo, precisamos conversar!" grita James no dialeto local. "Parece que você andou aprontando uma festa bem feia por aqui." A única resposta que obtêm é um grito agudo que gelaria a alma de qualquer homem. A reação de James é destravar a metralhadora pesada. Ele se prepara para avançar na direção do alvo, mas não consegue.
Mãos de carne podre se agarram aos ses pés, os cadáveres outrora imóveis no chão, agora se movem com propósitos de morte. James, pego de surpresa, é derrubado por dois morto-vivos que se agarraram aos seus pés. Outros dois já se aproximam para ataca-lo. O cheiro podre da carne decomposta quase faz o irlandês vomitar. Deitado no chão ele vê um rosto branco sem vida se aproximar do seu próprio e abrir a mandíbula deslocada querendo abocanhá-lo.A baba que escorre da boca putrefata é verde e viscosa, o cheiro como o de feijão apodrecido escapa pela boca aberta.
Enquanto isso Gunshot dispara uma rajada luminosa de seu olho. O raio de luz se desvia de todas as caixas e prateleiras que ficam no caminho até seu alvo. O ser que estava atrás das caixas é atingido, sendo lançado contra a parede pelo impacto do raio que lhe arranca um pedaço do abdômem.
Os morto-vivos ficam ainda mais violentos com o grito da criatura. A boca se aproxima da face de James, babando. Ele coloca a pistola calibre 45, que havia sacado quando caíra, na abertura da boca e atira. Partes do crânio se espalham pelo chão como uma chuva de sangue e bile. Com a metralhadora na outra mão ele dispara contra os dois seres que seguram suas pernas. O resultado é o esfacelamento dos corpos decompostos.
Ao se levantar ele se depara com um galpão repleto de corpos animados prontos para devorá-lo. Gunshot também não está seguro, pois muitos dos corpos foram em sua direção quando ele atingiu a criatura. James é cercado por vários morto-vivos, sendo encurralado no corredor em que estava. "Que droga é essa? Estou me sentindo num filme B!" Grita James. "Estou cercado por todos os lados Gunshot, devemos pedir reforço?. "Não." responde Gunshot, a situação está sob controle Battery." James então se põe de costas para as caixas e dispara as duas armas que tem nas mãos; girando primeiro a metralhadora na mão direita, James derruba cinco dos inimigos, dividindo seus corpos apodrecidos na altura da cintura. Contudo, as partes superiores, continuam se arrastando em sua direção. Com a pistola da mão esquerda ele é mais cuidadoso e girando o corpo na direção dos oponentes, explode as cabeças de três deles.
Quanto a Gunshot, ele abre seu olho, disparando um raio aberto, que atinge os 6 mortos e desintegra-os a parte superior do corpo. "Battery, o alvo desapareceu do setor oeste, não o estou encontrando!" avisa Gunshot. "Ache-o!" Responde James "Eu te dou cobertura contra esses zumbis!", Battery afirma sua frase com tiros que eliminam os três zumbis restantes que iam na direção de Gunshot. Este se preocupa em procurar o alvo de seu ataque. Sua visão ultrapassa paredes, caixas de aço, vigas reforçadas, ela independe da luz, enxergando perfeitamente na escuridão completa. "Não vejo nada, só uma névoa esverdeada... Droga!" Gunshot grita para James e dispara contra a névoa que se movimenta em sua direção, entretanto seu raio a atravessa sem provocar nenhum dano visível. " Battery! O alvo consegue mudar o estado de fase pra o nível 3! Não consigo afeta-lo neste nível de fase!" grita Gunshot." Tem certeza de que é nele mesmo que você está disparando?" responde Battery ao jogar uma granada próxima a 4 zumbis que explodem, as partes de seus corpos sendo jogadas por todo o galpão, sujando a roupa de James com o sangue podre. Gunshot não responde ao gracejo e dispara novamente. A rajada não surte efeito, atravessando o ser que se aproxima do geneativo.
O ser atravessa Gunshot e quando chega as suas costas se vira e tornando-se corpórea, crava suas garras nas costas de Tom que grita de dor. Gunshot se vira e dispara, mas ele já está intangível novamente. "Idiotas! Acham que podem vir ao meu covil e sair vivos? Eu sou o Senhor dos imortais, sou Vlad Teppes, sou Drackul", grita o vampiro no dialeto local, sua voz é aguda e tenebrosa. "Eu me alimento dos vivos e os transformo em meus escravos, em breve vocês se juntarão aos meus lacaios e me servirão por toda a eternidade.". Ele se torna tangível e ataca Gunshot, que consegue se esquivar das garras afiadas rolando para o lado, contudo o ferimento anterior ainda sangra muito.
"Seus lacaios já eram Sangue - suga! E você está pronto pra ir pro inferno também!" Grita Battery que havia se livrado dos zumbis e partido em ajuda ao seu aliado. Ele dispara uma chuva de balas no vampiro, que o distraem tempo suficiente para Gunshot se recuperar e atacar Drackul. A rajada acerta em cheio o vampiro fazendo um rombo no peito dele. Drackul urra de dor, seu grito atordoa os dois soldados. As feridas de drackul se fecham rapidamente e ele avança na direção dos seus oponentes. "Vocês me cansam! Suas mortes me trarão prazer!" Ele agarra Gunshot com força e rapidez sobrehumanas e o lança contra a parede do galpão, deixando-o inconsciente. James descarrega toda a sua munição em cima do vampiro, mas as balas são apenas um estorvo para ele.
"B5 para T009, B5 para T009. B13 caiu, repito B13 caiu, estou sozinho! Enviem reforços rápido" James grita no pequeno rádio preso a sua orelha. "Nem todo o exército do mundo o salvará minha presa! Agora que eliminei seu poderoso aliado, você não tem escapatória." Dizendo isso, Drackul se lança sobre James jogando-o no chão. Battery se encontra desarmado e tendo suas duas mãos seguras pelo vampiro de força inimaginável que aproxima sua mandíbula do pescoço da vítima.
"Você é muito forte cara, muito forte mesmo." fala James para o vampiro que apenas se diverte com o comentário. "Mas há uma razão para eu ser chamado de Battery, assim como meu amigo é chamado de Gunshot, uma razão que você vai descobrir agora!", Battey libera todo o seu poder contido no seu corpo pelos seus punhos, que estavam seguros pelas mãos de Drackul, na forma de uma grande explosão de luz verde radiativa. As garras do vampiro desaparecem junto com grande parte do seu antebraço e a explosão o joga longe de James. Battery se levanta, as mão brilhando com a energia. "Quero ver me chamar de presa agora babaca!", exclama James. Ele se prepara para outro disparo, mas Drackul desapareceu no ar.
"B5 para T009, B5 para T009, o alvo escapou, homem ferido no local, repito, homem ferido no local." comunica James no rádio. "Certo B5, aqui é T009, o reforço e os médicos já estão a caminho. B1 quer falar com vocês assim que chegarem." é a resposta que recebe. "Compreendo T009, também quero falar com ele." Mal termina a comunicação e Battery se vê cercado por carros militares e uma ambulância do exército ucraniano. Eles atendem Gunshot que fraturou duas costelas, fora o grande rasgo nas costas, e Battery que quebrou duas costelas e torceu um dos pulsos no ataque do vampiro.
No hospital eles recebem a visita de B1, Jack Larsen, chefe do departamento para assuntos super humanos da Interpol. É um homem magro, mas atlético, de aproximadamente 80kg e 1,80m de altura. Tem cabelos e olhos negros, os cabelos curtos lisos penteados para traz. O nariz pontudo, as sombrancelhas finas e arqueadas juntas dos olhos cerrados dão a ele uma aparencia de predador. Ele tem na mão direita um cigarro e a outra carrega um paletó jogado sobre os ombros. Usa óculos pequenos de lentes amarelas e roupa social alinhada no porte militar, exceto pela gola da camisa usada solta. Battery está em pé ao seu lado e Gunshot está recebendo os pontos pelo ferimento nas costas. "Faça um exame de sangue dessa ferida" Ordena Larsen em inglês americano para o médico que acena em resposta. "Não podemos correr nenhum risco." termina ele. "Risco do que senhor?" pergunta James. "De qualquer infecção garoto, não podemos corrê-los, mas mudando de assunto... eu ouvi a gravação de rádio de vocês, o alvo se autodenominou Vlad Teppes?". "Sim senhor, é muito estranho, mas ele agia como se fosse o Drácula, e tinha poderes de vampiro para sustentar a posição senhor." confirma o irlandês cabisbaixo. "Então estava certa a suposição de Pierce." Murmura Larsen para si mesmo. "Suposição senhor?". "Sim garoto, o alvo era mais do que aparentava, ele era um dos 12". "Doze senhor? Do que o senhor está falando?" questiona James sem entender nada. "Você vai saber garoto, vamos preparar tudo, temos uma viagem importante amanhã".

O doce sabor da cereja.

Já está tarde, há seis horas estou trabalhando neste bracelete transdimensional que meus companheiros me trouxeram. A tecnologia dele é absurda, inimaginavelmente maior do que tudo o que eu já fiz. E tudo isso contido num bracelete. É claro que isto tinha de ser obra de Van Rayner, um dos famigerados first steppers. Quando penso nele, no nível das suas produções intelectuais, a disputa entre Ignus e eu se torna infantil. Pra que disputar o segundo lugar? E segundo lugar mesmo? Ou eu não contei os outros first steppers, como Hideo, Tcheckov, aquela chinesa com problemas que nem as teses doentes freudianas explicam? E eu ainda não citei a organização de cientistas que querem dominar o mundo, a Daydream, ou o ancestral Denorus. Neste mundo há tantos seres de poder e conhecimentos maior que os meus que as vezes me sinto como uma criança ouvindo o professor discursar sobre coisas além do meu pequeno universo imaginário. Quando penso no mundo em que vivo, percebo o quão quixotesca é a minha vida como Crusader.
"Os parâmetros da leitura do disco rígido foram estabelecidos, a descompactação do arquivo será iniciada em 4.6 segundos. Tempo previsto para o término da sessão: 35 horas." Avisa Ávalon.
Com essa previsão é melhor arranjar algo para fazer. Essa pesquisa me deixou cansado, meus reflexos estão mais lentos, preciso de uma xícara de café. Impressionante! Eu cruzo o corredor e encontro Nicholas me trazendo uma bem quente e reconfortante, ele me diz algo como ser sua receita secreta, mas eu nem presto atenção, estou completamente tomado pelo aroma do café. Eu bebo um pequeno gole e metade dos meus problemas desaparecem. A química sempre me intrigou nestes aspectos, a mistura de substâncias diferentes, elevadas a uma temperatura x e pronto, temos uma substância completamente nova. A reestruturação e a fusão das moléculas acontecem em momentos banais do dia a dia e quase nínguem repara nisso. Alguns cientistas ignoram as pequenas alterações, como se elas não fossem importantes perto de seus grandes projetos, mas eu não, eu sempre gostei dos detalhes, das pequenas coisas. É claro que nunca me aprofundei em química, sempre gostei mais de mecânica, de construir, de movimento, energia. Mas todos os pequenos detalhes, as pequenas parcelas da construção possuem suas fórmulas químicas.
O café é deveras reconfortante, por um curto espaço de tempo me disperso apenas saboreando o doce e forte líquido. Mas logo volto a conversar com Nicholas, estou preocupado com ele, parece que fazem dias que ele não dorme ou descansa, trancado neste laboratório procurando uma cura para Christine. "Você está precisando descansar meu amigo, sair um pouco, tomar um ar. Seu estado está lastimável. Se ficar assim sua produção cairá assim como sua saúde." Nicholas não responde, não com palavras. Eu me calo. Deve ser muito difícil para o coitado ver Miracle naquele estado, presa em um traje para conter seus poderes radioativos, ele tem razão de não estar com pacência para a minha alegria. Agradeço o café meio sem jeito. Ele sabe que eu me importo com ele e com Christine, que o considero um dos meus melhores amigos, se não o melhor. Porém eu não sou ele, preciso de sono, alegria, conforto. Além do que, não há muito o que eu possa fazer além do que estou fazendo. Tudo isso sobre geneativos é ainda muito novo para mim.
Me despeço de Nicholas e saio da repartição dos laboratórios. Ando até a sala de recreação e encontro Hisa lendo um dos seus romances, daqueles bem dramáticos e tristes. Ela é uma mulher muito bonita e atraente. Quando eu entro ela me olha nos olhos, como se quisesse sugar minha alma para dentro daqueles globos amendoados. A maioria dos homens ficaria envergonhada quando uma mulher o olhasse assim. Eu sou muito diferente da maioria dos homens. Retribuo o olhar, ela abaixa a cabeça e volta a ler. Sorrio e me aproximo do sofá. Sou interrompido pelo barulho regular de saltos altos.
Escuto a voz de Alísia atrás de mim comentando algo sobre as Nações Unidas, algo a ver com seu país de origem, o Canadá. Ela muda o assunto e me pergunta onde se encontra Ghünter, nosso aliado alemão. "Na Justa como sempre" eu respondo sem me virar. Não que Alísia não chame atenção, é uma mulher linda, loira , um corpo escultural. Além disso é inteligente e sabe cativar qualquer pessoa com um sorriso. Por isso mesmo eu me mantenho a distância dela, Alísia é muito parecida comigo em algumas questões e eu odeio isso em uma mulher. Quanto a Ghünter, às vezes eu me pergunto se ele tem realmente uma vida, ou se ele é só um autômato inventado por algum cientista doente. Já me perguntei se ele era gay, mas cheguei a conclusão que não, ele parece ser alheio ao fulgor de viver mesmo, tendo como único motivo impulsionador para continuar vivendo a luta, acho que se um dia tirarem isso dele, ou mesmo se não existir mais a violência do mundo, ele travaria, como um computador que não consegue ler uma nova linha de programa.
Para a sorte de Ghünter e de Miharu, uma versão feminina do alemão, mas sem o discurso religioso ou heróico, exite a Justa. A minha versão da "Sala do Perigo". Uma sala de alta tecnologia virtual, especialmente elaborada para a simulação do combate, ajudando assim no treinamento e na performance geral da Extreme.
Alisia parte em procura do alemão, me deixando a sós com Hisa. Ela se vira para mim e me encara inquisitiva. "Sabe Hisa, já faz um tempo que estou nesta base trabalhando sem parar e estava pensando se você não gostaria de sair pra jantar comigo esta noite." Falo com a voz suave em japonês, olhando nos olhos dela, ela fica envergonhada. Eu noto. "Eu sei que você também deve estar entediada aqui, nós poderíamos sair, aproveitar a noite, nos divertir. O que você acha?" Ela sorri e me responde em ISL que sim. Hisa é muda, vítima de alguma maldade da máfia japonesa que ela não merecia sofrer. A vida é por deveras cruel, mas nós podemos torná-la bem melhor se quisermos. Nós saímos da base em direção a minha casa. A viagem é rápida, em pouco tempo eu estou no meu quarto, penúltimo andar do prédio e Hisa no dela, dois andares abaixo do meu.
É gratificante ter um prédio todo ao meu dispor, eu nunca tenho problemas para alocar amigos. Hisa e Miharu estão morando aqui já faz 5 meses. Ghünter preferiu continuar no seu pequeno apartamento no Harlem, eu respeito isso, ele prefere se sentir independente e se isolar ao mesmo tempo. Eu prefiro o conforto e a qualidade de vida que eu levo. Entro no meu quarto, coloco Schubertz para tocar e entro na ducha. 23 minutos depois estou de roupão. Eu precisava dessa ducha, muito. Caminho lentamente até o mini bar e pego a garrafa de Scotch. Derramo o líquido vagarosamente no copo com 2 pedras de gelo. Paro quando chego na metade do copo, então pego uma soda gelada e completo o drink. Sempre fui bom fazendo drinks. Com o copo na mão caminho até o closet e escolho minha indumentária: Blazer e calças negros e minha camisa azul escura Hugo Boss de seda chinesa, digo minha pois pois fui eu quem criei o estilo junto com Giovanni Bucci no inverno passado em Milão. Ótima idéia comprar boa parte das ações da empresa. Coloco o roléx daytona que ganhei de Merrick no nosso aniversário de 12 anos e estou vestido.
Ainda tenho 5 minutos, me sento e sorvo demoradamente meu club soda enquanto ouço as partes finais da melodia de Schubertz. Quando termino o drink estou completamente relaxado; saio e logo estou na porta de Hisa. Como esperava ela está pronta, e maravilhosamente linda. Maquiagem leve no rosto, um batom com cor, cheiro e provavelmente gosto de cereja; o cabelo extremamente liso está preso em um coque oriental; o corpo esguio veste o vestido negro que comprei, enquanto à mostra o belo e exótico dragão em suas costas aparece pelo decote longo. Mas o que primeiro chega a mim não é a visão exuberante, mas o olor de cereja que se espalha ao seu redor. Eu quase fico boquiaberto, quase.
"Você está perfeita!" eu assevero em voz contente. Ela sorri timidamente em resposta. Nós seguimos até o elevador em passos calmos, no percurso eu aproveito para elogiar os detalhes de sua beleza, as mulheres adoram isso. Durante a descida o perfume dela inebria minha mente, mas eu não comento sobre isso até chegarmos na garagem de carros clássicos onde escolho a chave do Cadillac 1959 azul.
O carro, é claro que não está como o original. Eu refiz todo o motor, começando pelo combustível utilizado para movê-lo. Ao invés do enorme tanque de gasolina há uma câmara ultra tecnológica que funciona a base de células de energia, sim, eu usei os carros como protótipos experimentais para a energia base da armadura de Crusader. A câmara do carro, contudo é enorme se comparado ao bastonete da armadura. Quanto ao motor, digamos que os 4,3 de potência do carro original foram superados pelos meu reajustes e a célula de energia faz o carro andar sem eu me preocupar com o gasto de combustível fóssil ou a destruição do planeta.
Abro a porta para Hisa entrar, ela adora. O motor não ronca como o original, achei muito exagerado, mas faz barulho suficiente para que não percebam a diferença do original. Hisa parece adorar o carro, foi por isso que escolhi exatamente esse dentre tantos.
Chegamos ao restaurante que escolhi, Masa, localizado em Midwest town ele fica um pouco longe do bairro onde moramos (Upper East Side), o que nos faz aproveitar ainda mais o passeio no Cadillac e aumenta o apetite, fora que o Masa é um restaurante 5 estrelas há mais de 10 anos. Embora não tenha feito reservas, uma breve conversa com o gerente nos garante a melhor mesa da casa.
Pedimos sashimi, Hisa se delicia com o Atum azul. Apesar de apreciar o gosto nipônico, ainda prefiro o salmão. Entre o sashimi e o sushi conversamos; Hisa é uma mulher intrigante e muito tradicional. Ela é muito diferente de Tessa, o que é muito interessante. Hisa tem um passado misterioso, mas depreendo algo como uma dívida dos seus pais para com a Yakuza. Por causa dessa dívida tornaram ela muda, acho que fizeram algo com as cordas vocais dela, mas também pode ser psicológica a mudez. Ela tem uma boca bonita, pequena e meiga. Ainda penso se o batom tem mesmo gosto de cereja.
Bebo um pouco do sakê, me tranquilizo com o líquido forte. O Masa é um lugar muito bom, vim com Tessa aqui umas duas vezes. Tessa, tão longe, em Londres, trabalhando, sozinha. Será que ela pensa em mim? Será que está mesmo sozinha? Nunca se sabe, por isso eu não me preocupo, pelo menos estou muito bem acompanhado. Ela pede para que eu fale um pouco de mim, eu pergunto o que ela quer saber. "Tudo", me diz com o movimento das mãos.
Eu falo. Sobre meu pai, que hoje penso ser meu pai adotivo, o Coronel Maddock. Sobre meu irmão e a morte que resultou no meu senso de heroísmo. Falo sobre o responsável por isso, Herman Von Gostrauken, o famigerado e detestável Nightmare. Falo sobre minha Fundação, os projetos que tenho em mente. Mas não falo nada sobre Tessa, ela não precisa saber.
Comemos muito bem, a conta de 1000 dólares me diz isso. Estou um pouco alto, mas em condições de dirigir.
Agradeço o chefe em japonês, a comida estava estupenda. Nos levantamos e quando saímos, todos na casa nos notam, mas eu estou acostumado com isso. Ao chegar perto do carro, um homem nos aborda. 32 anos, 1,86 de altura, 93 kilos, caucasiano, provavelmente do Brooklyn. Ele tem uma Smith & Welson nova nas mãos, arma bonita para um ladrão barato, é claro que é roubada de alguém que resistiu a um assalto. Ele me aponta a arma na cabeça e diz que vai me matar se eu não entregar o dinheiro. Ele acha que me assusta, não faz idéia do que eu já enfrentei. De quantas vezes estive perto da morte. " Passa toda a grana riquinho de merda! Antes que eu te encha de pipoco!!!" O mais nojento é que uma saliva dele voa para meu Blazer.
Infelizmente para o assaltante eu não tenho tempo nem de responder. Hisa pula por trás de mim e atinge o infeliz com o bico do seu salto na testa. Deve doer muito. O que eu mais aprecio nestes sapatos caros femininos, é que elas podem chutar, pular, fazer graça. E eles não quebram. Ela olha para mim, parada ao lado do corpo estirado no chão, linda. Caminho até o assaltante e tiro a arma de suas mãos, é uma arma bonita e bem balanceada. Deixo um cartão no bolso dele sobre a fundação Warden, as cadeias estão lotadas e talvez eu possa lhe dar trabalho.
Abro a porta para ela, coloco a arma no porta luvas e então seguimos para casa. Depois de estacionar o carro, paramos um pouco no salão de recepção do primeiro andar. Coloco uma música lenta e trago Hisa para perto de mim. Ela não esperava por isso, mas se entrega ao movimento. Sorrio intimamente. "Vamos dançar um pouco, a noite está tão linda que eu não quero que termine.¨, sussurro no ouvido dela e ela encosta a cabeça no meu ombro.
Dançamos, os corpos colados um no outro, o aroma do perfume dela tão próximo. Tudo corre naturalmente, eu abaixo meu rosto, ela levanta o dela e me encara. Linda, tão linda e tão pequena, frágil nos meus braços, ela me olha. Não digo nada, não é preciso, ela já é minha.
Nossos lábios se tocam e eu descubro que os dela tinham mesmo o gosto de cereja, delicioso. O beijo demora, minhas mãos acariciam suas costas e a apertam para mais junto de mim, as dela me abraçam. Nos olhamos e nos beijamos de novo, o beijo de Hisa é diferente do de Tessa, Tessa tem mais paixão, mais romance, mas Hisa sabe usar muito bem a boca. A pego no colo e a levo para o elevador, não paramos de nos beijar no caminho. Hisa me surpreende dominando a situação, ela sabe muito bem o que faz e faz muito bem o que sabe. Ao mesmo tempo frágil e selvagem, exótica, linda.
Quando acordo no dia seguinte com o telefonema de Nicholas, não me pergunto se o que fiz foi certo ou errado, ou frases do tipo "o que foi que eu fiz". Eu sei o que eu fiz, afinal eu planejei. E foi muito bom, foi muito bom provar o doce sabor da cereja.
Me levanto e tomo um banho. Quando estou pronto para sair ela ainda está dormindo. Dou-lhe um beijo e saio. No caminho para a base ligo para Tessa. "Bom dia querida, como você está?", "Bem meu amor, estou com saudades" ela responde. "Eu também paixão, arrumando um tempinho livre eu vou para ae está bem?", "Que bom Rick, sinto sua falta, Londres não é nada sem você!" ela me diz com voz tristonha. "Eu também Tess, eu nunca esqueço de você."

O Retorno de Midnighter — Parte III

Shauny. Eu acho engraçado como esse nome soa. Meu pai disse que mamãe o escolheu por que achou que eu era especial de mais para ter um nome comum. Eu não a conheci, ela morreu quando eu ainda era um bebê.
Crescer com um pai como o meu também é algo “especial”. Diferente. Ele é milionário, dono de uma empresa de investimentos e tecnologia, super culto, charmoso e, ainda por cima, poliglota. Para os jornais, ele é um homem recluso e erudito que gasta seu tempo livre com a família (eu) e com viagens de lazer (não é bem assim). Para a empresa, ele é um chefe atencioso, um homem honesto, mas que não tem muita responsabilidade com compromissos (não é bem assim também). Para mim, ele é o melhor pai do mundo (tá, não é bem assim, mas o que posso fazer?).
Eu sei que ele não morreu. Eu sei que está se recuperando, e que vai voltar assim que conseguir. Não tenho dúvidas disso. Bom, pelo menos, eu quero acreditar nisso. Eu não chorei quando os homens de preto vieram falar comigo (o tal Pierce e aquele estranho do Larsen). Não chorei quando vi nos jornais. Eu fiz o que precisava fazer, tudo o que ele havia me dito desde que era pequena. Eu devia fazer as coisas continuarem como eram. Mas é doloroso montar aquelas projeções de computadores nas videoconferências.
Não é qualquer pai que deixa a filha brincar com um video-game de vinte três milhões de dólares — um robô construído para simular os movimentos dele (mas não fazia muito bem o trabalho). No começo, havia cinco desses. Albert Samsom, antigo parceiro de meu pai, havia os construído, e a tecnologia se perdeu quando ele morreu. Nunca conheci nenhum dos ex-parceiros de meu pai. Sei que o irmão de Samsom é o Geoffrey (que é PhD em Mecatrônica, mas mais parece um mecânico de carros), e que o filho de Gabriel Shedd (Gab, eu brincava com ele quando era criança) fez alguma bobagem e ficou presto todos esses anos. Daquelazinha, eu não gosto nem de pensar.
De qualquer forma, eu já quebrei os cinco robôs. Pois é, os cinco, quebradinhos. Não foi assim, quebrar. Dois foram a base de lança-foguetes, um o Conway explodiu, um a DayDream em pessoa quebrou no meio, e o último foi fatiado por uma asiática mestiça com o (incrivelmente útil) poder de encolher. Como meu pai já não estava quando o último quebrou, tive que pedir ajuda pro alemão.
Eu digo, O Alemão. O tal Ghünter. Na verdade, não pedi exatamente ajuda. Ele apareceu em casa, e não foi mais embora, ai eu acabei fazendo ele usar a roupa negra. Ele não tem muito senso de que está incomodando, sabe? Mas não quero falar sobre ele, aconteceram umas coisas que eu realmente não quero me lembrar. Mas ele foi embora, faz um tempo já, e isso é bom.
Fiquei uma semana namorando a chance de fazer ou não uma coisa estúpida. Eu sei que quando meu pai voltar, eu vou tomar a maior bronca de minha vida. Sei que quando o castigo acabar, eu terei idade para ser avó de alguém. Mas não posso deixar a chance passar.
Eu tenho todas as chaves do sistema. Alias, eu mesma programei boa parte dos softwares que estão rodando aqui hoje. Modéstia parte, quando eu coloco uma coisa na cabeça, eu faço, e faço muito bem feito. É por isso que eu preciso tentar. Um dia, ele vai sair, e não vai voltar. Então, eu terei de continuar o legado. Eu estou pronta.
Ligo os sistemas. Ajusto as medidas para meu corpo. O traje é composto por mais de uma dúzia de camadas, presas individualmente (na verdade, ele só usa isso quando tem tempo livre. Tem vezes que ele sai vestido só com um colantezinho preto! Meu pai é muito suicida mesmo). Demora mais de dez minutos, mas no final, não parece que estou usando mais do que um abrigo bem justo. É tão apertado que eu sinto falta de ar, mas a sensação passa rápido. Depois de um tempo, aquilo fica até confortável (exagero meu, foi uma proteção mental de quando percebi que não conseguia puxar a calça para longe do bumbum). Eu sinto todos os sistemas de disparo. Demoro uns dois minutos para entender exatamente como funciona cada um dos apetrechos que estão embutidos na roupa (e quebro dois monitores no processo). Tento conter a euforia. Vou andando até o salão principal (a capa retrátil vai e volta várias vezes, até eu descobrir o que estou fazendo de errado).
Olho no monitor no canto do olho. Incrível como essa coisa funciona, estou vendo o estado de cada parte do meu corpo, além de ter acesso ao computador da base sem fazer nenhum movimento além de olhar forte para um ponto da tela holográfica que é projetada direto em minha retina. Peço acesso aos eventos atuais. Um chamado da polícia, poucas quadras de onde estou. Suposta atividade super-humana. Vou à direção da moto. Sempre sonhei em dirigir essa coisa, mas se meu pai me visse sentado nela, ia me dar bronca. Mas eu tirei carta faz três semanas, eu sei dirigir já, não tem problema!
Saio da base (e quase não raspo muito a moto na lateral do túnel). Termino o caminho numa rampa, e tenho a impressão de que fiquei no ar por meia hora. Quando caio, quase perco o controle de novo. Sigo em frente, e avisto um dos robôs de Conway, daqueles vestidos de gangster. Fico de pé na moto e dou um salto mortal para trás (ninguém vai acreditar, mas tudo bem). A moto segue e esmaga o danado. Ela é um bom veículo, se estabiliza e volta sozinha para o beco.
Eu caio (de pé, nem acredito). Estou cercada por outros quatro gangsters-robos. Saco um bumerangue. Os malditos miram suas armas, mas eles não têm chance nenhuma.
Pois agora, sou Midnighter.

O Retorno de Midnighter — Parte II

Meu nome é Shedd. Gabriel Shedd II. Mas não soa tão legal quanto em filmes. Cresci na DownTown de Chicago, ouvindo música eletrônica e jogando video-games. Meu pai era um policial do 44º Distrito, havia servido no Golfo e tinha meia dúzia de medalhas de honra ao mérito. Ele era meu herói, minha infância inteira foi baseada na idéia de que um dia eu seria como ele. Ele saia de casa às sete da noite, e só voltava no começo da madrugada, sempre com uniforme impecável. Quando eu tinha oito anos, ele me ensinou a atirar, e me levava nos churrascos da polícia para que eu conhecesse o pessoal. Eram todos bons homens, mas meu pai era o único herói de lá.
Claro, as coisas não eram tão simples. Quando eu tinha nove anos, descobri que ele não era exatamente um policial. Pelo menos, não o tempo todo. Meu pai era um Vigilante. Junto de outros três colegas que lutaram na guerra, eles passavam a madrugada correndo pela cidade, pulando de prédio em prédio, ajudando pessoas e capturando criminosos de uma forma que a polícia não conseguiria, nem ousaria. Não podia contar isso para ninguém, ele me fez prometer. Apresentou-me aos parceiros. Tio Albert, tio John e tia Andrea, era assim que eu os chamava. Eles eram para mim super-heróis de verdade, eram o esquadrão MidNight, os salvadores de Chicago.
Em 2005, eu já tinha 19 anos. Meu pai havia gasto boa parte de seu tempo me convencendo de que eu não deveria ser como ele. Que eu deveria me formar, virar um advogado. Conseguiu pagar com se salário miserável de policial o primeiro semestre em Harvard. Eu estudei, fui o melhor aluno de uma turma de duzentos. Não queria decepcionar meu herói. Ele nunca havia me decepcionado. Ele nunca havia faltado em nenhum dos jogos de baseball da escola, nunca havia descumprido uma promessa. Ele era esse tipo de homem, e havia me criado para ser igual. Quando voltei para casa naquele verão, queria mostrar para ele o quão bem eu havia me saído. Queria que ele tivesse orgulho de mim.
No terminal de ônibus, não o encontrei. Ele nunca se atrasava, nem mesmo quando aconteciam coisas ruins. Eu liguei em casa, mas ninguém atendeu. Não sabia o que fazer. Tio John apareceu em seu lugar. Estava com um olho roxo, um braço engessado, e um curativo enorme no pescoço. Quando vi aquilo, comecei a chorar. Eu sabia o que havia acontecido.
Tio John me contou que a desgraçada da Andrea os havia traído. Uma emboscada, tio Albert foi morto no lugar. Meu pai havia tomado um tiro por tio John, mas havia escapado. Os dois correram quase um quilometro nos esgotos antes de meu pai sucumbir aos ferimentos. Fomos no carro dele até em casa. Mamãe estava chorando, mas ela não sabia a verdade. Para ela, papai havia morrido em serviço, e tio John havia sofrido um acidente de carro. Eu chorei muito. Todos os dias das férias de verão, visitei o túmulo de meu pai, e todos os dias, jurei que ele teria orgulho de mim.
Na época, tio John havia acabado de abrir um negócio, e estava ganhando bastante dinheiro. Disse que eu não deveria me preocupar, pois ele garantiria que eu e mamãe pudéssemos viver em paz. Ele pagou minha faculdade, e fazia questão de me visitar no campus sempre que podia. Eu nunca terei uma forma de repagar a ele tudo que fez por nós.
Nos anos seguintes, usei todo meu tempo livre para me tornar forte. Entrei para o clube de tiro local, me afiliei ao ginásio, aprendi a lutar Full Contact. Estudava como um louco. Não me lembro de um único dia que tivesse abdicado da rotina. Tio John estava me oferecendo uma forma para me tornar bom o suficiente para acabar com a desgraçada que matou meu pai, mesmo que ele não soubesse. Isso me custou toda a vida social da faculdade, mas era um preço pequeno, muito menos do que eu estava disposto a pagar.
Numa noite, estava estudando para uma prova quando vi na Internet notícias sobre um misterioso vigilante de Chicago. Seu nome era Midnigther. Eu sabia que era tio John, sabia que ele não desistiria. Meu pai não desistiria. Nem eu. Formei-me em primeiro lugar, com as melhor médias que Harvard havia visto. Tio John queria que eu fosse trabalhar com ele em Chicago, mas eu não conseguiria ficar naquela cidade sem que as memórias voltassem. Naquela época, eu poderia ter alcançado tudo que quisesse, mas resolvi trabalhar com os casos mais difíceis, que ninguém pegaria em sã consciência, com medo de destruir a própria carreira. Eu não estava interessado no dinheiro, eu queria ajudar as pessoas. Mas ainda não pensava na hipótese de me tornar um vigilante, pois acreditava no sistema, e sabia que, se descobrisse o que aconteceu naquela noite, mandaria todos para a prisão para o resto de suas vidas. Até conhecer Maximillian Maxwell.
Foi em março de 2012. Não faz tanto tempo. Maxwell queria expandir sua empresa, a MaxCorp, para a America. Comparam o quarteirão onde cresci, e despejaram minha mãe. O único problema é que o apartamento era nosso, e não havia meios legais para que tivessem feito aquilo. Preparei o processo. Descobri uma série de irregularidades na empresa. Trabalho escravo, experimentos com seres humanos, uso de produtos proibidos, substâncias tóxicas como matéria prima para alimentos, poluição muito além dos limites permitidos, sonegação de impostos, e mais uma interminável lista. Eu tinha o material perfeito, eu tiraria a MaxCorp do ramo em menos tempo que eles demoliriam o meu velho prédio. Ou assim pensava.
Minha demissão do setor público foi praticamente política. Caçaram minha licença, e me meteram em fraude atrás de fraude. Os advogados da MaxCorp compraram o juiz, e ainda me processaram por difamação. Em um mês, eu perdi tudo que havia conquistado. Todas as provas que reuni desapareceram dos arquivos públicos, fui despejado de casa, e minha noiva me abandonou por achar que eu estava tendo um caso. Tudo em um mês. Mamãe morreu semanas depois, num acidente de carro, onde dirigiu bêbada. Mas ela não sabia sequer dar partida no carro. Pouco tempo depois, fui preso por homicídio e trafico de drogas, sendo que eu sequer bebia álcool, em respeito ao pedido de meu pai. Fiquei cinco anos sendo humilhado, com o pior tratamento possível, um presídio desumano. Presente pessoal da MaxCorp.
Durante todo esse tempo, tio John me visitou. Tinha seus advogados trabalhando no meu caso, contratara detetives. Disse que eu sairia logo. Eu acreditei nele. Tio John nunca mentiu. No começo de 2017, fui solto, mas nunca voltei a ver meu benfeitor. Ele havia sido morto.
Não exatamente. Midnighter morreu, salvando o mundo de um louco em Paris, mas tio John ainda faz aparições em videoconferências. Eu sei que não é ele, que é apenas uma imagem de computador. Fico com dó da filha dele, Shauny, que não deve ter idéia do quão importante é o pai dela. Provavelmente, ela nem sabe que ele morreu. Tio John com certeza pensou em tudo para protegê-la da verdade. Deve ter contratado sósias muitos anos antes. Provavelmente simularia a morte em um acidente aéreo em algumas semanas, ou algo assim. Nunca consegui falar com ela. Ela se tornou reclusa como o pai. Na infância, tínhamos sido bons amigos, mas agora, éramos estranhos.
Chegará a hora de eu fazer alguma coisa. Não podia deixar que os bandidos se safassem dessa, depois de tudo isso. Havia um depósito da guarda nacional a poucos quilômetros da cidade. Não era um posto grande, mas era usado como depósito de equipamento para os quartéis que ficavam nas cidades vizinhas. Brincava lá quando era criança, quando meu pai me levava para conhecer seus amigos da guerra. Demorei semanas para ficar pronto.
Montei um traje a prova de balas, usei os anos que havia estudado para preparar todo o resto. Modifiquei as armas, pintei de preto um blindado urbano, preparei explosivos e todo o tipo de coisa que achei que poderia usar. Agora, estou pronto. Finalmente estou pronto para vingar meu Pai e meu Patrono. Estou pronto para cumprir a única tarefa que me resta nesse mundo.
Pois agora, sou Midnighter.

O Retorno de Midnighter — Parte I

Quando era criança, eu e Abe éramos inseparáveis. Os irmãos Samsom, como nos chamavam naquela vizinhança miserável no centro do Harlem. Ele era Big Samsom, e eu, Lil Samsom, e éramos conhecidos por todo aquele lugar. Quando crescemos, saímos daquela desgraça, e conseguimos faculdade com bolsa, graças ao Futebol. Afinal, os Samsom sempre dizem, “corpo forte, mente forte”.
Abe era um exemplo. Dois metros de altura, forte como um touro, se formou um ano e meio antes de mim. Foi chamado para o exército, trabalhou na inteligência durante a guerra do golfo. Era um homem e tanto, nossa velha mãe tinha orgulho das medalhas. Lembro de que quando ela morreu, Abe fez questão de enterrá-las com ela.
Eu era mais acadêmico. Fiquei na faculdade, virei doutor. Nunca parei de me exercitar, e meus alunos achavam que eu iria agredi-los fisicamente caso não fizessem o dever. Bem, era verdade, eu iria mesmo. Por sorte, nunca precisei. Trabalhei com pesquisa militar, aproveitando as indicações de meu irmão, e me tornei bastante conhecido no meio. Desenvolvi blindagem, hardware e alguns outros segredos, mas nunca senti que fazia alguma diferença.
O que queria mesmo era trabalhar com algo que pudesse ajudar as pessoas. Queria trabalhar com algo que pudesse transformar vizinhanças ruins, como a minha antiga, em bons lugares para se crescer. Queria conseguir uma forma de ensinar aos garotos ficarem na escola e não usar drogas. Meu irmão havia dito que encontrara uma saída, e que queria que eu fosse trabalhar com ele. Passei as semanas seguintes empolgado, esperando minha vida mudar.
Então, Abe morreu. Baleado, por um bando de canalhas do tipo que fez nossa juventude ter sido um inferno. Um amigo dele, John Hasler, veio me dar pessoalmente a notícia. Fiquei arrasado, pois de uma vez só, meu irmão e minha esperança me haviam sido tomados.
Então, Hasler me mostrou o trabalho de Abe, e como meu irmão fazia a diferença. Senti que Abe era realmente o homem que eu achava que era. Enterrei-o naquele verão, do lado de mamãe e papai. Em sua lápide, está escrito “Albert Samsom, filho, irmão e herói”, mas não acho que só isso possa dizer tudo que senti.
Eu pedi demissão da faculdade depois de um tempo. Não conseguia mais olhar para aquela pesquisa, sabendo que havia homens como os que mataram meu irmão, soltos pelo país. Esse tipo de lixo humano deveria ser exterminado, mandado para a pior prisão, apodrecer pela eternidade. Não é o ambiente que faz a pessoa virar um monstro — meu irmão e eu saímos das mesmas condições, e viramos alguém na vida, sem nunca ter que pisar nas pessoas ou partir para o crime — e sim, o caráter.
Hasler me chamou para continuar o trabalho de Abe. Demorei três anos para aceitar. Engordei quase trinta quilos durante a depressão, mas não parei com meus exercícios. Eu estava tão fundo no poço, que morava agora em um quarto alugado em cima de um bar, dividindo minha cama com ratos. Não era exatamente o tipo de vida que as pessoas esperam de um doutor renomado. Achei que era hora de mudar, se quisesse mesmo honrar o bom nome de Abe.
Como sempre, Abe era o melhor de nós. Eu não conseguia reproduzir suas criações, apenas repará-las. Eram avançadas de mais para mim. Tornei-me chefe de projetos na empresa de Hasler, mas apenas como fachada. O que eu fazia mesmo era criar utensílios para o Midnighter. Ah, o Midnighter. Ele era um homem de verdade, do tipo que faria nossa velha mãe aplaudir. Pegava os bandidos, mesmo aqueles que os policiais corruptos tinham medo de perseguir, e dava uma lição neles. Eu me sentia importante em ajudar. Sabia que estava fazendo aquilo por Abe, e tinha certeza de que ele estava orgulhoso de mim.
Tornei-me grande amigo de Hasler. Construí seus veículos, montei o sistema de utensílios retrateis do traje de combate, programei grande parte do sistema dos computadores, e bolei um tecido leve e flexível como seda, que consegue resistir à balas a queima-roupa. Fiz minha parte, ele fez a dele. Assim, funcionava nossa parceria. Trabalhamos assim por quase nove anos.
Mas ele também caiu para os bandidos. Caiu em rede internacional, salvando a pele de todo mundo, e ninguém parece ligar. Eu ligo. Não posso deixar isso acontecer assim. Havia mais uma dúzia de caras lutando lá, qualquer um deles tinha poder suficiente para explodir uma cidade, mas nenhum deles teve o que era preciso para fazer a coisa certa. Mas John Hasler, que poderia ser parado com um golpe de faca, teve. E é isso que eu não posso deixar que as pessoas esqueçam.
Gastei os últimos meses me preparando. Juntei um projeto de uns guris ingleses, algumas tranqueiras que consegui do que sobrou dos andróides dos cientistas da Daydream, umas idéias que meu irmão estava trabalhando, e construí uma armadura de combate. Cento e oitenta quilos de metal e circuitos. Mesmo com os servos-motores, ainda tenho quarenta quilos de sensação em meus ombros. Se eu não fosse tão forte, não conseguiria andar. Fiz tudo isso com bastante cuidado, mas sei que esse exoesqueleto não é nem de longe forte o suficiente para que eu me equipare à esses doidos de capa.
Quando eu estava na metade de minha criação, o tal alemão voltou para Chicago e assumiu o posto de Midnighter por algumas semanas, mas era obvio que ele não gostava de mim. Esse tipo de pessoa não respeita gente como eu, que veio de baixo. Ele não quer que eu o veja sem máscara, uma medida bem nazista, como era de se esperar. Talvez, tenha nojo. Pelo modo que age com Shauny e comigo, fica fácil perceber que ele não gosta de negros. Graças a deus, ele foi embora, mas isso me deixou menos tempo para trabalhar. Mas terminei.
Eu saio da Van onde montei meu posto de abastecimento, e olho para a lua. Faço um teste, e salto quase quinze metros para cima. Um gancho é disparado automaticamente, e me prende numa das paredes. O metal da armadura muda de cor, mimetizando a textura dos tijolos. Eu me jogo com força, e atinjo o terraço de um prédio. A armadura ainda tem quase três horas de energia. Vai ser uma longa noite, e os malditos vão pagar. Não vou deixar que esqueçam.
Pois agora, sou Midnighter.

Olhos Nublados — Parte III

Zed trancou a porta rapidamente e olhou para Mila. Ofegava. Suas mãos tremiam incontrolavelmente, num nervosismo que não estava habituado. "Droga", pensou, "Eu não sou nenhum Nistelroy para ficar invadindo prédios assim, eu não sou um ladrão!".

— Se continuar tremendo, vão perceber.

O golpe da voz triste da garota o fez voltar para a realidade. Ela lhe causava uma sensação completamente estranha de dúvida e piedade. Zed não tinha certeza do que estava fazendo, mas alguma parte dele — talvez a parte que acreditasse em fé, que havia tanto negado — estava trabalhando contra seus instintos.

— Ah!, Moça! Você tem enrolado o Zed aqui até o limite! Fale de uma vez! O que viemos fazer aqui?

Mila fingiu que não ouviu, mas ele insistiu em mais alguns comentários. Ela andou até um dos computadores da sala de segurança e derramou o liquido frio que sobrara num copo de café deixado ali por algum guarda indisciplinado. O soro negro escorreu pela mesa de controle, causando faíscas. As telas de monitoramento começaram a chuviscar. Apanhou um microfone e enfiou o cabo de ligação na mesa faiscante. Zed teve a impressão de que ela tomara choque elétrico.

— Brownwell Park, 2334, é um armazém de peças de carro - sussurrou. O rosto de Zed cresceu em interrogação; sua paciência estava se esgotando.

Ele se sentou em uma cadeira, e sacou a arma. Girou duas vezes entre os dedos, conferiu alguma coisa, e deitou-a sobre a mesa no meio da sala. Levou um cigarro à boca, e começou a estudar Mila calmamente.

— O que está fazendo? Eles vão nos encontrar! O guarda vai entrar pela porta em um instante...

Zed sorriu. Girou o cigarro entre os lábios, e tirou do caminho uma mecha que tampava a visão de seu olho direito. Calmamente, sacou o isqueiro — um raríssimo Ronson Blueberry da época da segunda guerra mundial — e o fez funcionar, tampando a faísca com a outra mão. Deu uma tragada lenta, e soltou a fumaça pelas narinas. Parecia cada vez mais com um ator de filmes Noir.

— Eu cansei de seu jogo, Mila. Tentei ser bonzinho com você, tentei mesmo. Eu não sou o idiota que você deve pensar.

— Você não está entendendo, isso não deveria estar... — os olhos de Mila ficaram enevoados, e ela pareceu perder contato com a realidade por alguns instantes.

— E lá vai você de novo. O plano deu errado, e agora você vai fazer alguma coisa sem sentido para que ele volte ao rumo em... três... dois... um...

Mila jogou o copo de café do lado da porta. Um guarda truculento entrou correndo, com a arma em mãos.

— Mas quem por... — e escorregou no copo, caindo de cabeça no chão. Estava inconsciente.

Mila respirava forte, como se tivesse acordado de um pesadelo. Era como se tivesse perdido todas as palavras.

— Mocinha, agora é a hora de a gente conversar. Se você for prestativa, nosso amigo dorminhoco nem vai entender o que aconteceu. Por que estamos aqui?

— Eu não... eu não sei. — Mila engoliu seco; as coisas pareciam estar saindo de controle — eu não consigo mais controlar. Eu só estou tentando ajudar!

Zed mastigou o filtro do cigarro, e deixou-o pender pelo canto da boca. Não parecia satisfeito. Olhou para o relógio.

— O turno deve acabar em mais uns minutos, e ai o próximo guarda vai chegar... e não estamos vendo nenhum outro copo de café por aqui, estamos?

— Algo ruim... algo muito ruim vai acontecer. Eu não sei o que é, mas... eu... nós podemos impedir, se fizermos direito.

— Minha paciência tem limites, moça. Por que você está invadindo a MaxCorp, e o que eu tenho a ver com isso? — Zed andou até o guarda caído, e começou a revistá-lo.

— O laboratório do quadragésimo oitavo andar... eu... preciso chegar lá, mas não vou conseguir sozinha. Você tem que me ajudar. Se eu não fizer isso, muitas pessoas vão morrer.

Zed tirou alguma coisa da cintura do guarda. Levantou-se, e foi até Mila. Acariciou o rosto da garota com as costas da mão, e sorriu.

— Pronto, vamos. Eu só queria o cartão de acesso do rapaz aqui.

Mila ficou confusa.

— Quer dizer que você só estava..? — ela parecia brava.

Ele riu. Guardou o cartão no bolso, e foi andando. Deu um belo chute na cabeça do guarda, para garantir que ele não acordasse nas próximas horas.

— Eu o vi chegando quando entrei, havia tirado o comunicador para falar no telefone com uma mulher. Eu sabia que ele não ia chamar reforços. Além disso, eu precisava testar como é que você faz seu truquezinho — Ela tentou interromper brava, mas Zed continuou falando — vamos andando, antes que descubram esse aqui.

Saíram pela porta dos fundos, e correram até a escadaria. Vinte minutos depois, estavam os dois no quadragésimo oitavo andar do MaxCorp Silver Tower. O prédio tinha esse nome por parecer ser de uma única peça de vidro espelhado com um tom levemente metálico. Zed acenava para os trabalhadores do escritório, que sorriam em resposta, como se fosse mais um da turma. Ele se divertiu inventando uma história sobre ser do setor de corte de verbas, e fofocou sobre o caso que o fictício Lenny do Recursos Humanos tinha com a secretária gorda do nono andar. Pararam ao se deparar com a ameaçadora imagem dos seguranças da porta dupla no final do corredor.
Zed tentou adivinhar quais seriam as armas que os truculentos homens guardavam sob o uniforme. O negro com nariz achatado tinha cara de uma P-85 Mark II, enquanto o careca com queixo duplo com absoluta certeza portava uma daquelas Colt Double Eagle. Fora isso, havia quatro câmeras panorâmicas e as duas secretárias na recepção ao lado. Ele conhecia bem esses sistemas de segurança, e pensou consigo mesmo que havia acertado em ter se tornado um negociador de risco — nome pelo qual se referia a toda classe de profissionais do jogo, golpistas, banqueiros, e o resto da malandragem formalizada — e não um ladrãozinho qualquer.
Mila o puxou para uma sala. No instante seguinte, a porta dupla da diretoria se abriu, e Zed teve um vislumbre rápido do figurão que era Maximillian Maxwell II, oitavo homem mais rico do mundo, personalidade do ano da Times e rei da filantropia na América. Como da maior parte da população, a opinião de Zed sobre ele era favorável; o homem havia ajudado o mundo a se reconstruir depois de duas crises, havia criado a primeira força policial com capacidade super-humana, e mais um monte de coisas. Claro, houve aquela vez que tiraram todos os remédios da MaxMed de circulação, mas ninguém parecia se lembrar disso.

Mila andou pela sala. Era um laboratório branco-azulado, cheio de geladeiras em miniatura. O lugar cheirava a hospital. Ela abriu uma das portinhas na parede e tomou um saco plástico. Havia um frasco de vidro cheio de um liquido amarelado, mas ela não se deu ao trabalho de olhar. Andou até o final da sala, abrindo sem ver todas as portas disponíveis. No final, abriu uma gaveta e tirou de lá uma ampola vazia. Zed teve a impressão de que a moça fosse uma experiência mal-sucedida de algum cientista louco, e agora estava se voltando contra o criador.

— Zed, preste atenção. Convença os seguranças para que nos deixem entrar na sala do final do corredor.

— Mas ein? Isso é suicídio! Será que não tem nenhum copo de café vazio por aqui?

Mila não respondeu; empurrou Zed com o peso de seu corpo, e o rapaz saiu pela porta, quase batendo de frente com uma parede. Os seguranças trocaram olhares, e o careca foi na direção do rapaz.

— Eu posso ver sua identificação? Eu não acho que tenha te visto aqui dentro antes. — O homem tinha quase dois metros de altura, e com certeza tinha músculos o suficiente para quebrar Zed ao meio sem muito esforço.

Zed tremeu um pouco. Pensou em sacar a arma e acabar com tudo ali mesmo, mas não teve coragem. Leu o nome do segurança no crachá. "Terrance Walker". Era possível sentir a antipatia do brutamontes no ar, e Zed podia dizer facilmente que bastaria uma palavra errada para que fosse parar na delegacia local, na melhor das hipóteses.

— E então? Vai mostrar ou não?

Zed sacou o cartão que havia tirado do guarda. O segurança precisaria estar bêbado para acreditar que era ele na foto. Mostrou-a.

— Ahn... Terry, Terry, você não se lembra de mim? Nós conversamos no elevador, eu te recomendei apostar nos Giants, lembra?

— Em primeiro lugar — o careca segurou o colarinho de Zed — eu sou de Ohio, os Giants são para perdedores. E em segundo lugar — prensou o pobre rapaz com toda a força na parede — é Sr. Walker para você! Agora me diz, que porra você está fazendo aqui, ou eu estouro seus miolos, seu merdinha!

O negro sacou a arma. Era realmente uma Mark II, mas com silenciador. Zed quase sorriu, pensando que tipo de idiota colocaria um silenciador numa Mark II, mas teve a impressão que não seria o melhor comentário a se fazer naquele momento.

— Olha-ugh, olha, eu só preciso entrar ali um-uhg um m-minuto só, vocês... v-vocês podem até fazer um intervalo, que tal? — Zed nesse momento esperava que Mila tivesse encontrado todo o estoque de copos de café do prédio, para tirá-lo dessa confusão. A mão do careca pesava uma tonelada.

Zed tentou alcançar sua arma, mas sentiu que ela não estava mais onde deveria. Sabia que não teria tempo para nenhuma brincadeira. O careca gritava com ele. As secretárias saíram correndo e se esconderam dentro de alguma sala fora do campo de visão.

— Me deixem em paz! — Zed gritou, perdendo todo o ar que tinha acumulado. Sua voz ecoou pela sala, e pareceu ter um poder descomunal.

— Perdão, senhor, perdão! — gritaram os guardas.

Os dois saíram correndo, assustados. O negro tropeçou e foi se arrastando até o final do corredor. Zed ficou parado por alguns instantes, tentando entender o que havia acontecido. Talvez tivesse ficado parado lá pelo resto do dia, se Mila não saísse pela porta e o puxasse. Entraram na sala de porta dupla sem falar uma palavra. Então, Zed explodiu.

— Você quer me matar, sua desgraçada? Aqueles filhos da puta quase fizeram picadinho de Zed! Ou você fala, ou vai tomar uma bala do meio da testa!— Estava já com a arma apontada para a menina, e seu coração batia tão rápido que fazia as costelas vibrar.

— Se não tivesse demorado tanto para usar seu dom, poderia ter evitado tudo isso. — Mila foi andando calmamente na direção de um notebook que estava em cima da mesa de reuniões.

— Que porra é essa, Dom? Do que diabos você está falando? — Zed ainda estava com a arma apontada, mas já não tinha certeza de que iria atirar.

Mila digitou alguma coisa, e só respondeu para Zed quando ele ameaçou ficar histérico.

— Seu dom, sua habilidade especial... — parou um instante, e seus olhos ficaram vazios por alguns segundos — Ah, não! Você não sabia?

— Do que você está falando, moça? Eu não estou entendendo nada, droga!

— Você tem um dom, como o meu... eu achei que você já soubesse, foi um engano! Eu nunca teria...

A porta se abriu num golpe forte. Meia dúzia de homens bem armados entrou no lugar, gritando e berrando. Pareciam estar vestidos para a guerra, com uma armadura cinza e capacetes. Em um instante, cercaram Zed e Mila. O líder deles tinha um bigode farto por trás do vidro da mascara, e sua voz era muito grave, mais ainda quando gritava.

— Muito bem, os dois, pro chão!

Zed olhou nervoso para Mila. A menina parecia calma, mas os olhos dela haviam se perdido no tom acinzentado. O céu já estava escuro, e a janela gigantesca na sala de reuniões dava uma visão bem clara de que os dois não tinham saída.
O som de um disparo assustou as secretárias que estavam escondidas na cozinha do andar. Havia começado.

Dia das Crianças

Londres, nos arredores rurais da cidade, os cidadãos pacíficamente seguiam suas vidas enquanto os termômetros acusavam 30 graus. Era uma tarde ensolarada de Junho e os céus eram de um azul esplandecente ornamentados por um enorme e brilhante ponto amarelo e por calmas e multiformes nuvens brancas. Súbito, como um relâmpago silencioso de luz branca, um risco formou-se nos céus, rompendo a tranqüila e bucólica harmonia da cena.

Algumas centenas de metros acima, voando a duzentos quilômetros por hora, gentilmente envolvido pelos braços e seios de Alisia Bryant, e protegido por um campo invisível de luz densa, estava o pequeno menino Klaus Kohler van der Nistelroy. Enquanto o cenário passava deslumbrante por seus olhos arregalados, o garoto só conseguia esboçar como reação um sorriso largo e honesto em seu rosto. Era a melhor sensação do mundo, era incrível. O vento não agredia seu rosto, nem bagunçava seus cabelos, o campo de força impedia aquilo. Só o que tinha era a magnitude máxima da sensação da gravidade em sua barriga e a vista inacreditável que o passeio proporcionava. Em poucos segundos já estavam sobrevoando a cidade, e minutos depois passavam pela costa da Irlanda. Alisia não dizia nada, apenas deixava que o menino aproveitasse a viagem e, vez ou outra, comentava sobre o nome dos lugares que estavam sobrevoando. Klaus mal podia ouvir, embasbacado pela experiência.

A cerca de 300 metros abaixo e centenas de quilômetros a Sudeste, no terraço da Nistelroy Security Technologies, Claude estava sentado no mesmo ponto em que dissera até logo a Klaus e vira Sunshine desaparecer com ele nos céus. Pelo comunicador, podia ver e ouvir tudo pelo ângulo de Sunshine. Ela era fabulosa. Havia telefonado para o prédio das Nações Unidas no dia anterior perguntando se ela poderia lhe fazer um favor. Nove da manhã, ela chegou no terraço exatamente às nove da manhã, e nem era britânica. Dos últimos Dias das Crianças, Klaus estava mais empolgado com aquele. Por algum motivo, a idéia de voar o fascinava. Claude tinha medo daquilo, torcia sinceramente para que ele se tornasse piloto de caças, algo muito mais seguro do que a outra possibilidade. Sete anos e ainda não conseguia se sentir completamente pronto como pai. Tinha uma tarefa no mundo, um ideal pelo qual lutar, mas não conseguia – e sabia que não devia – deixar de lado suas responsabilidades paternas.

Em meio a divagações, o inglês notou pelo visor que eles já estavam se aproximando do prédio. Olhou para o relógio, tinha pedido uma hora e ela já estava no ar com Klaus a quase duas. Viu com o olho esquerdo o terraço do prédio se aproximando da visão de Sunshine, enquanto o olho direito via um facho de luz vindo em sua direção. A meio metro do chão, ela desacelerou e ambos pousaram suavemente, Alisia colocando o pequeno Klaus no chão. Em meio a inúmeros pedidos de bis do menino, Claude agradeceu a Alisia pela gentileza. Após dar um beijo no rosto de ambos e dizer que não foi nada, ela partiu novamente nos céus, dizendo que precisava voltar para a ONU.

"Ela é legal" deixou escapar, enquanto se aproximava instintivamente das pernas do pai. Claude assentiu com a cabeça. Era estranho, ou nem tanto, mas ele confiava em Alisia, Nicholas e Gunther o bastante para entregar-lhes nas mãos a vida de seu próprio filho, a coisa mais importante que tinha.

Caminharam pela cidade, Klaus queria comer porcariadas e comprar quadrinhos. Na banca de jornais do shopping, enquanto escolhia as revistas, Klaus observava silencioso seu pai sentado na mesa da cafeteria ao lado. Sabia que ele não era como as outras pessoas, pelo menos não como a maioria. Ele podia fazer coisas diferentes, podia ir rápido de um lugar a outro sem que ninguém visse. Ele nunca se machucava, nunca ficava doente como os pais de seus amigos. Olhou para a revista em suas mãos. Na capa, um herói impedia um trem. Sabia quem era aquele herói, seu pai já havia lhe dito. Conhecia mais da metade dos super-heróis de verdade do mundo. Adorava, muito mais do que ler quadrinhos, de ouvir seu pai contar-lhe as histórias dele e de seus amigos. Nunca contara isso, mas seu personagem favorito era Impacto, e não seu pai. Gostava dele, mas não achava que ser rápido era tão legal quanto ser forte.

Pegou as revistas e deu o dinheiro ao jornaleiro. Contou o troco e guardou, organizadamente, em sua carteira. Notou que o jornaleiro o olhou admirado. Era um menino que aparentava nove anos, mas era muito mais inteligente que seus amigos, sabia disso. Na escola, se esforçava para não chamar tanto a atenção, afinal era extremamente tímido e falava muito pouco com qualquer um que não fosse seu pai. Mesmo assim tinha as melhores notas da classe e era um aluno prodígio nas aulas de ginástica. Achava que, assim como seu pai era diferente dos outros, ele também devia ser. Lembrava que uma vez havia perguntado a seu pai se ele também ia ter super-poderes. Ele desconversou, dizendo que estudar e ter conhecimento era o maior poder que existia. Não acreditava mesmo naquilo, preferiria mil vezes ter super-força. Sabia que Claude o queria um estudioso, mas tinha outros planos para si. Mesmo que não ganhasse super-poderes, sabia que era rápido e esperto, e queria ser um grande ladrão como seu pai era antes de ser herói. Deteve seu pensamento ao lembrar-se da interminável e severa bronca seguida de castigo que seu pai lhe aplicara da última vez que falou disso. Decidira então não falar mais, mas sem desistir, absolutamente, da idéia. Victoria tinha reagido melhor, até o ensinou como abrir cadeados e trancas simples, mas advertindo para que nunca fizesse aquilo em casa. Aprendera também com ela que o grande ladrão é aquele que não deixa pistas. Ainda tentava entender direito aquilo.

Sentou-se à mesa junto de seu pai. Colocou as revistas ao lado da xícara de café e pediu um refrigerante. Claude pediu a bebida ao garçom e pediu para que Klaus fechasse os olhos e abrisse as mãos. O garoto atendeu ao pedido e Claude colocou em suas mãos um pequeno microchip de silício e ouro.

"O que é isso?" perguntou o menino, olhando um tanto desinteressado para a peça. Claude respondeu que era um microchip como todos os outros milhares que tinha na oficina da Nistelroy, mas que esse tinha um detalhe diferente. Veio do futuro de outra dimensão. Havia tirado das peças que trouxera da base futurista da Extreme. Era um chip ordinário, um dos poucos do aparelho que podia ser substituído por tecnologia da Terra atual. Mas, no momento em que Klaus ouvira sobre a origem do objeto, o mesmo ganhou um aspecto completamente novo e misterioso. Era de outra dimensão.

Todo ano era assim. Klaus sabia todo ano que aquilo aconteceria. Seu pai nunca o levava a parques ou circos no Dia das Crianças. Esse lugares Klaus freqüentava sempre que queria, seu pai sempre o ensinara a cuidar e administrar o próprio dinheiro. O Dia das Crianças era algo que todo ano era especial. Depois, iam fazer compras e seu pai sempre lhe dava algo diferente de tudo, que o dinheiro nunca podia comprar. Dizia que era justamente para que ele entendesse que nem todas as coisas do mundo estavam à venda. Os amigos, por exemplo, ele dizia. No ano passado Klaus conheceu o fundo do mar junto de seu tio Nicholas. Tio Nicholas, tio Gunther, tia Alisia. Não tinha tios de verdade, sabia daquilo, mas sabia que aquelas pessoas eram os que seu pai considerava como família. Sabia que nenhuma outra criança do mundo tinha Dias das Crianças como aqueles, e imaginava que fosse o jeito de seu pai para compensar o tempo fora de casa, o fato de nunca poder chamar amigos para brincar em casa, ou o fato de que casa para ele era uma base subterrânea servida por sistemas computadorizados. Sabia que era assim sua vida, e que era assim que tinha que ser. Não podia contar a ninguém sobre seus Dias das Crianças, sobre como seu pai salvou o mundo naquela semana, sobre a Melon Soda que só vende no Japão e que seu pai trazia todo dia. Quando as aulas voltavam, sabia que, enquanto as outras crianças inventavam coisas extraordinárias que não haviam acontecido para suas redações de "Minhas Férias", ele teria que inventar quatro semanas de histórias chatas e sem graça, porque absolutamente não podia contar o que havia acontecido de verdade. Primeiro porque não acreditariam, segundo porque não precisava da redação para saber que o seu havia sido o melhor dos Dias das Crianças.

Dia dos Pais

- Claude! Klaus! Vão ficar o resto do dia aí fora? O almoço está servido!

Ouço as palavras de Victoria. Céus, como gosto dessa voz. Poucos programas me agradam mais do que visitar Victoria. Primeiro porque ela é linda, divertida, inteligente e também a melhor profissional do crime europeu depois de mim. Segundo porque ela gosta de Klaus, e Klaus gosta dela. Ele brinca com pedrinhas multicoloridas do jardim, desfazendo o minucioso desenho que algum jardineiro cobrou uma fortuna para moldar em pedras. Qualquer pessoa em sã consciência ficaria aborrecido, mas não Victoria, ela realmente gostava muito de Klaus, acho até que mais do que de mim. Ele joga uma pedra para o alto e, com a mesma mão, apanha outras 4 dispostas em quadrado no chão para em seguida agarrar com a mesma mão a pedra lançada ao alto. Ele só tem sete anos, acabou de entrar na escola, mas demonstra uma agilidade física e capacidade de entender as coisas que sinceramente me assustam.

redispõe as quatro pedrinhas e me entrega a maior, pedindo para que eu tente. Sorrio novamente e jogo a pedrinha para o alto. Ele não olha para ela, mas sim para minhas mãos. É esperto, sabe as coisas que posso fazer e, por não entendê-las muito bem, observa. É disso que Decido-me por ignorar o chamado de Victoria e sento no chão, ao lado de meu filho. Ele me olha e sorri, dispõe novamente as pedrinhas no chão e repete o movimento, me mostrando que é bom nisso. Eu bato palmas e, pela primeira vez em semanas, deixo que um sorriso se abra. Eletenho medo. Dessa Inteligência. Ele é muito mais esperto que as outras crianças da escola, tem facilidade para tudo, é forte como um menino de nove anos e desde que eu consiga me lembrar, nunca pegou um resfriado ou teve febre nem mesmo quando bebê. "O primeiro filho de um Next Stepper" foi o que disse o Dr. Scheimmer quando o seqüestrou. E o que isso quer dizer? Eu descobri ser filho de um Second Stepper, isso me deu poderes e me tirou o sossego na vida. Mas existe a possibilidade de não ser nada disso. Sim, ele pode ser só geneticamente privilegiado e nada além disso. Sete anos, Robert, sete anos desde que você morreu e Klaus nasceu. Lisa morreu sem saber ela própria qual de nós dois era o pai de Klaus. Eu poderia resolver isso, poderia fazer um exame de DNA dentro de minha própria base e pedir para Nicholas interpretar os resultados. Mas, para quê? O que muda se ele for mesmo filho de Robert? Robert está morto, Lisa também. Somos nós dois, meu filho, os últimos Nistelroy. Ainda bem que você é homem e vai ter a chance de repovoar o mundo com nossa espécie.

Me pego divagando com a pedrinha quase começando a cair. Ele continua fixado em minhas mãos. Eu espero. Espero até que a pedra maior se coloque exatamente no caminho entre seus olhos e minhas mãos. Então pego as quatro pedrinhas, coloco-as sobre a palma de sua pequenina mão e apanho a maior, bem diante de seus olhos. Ele dá um pulo, posso fazer isso mil vezes e ele não se cansa. Morre de rir, como uma criança que viu um truque de mágica.

- Escutem, vocês dois não sentem fome, não?

Ela veste uma calça de ginástica colante e um top. Devia estar correndo na esteira. A sete anos, desde que Klaus nasceu, ela me telefona convidando para passar a tarde com ela. Hoje é Dia dos Pais, e ela é a única pessoa que telefonou. Ela se senta a nosso lado no chão e percebe que Klaus desmanchou seu jardim de pedras de três mil dólares. Ao invés de ficar brava, ela segura o menino no ar e o coloca sentado no canteiro de pedrinhas coloridas, apanhando punhados com as mãos e os jogando suavemente sobre a cabeça de Klaus. Eles riem. Eu estou distante, penso nele. Penso em quanto tempo passo nas ruas literalmente correndo atrás de criminosos, apanhando de Robôs gigantes, viajando para Saturno, viajando para outras dimensões. Penso em quão pouco é o tempo que passamos juntos. É claro, eu passo mais tempo com ele do que com o uniforme, mas ainda assim é pouco. Ele é meu filho, meu único filho e minha única família no que se refere à genealogia. Amo esse menino, mais do que já achei que amaria alguém. Mais do que a mim mesmo, mais do que amei Lisa, mais do que amo os irmãos que conheci como Lightning. Ele está crescendo, fala pouco com estranhos, mas porque prefere ouvir. Comigo, fala pelos cotovelos, mas pergunta muito mais do que afirma. Ele sabe sobre meu segredo. Sabe que o homem de uniforme com raios nos jornais é seu pai. Sabe que não pode deixar que ninguém descubra nunca. É inacreditável, não faz nenhum sentido, mas de todas as pessoas que conhecem minha identidade como Lightning, a que mais me inspira confiança é justamente este menino de sete anos que rola em meio a pedrinhas multicoloridas abraçado à mulher mais perfeita do mundo.

Eu me levanto, respirando fundo. Estava demorando até que demais para essa idéia aparecer de novo. Não, Claude, você não vai fazer isso. Sim, Klaus precisa de uma mãe, alguém que cuide dele e dê exemplos melhores que os seus. Sim, você também já passou da hora de parar com essa história de uma namorada por semana, seria realmente ótimo ter alguém para dividir as coisas, como o Nick faz com a Christine. Mas não, Claude, definitivamente essa mulher para cuidar de você e seu filho não é Victoria Lupin. Essa mulher linda de cabelos longos e negros com uma linda e sensual mecha rosa pode ser realmente encantadora, mas é sempre bom lembrar que ela é a última de uma linhagem secular de ladrões, os Lupin, descendentes do lendário ladrão de casaca, Sir Arnie Lupin. Klaus já será criado por um ex-ladrão, não precisa de uma ladra de primeira e na ativa como mãe.

Mas que idiota. Que belo idiota. Que belo, aliás, charmoso e veloz idiota que eu sou. Não, Claude, você não vai arrumar uma mulher de vida como a sua, não, arrumará uma dona de casa que certamente entenderá o fato de que seus amigos levantam carros e controlam água. Odeio, odeio mesmo quando chego a essas conclusões cretinas que fazem todo o sentido, mas são inevitáveis. Victoria não se importa em não ser mãe de Klaus. Para falar a verdade, se conheço bem essa mulher, deve ter feito laqueaduras para não correr o risco de engravidar e perder a forma física. Não a culpo, seria um desastre estético e profissional. Ela me olha, enquanto Klaus brinca com seus cabelos cor-de-rosa. A melhor parte de ser super-rápido é poder pensar com muita calma antes de falar, sem que a pessoa note que se está pensando. Ela vai me perguntar porque a estou olhando desse jeito. Empatia dos diabos, parece que ela está ouvindo cada pensamento meu desde que cheguei aqui. Eu devia aproveitar essa deixa, devia dizer que ela é linda e que quero jantar com ela essa noite, sem Klaus. Ela poderia deixar uma das empregadas cuidando dele e nós jantaríamos à beira do lago da mansão. Eu diria a ela o quanto quero alguém que entenda minha vida ao meu lado para cuidar de mim e de meu filho. Ela, bem, claro que ela não iria resistir, afinal de contas não é um galã qualquer de Hollywood, oras, sou eu!

- Por que está me olhando assim, Claude?

- ... não é nada, só estava pensando que estou ficando com fome, acho que Klaus também.

Ridículo, absurdo, mas de alguma forma eu simplesmente fico inseguro e nunca consigo. Olho para Klaus e pergunto se ele está com fome. Ele responde que sim, bom garoto, me poupou de arrumar outra desculpa. Às vezes me sinto tão ligado a ele que chego a acreditar que ele sabia no meu tom de voz que eu queria que ele estivesse com fome. Hoje é Dia dos Pais, meu sétimo Dia dos Pais, e pela primeira vez desde que Nicholas e Gunther foram embora para a América, estou verdadeiramente feliz.