Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

O Retorno de Midnighter — Parte IV

Checo mais uma vez a bateria da armadura, e quase fico feliz em saber que ainda tenho 21 minutos. Tempo suficiente para uma última volta. Estico o braço para o lado e puxo uma trava com um leve movimento de dedos, fazendo disparar uma câmera voadora de meu cinturão. Meu irmão, Albert Samsom, projetou um sistema de câmeras controladas facilmente por um sistema remoto. Graças a isso, eu consigo ter uma idéia do que está acontecendo na vizinhança sem ter que gastar a preciosa energia do traje. Claro que a imagem não é muito boa, parece com câmera de telefone celular de dez anos atrás, mas dá para ter uma idéia.
Três quadras abaixo, na Union Dale, a pequena câmera me mostra algo suspeito. Quatro carros blindados, uma dúzia de homens com armamento pesado saindo e se preparando para algo grande. Eles olham para o prédio do Hospital St. Claire, onde descubro, graças à meu acesso à Internet sem fio nos sistemas da armadura, estar internado Fabio “Garanhão” Lusagrelli, sobrinho de Henrico Mancini, um chefão falido que achou que poderia peitar Don Lorenzo Maggio, um dos manda-chuvas do crime em Chicago. Qualquer um que assiste os noticiários sabe que máfia é coisa suja, e que o St. Claire é por acaso o hospital beneficiado por generosas doações da família Mancini.
Eu salto os dois primeiros prédios que me separam dos capangas. As ruas são pequenas quando vistas de tão alto, fico feliz em não ter medo de altura. Depois do segundo pulo, o motor de ar comprimido da armadura fica sem gás, e corro os quase vinte metros seguintes antes de poder pular novamente. Cada passo meu bombeia ar para a o cilindro de compressão e, com ele cheio, tenho energia para pular mais uns dez metros. Claro, a queda provavelmente me mataria, por isso acabo gastando uma quantidade enorme de gás para amortecer o impacto. Dói pra diabos, mas não mais do que cair de barriga numa piscina cheinha. Por segurança, uma série de ganchos dispara automaticamente na direção dos prédios mais próximos quando estou no ápice vertical de meu movimento, evitando acidentes.
Olho do parapeito. Estou vendo os homens, seis andares abaixo. Apanho a câmera voadora e guardo em meu cinturão – essa coisa é cara, tenho que tomar todo o cuidado do mundo para não quebra-la. Travo um gancho no chão atrás de mim e respiro fundo. Fico imaginando como Abe fazia essas coisas sem nenhum dos recursos que disponho. Sinto um pouco de orgulho dele, afinal, ele é Big Abe Samsom, e fez por merecer a fama de mais duro dos irmãos. Pego um cilindro do cinturão. É um bastão retrátil de titânio com um pequeno motor de vibração – não que seja de grande valia, mas deve nocautear facilmente os brutamontes que estão lá embaixo. Tem quase dois metros quando ativado. Confiro o tempo da minha armadura. Quatorze minutos.
Vejo os homens apontarem as armas. Parecem metralhadoras pequenas, mas não sei dizer a essa distância. Eu devia ter instalado uma lente de ampliação nessa droga de capacete. Calculo meu salto para o capô do carro da frente. Deve assustar os bandidos por tempo o suficiente para que eu me recupere da queda. Quando vejo que um deles começa a atirar, salto com força para baixo. Durante a queda, me lembro de que nunca testei a armadura para uma parada brusca.
Sinto o metal de minhas botas afundando na blindagem do capô do carro. O impacto é tão forte que o resto do veículo se dobra para cima, estourando os vidros. Meus pés estraçalham o motor do veículo. Minhas pernas doem como o diabo, e teria me ajoelhado de dor se o metal do capô não tivesse se dobrado ao meu redor, impedindo os movimentos. Sinto o fisgo do gancho preso em minhas costas, e vejo o cabo de metal me puxando para cima. Subo meio metro, e caio de novo. Enfio uma perna na frente, e consigo parar na calçada, quase desequilibrado. Ordeno para o gancho soltar. Ele vem em alta velocidade e chicoteia em um cabo elétrico, que é cortado ao meio. O resto do gancho bate em minhas costas com violência. É como tomar um soco daqueles. Fico sem ar.
Vejo o quarteirão inteiro se apagando por causa de minha entrada triunfal. Os mafiosos param de atirar por um segundo. Eu acho que os assustei de jeito. Uso o bastão de titânio – essa porcaria que me custou duas mil pratas – como bengala e me levanto corretamente. A armadura pesa uma tonelada em meus ombros, mas é forte como um diamante. Perdi o sistema de giroscópio, não vou conseguir estabilidade suficiente para usar o disparador de balas de borracha. Sinto que vou precisar de uns dois dias de gelo e repouso quando sair daqui.
Dou um salto para frente, tentando bater meu bastão em um dos italianos. Eles são lentos, quase se esqueceram do que é uma briga de homens. Quando piso no chão no final do pulo, urro de dor. Minha perna se dobra sozinha, ainda sentindo a pancada da queda. Eu jogo todo meu peso para o outro lado, e empurro meu corpo para frente, caindo de encontrão num mafioso. Nessas horas, eu penso que valeu a pena ter engordado. Com a armadura, estou pesando mais de trezentos quilos, e não me surpreendo ao ouvir um osso quebrando abaixo de mim. Um bandido a menos, mas eu estou caído.

Eles demoram um precioso segundo para olharem para mim. Ativo a camuflagem nesse meio tempo. A escuridão repentina e os flashes de luz do cabo elétrico chicoteando a rua me dão a distração necessária para me levantar. Começo a pensar que eu deveria ter atropelado eles com meu furgão – ia ser mais seguro. Retomo meu fôlego, olho para os lados. Giro o bastão com força, e três dos rapazes caem inconscientes. Restam oito agora. Eu gosto do barulho oco que o metal faz quando bate em bandidos. Faz-me sentir no controle da situação.
Eles começam a atirar. Eu devia ter pensado nisso antes. Minha camuflagem não chega nem aos pés da dos filmes do Predador – na verdade, ela é uma fina cama de fibra ótica que projeta imagens do ambiente – e o bastão visível, brilhando com cada flash da eletricidade na rua, também não ajuda muito. Claro, a surpresa faz com que muitas balas passem longe. Algumas resvalam na minha blindagem sem que eu sinta nada. Outras me atingem reto. Uma coisa que eu sempre tive curiosidade era o quão forte era o impacto de uma bala quando se usava colete. Estou usando uma armadura com meia polegada de titânio e liga de carbono, além das camadas de chumbo, tungstênio, amianto e outras paranóias minhas. Essa droga deveria parar (com sorte) balas de canhão. Mas mesmo assim, eu sinto cada impacto. É como ser atingido por um bastão de baseball, cada golpe só multiplica a dor do primeiro. Um dos tiros atinge um receptor externo da minha camuflagem no braço direito, e eu fico parecendo ruído de televisão fora do ar. Desligo. Eu devia ter pintado a droga de armadura de preto, pelo menos, ia chamar menos atenção a noite do que o metal polido.

A camuflagem com defeito comeu metade de minha bateria. Provavelmente, a queda e as tentativas do traje de amortecer os impactos fizeram um bom serviço. Tenho quatro minutos e doze segundos. Não tenho ar comprimido para dar um salto, e eles estão a quase dez metros de mim. Minhas pernas estão me matando. Confiro novamente a bateria, e me surpreendo com três minutos e quarenta e sete segundos. Assusto-me. Deve estar vazando energia. Ótimo.
Vou correndo na direção deles. Anos de futebol na faculdade me fazem derrubar dois deles em alguns instantes, e ainda consigo levantar o segundo e arremessá-lo nos outros. Derrubo mais um no processo. Sinto as balas cada vez mais fortes. Três minutos e vinte e dois segundos. Droga. Droga. Droga.
Uma das balas atinge meu elmo. Minha câmera de visão noturna vai pros ares, está tudo escuro. Eles acabaram de destruir novecentos e trinta dólares de investimento, e uma tarde inteira de serviço. Enquanto meus olhos se acostumam, esbarro em mais um deles. Espero que tenha sido um deles. Espero, por que no instante seguinte, eu dou o famoso soco de direita dos Samsom. O infeliz não vai mastigar por duas semanas. Dois minutos e trinta e oito segundos. Faltam quatro bandidos.
Arremesso meu bastão no mais próximo, que tomba. Ótimo, agora estou desarmado. Eu devia ter pensado em usar bumerangues, ou então, amarrar uma corrente na minha arma. Dois minutos e três segundos. Um apito no meu ouvido. O motor de compressão. Eu tenho energia suficiente para dar um pulo. Penso com toda a vontade do mundo que eu deveria aproveitar isso e sair desse lugar, mas algo em mim diz que não. E concordo. Abe com certeza não pensou em voltar atrás quando os malditos o emboscaram. Ele lutou até o final, pelo que era certo. Eu sou um Samsom, não vou cair. Não vou envergonhar meu irmão. Não vou sujar o nome de Hasler.
Com um minuto e vinte e sete segundos, eu chego correndo em um dos homens. Apoio minha perna em seu peito, e ativo o motor de pulo. Um jato de ar o arremessa quase vinte metros para trás, fazendo-o afundar o corpo na lateral de um carro. Arremesso meu gancho num outro homem. Mantenho a ponta fechada, eu não sou um assassino. Hasler nunca matou homens assim, não é a maneira correta de fazer justiça. Vejo o infeliz girando no ar. Meu gancho bate na parede do hospital, e volta para mim no instante seguinte. Sinto seu golpe chicotear em minhas costas. Trinta e dois segundos. O último homem atira em minha cabeça novamente. A câmera reserva desliga. Está tudo escuro. As balas ressoam em meu elmo. Sinto muita dor, quase perco a consciência. Escuto a direção dos tiros e me jogo. Doze segundos. Se eu errar, estou perdido. Resolvo arriscar tudo, e ativo minha surpresa especial. Uma descarga elétrica na blindagem da armadura. Sinto que toquei apenas de leve no infeliz, mas ele grita desesperadamente, até apagar.

Fico parado, caído no chão. A armadura pesa demais, mesmo para mim. Com um esforço épico, giro meu corpo para o lado. Movo minha mão até o capacete, e puxo a trava de segurança. Tiro da cabeça. Estou suado como a peste, e a borracha amortecedora que uso por baixo da armadura não serve como alívio. Sinto que vou ter assaduras pela manhã.
Faço força para levantar. Se eu tivesse bateria, poderia controlar o furgão por controle remoto. Enquanto dou meu primeiro passo, um dos homens acorda, e olha para mim, assustado. “Quem diabos é você, seu monstro?”. Eu?

Eu sou Midnighter.

3 comentários:

Unknown disse...

O texto ficou muito bom... teve partes qu me pacaram a sensasão de desespero... o esse midnigther tem futuro ^^

K disse...

O cara quase morreu lutando contra uma dúzia de MINIONS?! A ARMADURA DELE NÃO É PRETA?! Ah, francamente, se algum dos três tem a mínima chance de sobreviver é a Shauni, cara. O Shedd é um imbecil de roupa preta, o Samsom é um imbecil com uma armadura que parece até que foi o primo do Bullrush quem fez, e nem é preta! O conto é bom, só achei estranho ele se referir ao irmão falando o sobrenome junto na primeira vez.

Guilhotina Voadora disse...

Esses heróis low level não são feitos para durar.