Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Olhos Nublados — Parte III

Zed trancou a porta rapidamente e olhou para Mila. Ofegava. Suas mãos tremiam incontrolavelmente, num nervosismo que não estava habituado. "Droga", pensou, "Eu não sou nenhum Nistelroy para ficar invadindo prédios assim, eu não sou um ladrão!".

— Se continuar tremendo, vão perceber.

O golpe da voz triste da garota o fez voltar para a realidade. Ela lhe causava uma sensação completamente estranha de dúvida e piedade. Zed não tinha certeza do que estava fazendo, mas alguma parte dele — talvez a parte que acreditasse em fé, que havia tanto negado — estava trabalhando contra seus instintos.

— Ah!, Moça! Você tem enrolado o Zed aqui até o limite! Fale de uma vez! O que viemos fazer aqui?

Mila fingiu que não ouviu, mas ele insistiu em mais alguns comentários. Ela andou até um dos computadores da sala de segurança e derramou o liquido frio que sobrara num copo de café deixado ali por algum guarda indisciplinado. O soro negro escorreu pela mesa de controle, causando faíscas. As telas de monitoramento começaram a chuviscar. Apanhou um microfone e enfiou o cabo de ligação na mesa faiscante. Zed teve a impressão de que ela tomara choque elétrico.

— Brownwell Park, 2334, é um armazém de peças de carro - sussurrou. O rosto de Zed cresceu em interrogação; sua paciência estava se esgotando.

Ele se sentou em uma cadeira, e sacou a arma. Girou duas vezes entre os dedos, conferiu alguma coisa, e deitou-a sobre a mesa no meio da sala. Levou um cigarro à boca, e começou a estudar Mila calmamente.

— O que está fazendo? Eles vão nos encontrar! O guarda vai entrar pela porta em um instante...

Zed sorriu. Girou o cigarro entre os lábios, e tirou do caminho uma mecha que tampava a visão de seu olho direito. Calmamente, sacou o isqueiro — um raríssimo Ronson Blueberry da época da segunda guerra mundial — e o fez funcionar, tampando a faísca com a outra mão. Deu uma tragada lenta, e soltou a fumaça pelas narinas. Parecia cada vez mais com um ator de filmes Noir.

— Eu cansei de seu jogo, Mila. Tentei ser bonzinho com você, tentei mesmo. Eu não sou o idiota que você deve pensar.

— Você não está entendendo, isso não deveria estar... — os olhos de Mila ficaram enevoados, e ela pareceu perder contato com a realidade por alguns instantes.

— E lá vai você de novo. O plano deu errado, e agora você vai fazer alguma coisa sem sentido para que ele volte ao rumo em... três... dois... um...

Mila jogou o copo de café do lado da porta. Um guarda truculento entrou correndo, com a arma em mãos.

— Mas quem por... — e escorregou no copo, caindo de cabeça no chão. Estava inconsciente.

Mila respirava forte, como se tivesse acordado de um pesadelo. Era como se tivesse perdido todas as palavras.

— Mocinha, agora é a hora de a gente conversar. Se você for prestativa, nosso amigo dorminhoco nem vai entender o que aconteceu. Por que estamos aqui?

— Eu não... eu não sei. — Mila engoliu seco; as coisas pareciam estar saindo de controle — eu não consigo mais controlar. Eu só estou tentando ajudar!

Zed mastigou o filtro do cigarro, e deixou-o pender pelo canto da boca. Não parecia satisfeito. Olhou para o relógio.

— O turno deve acabar em mais uns minutos, e ai o próximo guarda vai chegar... e não estamos vendo nenhum outro copo de café por aqui, estamos?

— Algo ruim... algo muito ruim vai acontecer. Eu não sei o que é, mas... eu... nós podemos impedir, se fizermos direito.

— Minha paciência tem limites, moça. Por que você está invadindo a MaxCorp, e o que eu tenho a ver com isso? — Zed andou até o guarda caído, e começou a revistá-lo.

— O laboratório do quadragésimo oitavo andar... eu... preciso chegar lá, mas não vou conseguir sozinha. Você tem que me ajudar. Se eu não fizer isso, muitas pessoas vão morrer.

Zed tirou alguma coisa da cintura do guarda. Levantou-se, e foi até Mila. Acariciou o rosto da garota com as costas da mão, e sorriu.

— Pronto, vamos. Eu só queria o cartão de acesso do rapaz aqui.

Mila ficou confusa.

— Quer dizer que você só estava..? — ela parecia brava.

Ele riu. Guardou o cartão no bolso, e foi andando. Deu um belo chute na cabeça do guarda, para garantir que ele não acordasse nas próximas horas.

— Eu o vi chegando quando entrei, havia tirado o comunicador para falar no telefone com uma mulher. Eu sabia que ele não ia chamar reforços. Além disso, eu precisava testar como é que você faz seu truquezinho — Ela tentou interromper brava, mas Zed continuou falando — vamos andando, antes que descubram esse aqui.

Saíram pela porta dos fundos, e correram até a escadaria. Vinte minutos depois, estavam os dois no quadragésimo oitavo andar do MaxCorp Silver Tower. O prédio tinha esse nome por parecer ser de uma única peça de vidro espelhado com um tom levemente metálico. Zed acenava para os trabalhadores do escritório, que sorriam em resposta, como se fosse mais um da turma. Ele se divertiu inventando uma história sobre ser do setor de corte de verbas, e fofocou sobre o caso que o fictício Lenny do Recursos Humanos tinha com a secretária gorda do nono andar. Pararam ao se deparar com a ameaçadora imagem dos seguranças da porta dupla no final do corredor.
Zed tentou adivinhar quais seriam as armas que os truculentos homens guardavam sob o uniforme. O negro com nariz achatado tinha cara de uma P-85 Mark II, enquanto o careca com queixo duplo com absoluta certeza portava uma daquelas Colt Double Eagle. Fora isso, havia quatro câmeras panorâmicas e as duas secretárias na recepção ao lado. Ele conhecia bem esses sistemas de segurança, e pensou consigo mesmo que havia acertado em ter se tornado um negociador de risco — nome pelo qual se referia a toda classe de profissionais do jogo, golpistas, banqueiros, e o resto da malandragem formalizada — e não um ladrãozinho qualquer.
Mila o puxou para uma sala. No instante seguinte, a porta dupla da diretoria se abriu, e Zed teve um vislumbre rápido do figurão que era Maximillian Maxwell II, oitavo homem mais rico do mundo, personalidade do ano da Times e rei da filantropia na América. Como da maior parte da população, a opinião de Zed sobre ele era favorável; o homem havia ajudado o mundo a se reconstruir depois de duas crises, havia criado a primeira força policial com capacidade super-humana, e mais um monte de coisas. Claro, houve aquela vez que tiraram todos os remédios da MaxMed de circulação, mas ninguém parecia se lembrar disso.

Mila andou pela sala. Era um laboratório branco-azulado, cheio de geladeiras em miniatura. O lugar cheirava a hospital. Ela abriu uma das portinhas na parede e tomou um saco plástico. Havia um frasco de vidro cheio de um liquido amarelado, mas ela não se deu ao trabalho de olhar. Andou até o final da sala, abrindo sem ver todas as portas disponíveis. No final, abriu uma gaveta e tirou de lá uma ampola vazia. Zed teve a impressão de que a moça fosse uma experiência mal-sucedida de algum cientista louco, e agora estava se voltando contra o criador.

— Zed, preste atenção. Convença os seguranças para que nos deixem entrar na sala do final do corredor.

— Mas ein? Isso é suicídio! Será que não tem nenhum copo de café vazio por aqui?

Mila não respondeu; empurrou Zed com o peso de seu corpo, e o rapaz saiu pela porta, quase batendo de frente com uma parede. Os seguranças trocaram olhares, e o careca foi na direção do rapaz.

— Eu posso ver sua identificação? Eu não acho que tenha te visto aqui dentro antes. — O homem tinha quase dois metros de altura, e com certeza tinha músculos o suficiente para quebrar Zed ao meio sem muito esforço.

Zed tremeu um pouco. Pensou em sacar a arma e acabar com tudo ali mesmo, mas não teve coragem. Leu o nome do segurança no crachá. "Terrance Walker". Era possível sentir a antipatia do brutamontes no ar, e Zed podia dizer facilmente que bastaria uma palavra errada para que fosse parar na delegacia local, na melhor das hipóteses.

— E então? Vai mostrar ou não?

Zed sacou o cartão que havia tirado do guarda. O segurança precisaria estar bêbado para acreditar que era ele na foto. Mostrou-a.

— Ahn... Terry, Terry, você não se lembra de mim? Nós conversamos no elevador, eu te recomendei apostar nos Giants, lembra?

— Em primeiro lugar — o careca segurou o colarinho de Zed — eu sou de Ohio, os Giants são para perdedores. E em segundo lugar — prensou o pobre rapaz com toda a força na parede — é Sr. Walker para você! Agora me diz, que porra você está fazendo aqui, ou eu estouro seus miolos, seu merdinha!

O negro sacou a arma. Era realmente uma Mark II, mas com silenciador. Zed quase sorriu, pensando que tipo de idiota colocaria um silenciador numa Mark II, mas teve a impressão que não seria o melhor comentário a se fazer naquele momento.

— Olha-ugh, olha, eu só preciso entrar ali um-uhg um m-minuto só, vocês... v-vocês podem até fazer um intervalo, que tal? — Zed nesse momento esperava que Mila tivesse encontrado todo o estoque de copos de café do prédio, para tirá-lo dessa confusão. A mão do careca pesava uma tonelada.

Zed tentou alcançar sua arma, mas sentiu que ela não estava mais onde deveria. Sabia que não teria tempo para nenhuma brincadeira. O careca gritava com ele. As secretárias saíram correndo e se esconderam dentro de alguma sala fora do campo de visão.

— Me deixem em paz! — Zed gritou, perdendo todo o ar que tinha acumulado. Sua voz ecoou pela sala, e pareceu ter um poder descomunal.

— Perdão, senhor, perdão! — gritaram os guardas.

Os dois saíram correndo, assustados. O negro tropeçou e foi se arrastando até o final do corredor. Zed ficou parado por alguns instantes, tentando entender o que havia acontecido. Talvez tivesse ficado parado lá pelo resto do dia, se Mila não saísse pela porta e o puxasse. Entraram na sala de porta dupla sem falar uma palavra. Então, Zed explodiu.

— Você quer me matar, sua desgraçada? Aqueles filhos da puta quase fizeram picadinho de Zed! Ou você fala, ou vai tomar uma bala do meio da testa!— Estava já com a arma apontada para a menina, e seu coração batia tão rápido que fazia as costelas vibrar.

— Se não tivesse demorado tanto para usar seu dom, poderia ter evitado tudo isso. — Mila foi andando calmamente na direção de um notebook que estava em cima da mesa de reuniões.

— Que porra é essa, Dom? Do que diabos você está falando? — Zed ainda estava com a arma apontada, mas já não tinha certeza de que iria atirar.

Mila digitou alguma coisa, e só respondeu para Zed quando ele ameaçou ficar histérico.

— Seu dom, sua habilidade especial... — parou um instante, e seus olhos ficaram vazios por alguns segundos — Ah, não! Você não sabia?

— Do que você está falando, moça? Eu não estou entendendo nada, droga!

— Você tem um dom, como o meu... eu achei que você já soubesse, foi um engano! Eu nunca teria...

A porta se abriu num golpe forte. Meia dúzia de homens bem armados entrou no lugar, gritando e berrando. Pareciam estar vestidos para a guerra, com uma armadura cinza e capacetes. Em um instante, cercaram Zed e Mila. O líder deles tinha um bigode farto por trás do vidro da mascara, e sua voz era muito grave, mais ainda quando gritava.

— Muito bem, os dois, pro chão!

Zed olhou nervoso para Mila. A menina parecia calma, mas os olhos dela haviam se perdido no tom acinzentado. O céu já estava escuro, e a janela gigantesca na sala de reuniões dava uma visão bem clara de que os dois não tinham saída.
O som de um disparo assustou as secretárias que estavam escondidas na cozinha do andar. Havia começado.

Um comentário:

K disse...

Ainda falta uns dois ou três pedaços nesse quebra-cabeça, maas muita coisa já dá pra deduzir. O que quero descobrir é o que esse maluco REALMENTE faz da vida como golpista, pra conhecer a fama do Claude.