Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Dia das Crianças

Londres, nos arredores rurais da cidade, os cidadãos pacíficamente seguiam suas vidas enquanto os termômetros acusavam 30 graus. Era uma tarde ensolarada de Junho e os céus eram de um azul esplandecente ornamentados por um enorme e brilhante ponto amarelo e por calmas e multiformes nuvens brancas. Súbito, como um relâmpago silencioso de luz branca, um risco formou-se nos céus, rompendo a tranqüila e bucólica harmonia da cena.

Algumas centenas de metros acima, voando a duzentos quilômetros por hora, gentilmente envolvido pelos braços e seios de Alisia Bryant, e protegido por um campo invisível de luz densa, estava o pequeno menino Klaus Kohler van der Nistelroy. Enquanto o cenário passava deslumbrante por seus olhos arregalados, o garoto só conseguia esboçar como reação um sorriso largo e honesto em seu rosto. Era a melhor sensação do mundo, era incrível. O vento não agredia seu rosto, nem bagunçava seus cabelos, o campo de força impedia aquilo. Só o que tinha era a magnitude máxima da sensação da gravidade em sua barriga e a vista inacreditável que o passeio proporcionava. Em poucos segundos já estavam sobrevoando a cidade, e minutos depois passavam pela costa da Irlanda. Alisia não dizia nada, apenas deixava que o menino aproveitasse a viagem e, vez ou outra, comentava sobre o nome dos lugares que estavam sobrevoando. Klaus mal podia ouvir, embasbacado pela experiência.

A cerca de 300 metros abaixo e centenas de quilômetros a Sudeste, no terraço da Nistelroy Security Technologies, Claude estava sentado no mesmo ponto em que dissera até logo a Klaus e vira Sunshine desaparecer com ele nos céus. Pelo comunicador, podia ver e ouvir tudo pelo ângulo de Sunshine. Ela era fabulosa. Havia telefonado para o prédio das Nações Unidas no dia anterior perguntando se ela poderia lhe fazer um favor. Nove da manhã, ela chegou no terraço exatamente às nove da manhã, e nem era britânica. Dos últimos Dias das Crianças, Klaus estava mais empolgado com aquele. Por algum motivo, a idéia de voar o fascinava. Claude tinha medo daquilo, torcia sinceramente para que ele se tornasse piloto de caças, algo muito mais seguro do que a outra possibilidade. Sete anos e ainda não conseguia se sentir completamente pronto como pai. Tinha uma tarefa no mundo, um ideal pelo qual lutar, mas não conseguia – e sabia que não devia – deixar de lado suas responsabilidades paternas.

Em meio a divagações, o inglês notou pelo visor que eles já estavam se aproximando do prédio. Olhou para o relógio, tinha pedido uma hora e ela já estava no ar com Klaus a quase duas. Viu com o olho esquerdo o terraço do prédio se aproximando da visão de Sunshine, enquanto o olho direito via um facho de luz vindo em sua direção. A meio metro do chão, ela desacelerou e ambos pousaram suavemente, Alisia colocando o pequeno Klaus no chão. Em meio a inúmeros pedidos de bis do menino, Claude agradeceu a Alisia pela gentileza. Após dar um beijo no rosto de ambos e dizer que não foi nada, ela partiu novamente nos céus, dizendo que precisava voltar para a ONU.

"Ela é legal" deixou escapar, enquanto se aproximava instintivamente das pernas do pai. Claude assentiu com a cabeça. Era estranho, ou nem tanto, mas ele confiava em Alisia, Nicholas e Gunther o bastante para entregar-lhes nas mãos a vida de seu próprio filho, a coisa mais importante que tinha.

Caminharam pela cidade, Klaus queria comer porcariadas e comprar quadrinhos. Na banca de jornais do shopping, enquanto escolhia as revistas, Klaus observava silencioso seu pai sentado na mesa da cafeteria ao lado. Sabia que ele não era como as outras pessoas, pelo menos não como a maioria. Ele podia fazer coisas diferentes, podia ir rápido de um lugar a outro sem que ninguém visse. Ele nunca se machucava, nunca ficava doente como os pais de seus amigos. Olhou para a revista em suas mãos. Na capa, um herói impedia um trem. Sabia quem era aquele herói, seu pai já havia lhe dito. Conhecia mais da metade dos super-heróis de verdade do mundo. Adorava, muito mais do que ler quadrinhos, de ouvir seu pai contar-lhe as histórias dele e de seus amigos. Nunca contara isso, mas seu personagem favorito era Impacto, e não seu pai. Gostava dele, mas não achava que ser rápido era tão legal quanto ser forte.

Pegou as revistas e deu o dinheiro ao jornaleiro. Contou o troco e guardou, organizadamente, em sua carteira. Notou que o jornaleiro o olhou admirado. Era um menino que aparentava nove anos, mas era muito mais inteligente que seus amigos, sabia disso. Na escola, se esforçava para não chamar tanto a atenção, afinal era extremamente tímido e falava muito pouco com qualquer um que não fosse seu pai. Mesmo assim tinha as melhores notas da classe e era um aluno prodígio nas aulas de ginástica. Achava que, assim como seu pai era diferente dos outros, ele também devia ser. Lembrava que uma vez havia perguntado a seu pai se ele também ia ter super-poderes. Ele desconversou, dizendo que estudar e ter conhecimento era o maior poder que existia. Não acreditava mesmo naquilo, preferiria mil vezes ter super-força. Sabia que Claude o queria um estudioso, mas tinha outros planos para si. Mesmo que não ganhasse super-poderes, sabia que era rápido e esperto, e queria ser um grande ladrão como seu pai era antes de ser herói. Deteve seu pensamento ao lembrar-se da interminável e severa bronca seguida de castigo que seu pai lhe aplicara da última vez que falou disso. Decidira então não falar mais, mas sem desistir, absolutamente, da idéia. Victoria tinha reagido melhor, até o ensinou como abrir cadeados e trancas simples, mas advertindo para que nunca fizesse aquilo em casa. Aprendera também com ela que o grande ladrão é aquele que não deixa pistas. Ainda tentava entender direito aquilo.

Sentou-se à mesa junto de seu pai. Colocou as revistas ao lado da xícara de café e pediu um refrigerante. Claude pediu a bebida ao garçom e pediu para que Klaus fechasse os olhos e abrisse as mãos. O garoto atendeu ao pedido e Claude colocou em suas mãos um pequeno microchip de silício e ouro.

"O que é isso?" perguntou o menino, olhando um tanto desinteressado para a peça. Claude respondeu que era um microchip como todos os outros milhares que tinha na oficina da Nistelroy, mas que esse tinha um detalhe diferente. Veio do futuro de outra dimensão. Havia tirado das peças que trouxera da base futurista da Extreme. Era um chip ordinário, um dos poucos do aparelho que podia ser substituído por tecnologia da Terra atual. Mas, no momento em que Klaus ouvira sobre a origem do objeto, o mesmo ganhou um aspecto completamente novo e misterioso. Era de outra dimensão.

Todo ano era assim. Klaus sabia todo ano que aquilo aconteceria. Seu pai nunca o levava a parques ou circos no Dia das Crianças. Esse lugares Klaus freqüentava sempre que queria, seu pai sempre o ensinara a cuidar e administrar o próprio dinheiro. O Dia das Crianças era algo que todo ano era especial. Depois, iam fazer compras e seu pai sempre lhe dava algo diferente de tudo, que o dinheiro nunca podia comprar. Dizia que era justamente para que ele entendesse que nem todas as coisas do mundo estavam à venda. Os amigos, por exemplo, ele dizia. No ano passado Klaus conheceu o fundo do mar junto de seu tio Nicholas. Tio Nicholas, tio Gunther, tia Alisia. Não tinha tios de verdade, sabia daquilo, mas sabia que aquelas pessoas eram os que seu pai considerava como família. Sabia que nenhuma outra criança do mundo tinha Dias das Crianças como aqueles, e imaginava que fosse o jeito de seu pai para compensar o tempo fora de casa, o fato de nunca poder chamar amigos para brincar em casa, ou o fato de que casa para ele era uma base subterrânea servida por sistemas computadorizados. Sabia que era assim sua vida, e que era assim que tinha que ser. Não podia contar a ninguém sobre seus Dias das Crianças, sobre como seu pai salvou o mundo naquela semana, sobre a Melon Soda que só vende no Japão e que seu pai trazia todo dia. Quando as aulas voltavam, sabia que, enquanto as outras crianças inventavam coisas extraordinárias que não haviam acontecido para suas redações de "Minhas Férias", ele teria que inventar quatro semanas de histórias chatas e sem graça, porque absolutamente não podia contar o que havia acontecido de verdade. Primeiro porque não acreditariam, segundo porque não precisava da redação para saber que o seu havia sido o melhor dos Dias das Crianças.

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