Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

The Adorable Cricket - Parte X - Final

Quando finalmente se acostumou com a luz, a Salteadora ficou realmente assustada. Estava cercada de super-heróis, ou, mais precisamente, dúzias de posters e action-figures de super-heróis. Tentou se levantar, mas uma dor enorme nas costas decidiu que não era uma opção viável.

"Olha só! Acordou a Cinderela!" falou Josh. Girou a cadeira para se acomodar melhor e fechou o notebook. "Como está se sentindo?"

O rosto da menina apresentava um misto das expressões não-consigo-coçar-aquele-cantinho-costas e da famosa quem-é-você-e-onde-estou. "Quem é você? Onde estou?" Ela tentou mover os braços, mas além da dor, eles estavam sob toneladas de cobertores quentinhos, e algo dizia que seria melhor se manter aquecida. E algo lhe dizia que o rapaz não tinha assistido filmes da Disney o suficiente para saber quem era Cinderela.

"Eu sou um amigo do Carismático Cricket! Ele te trouxe aqui e disse para te tratar bem. Você está no meu quarto, eu até limpei as coisas, não é sempre que uma garota bonita vem aqui." Ela corou, mas provavelmente foi mais raiva que qualquer outra coisa. "E você se machucou muito, os médicos disseram que vai ficar de cama por um bom tempo..."

"Médicos? Não, eu... eu preciso sair daqui!" Disse ela, tentando se levantar novamente e quase gritando com o esforço. "Droga, você não entende, os médicos não podem me examinar, eles vão..."

"O Precavido Cricket me disse que pensou nisso quanto te trouxe pra cá. Ele só te levou para o hospital por causa dos ferimentos, mas assim que os médicos disseram que estava estável, ele fugiu com você do lugar." Josh sorria como um gato, se gatos pudessem sorrir. "Mas você deve estar com fome! Quer que eu faça uma sopa?"

"Olha, eu agradeço o que você está fazendo, mas eu não posso ficar aqui! Você não entende, eu..." ela estava realmente preocupada com o fato de não poder se mover.

"Bom, vou trazer uma sopinha então." Josh saiu do quarto.

Os minutos seguintes foram tentativas frustradas de se levantar, constatação de que não conseguia sentir as pernas e o incomodo cheiro de xampu estranho em seus cabelos. Finalmente, seu corpo começou a responder aos estímulos. Sentiu uma dor horrível quando sua espinha começou a apresentar sinais de melhora, mas era assim que tinha que ser. Sentiu-se feliz quando sentiu que os pés estavam quentinhos.

Por fim, Josh entrou no quarto com um prato de sopa quente e um copo d'água. Teria trazido um suco ou refrigerante, mas não sabia o que a menina gostava. "Aqui, uma sopinha bem sonsa. Você não é alérgica a batatas, é?"

Ela sorriu. Josh se sentou do lado da cama e colocou gentilmente um guardanapo sobre o cobertor. Ele com certeza teria dado sopa na boca dela, não fosse pelo fato da menina ter cambaleado pela cama e, num movimento rápido, estar segurando ele contra a parede, apoiando o braço em seu pescoço.

"S-se você não g-gosta de batatas - ufff - eu também tenho pizza!" Disse Josh, tentando se manter respirando. Ela não apertou forte o suficiente para machucá-lo de verdade, mas a menina era muito mais forte do que aparentava. Do tipo de força que arranca do chão um homem crescido e o arremessa metros adiante.

"Chega de brincadeiras! Onde eu estou?" Ela apertou um pouquinho mais. Josh pensou que até poderia sair, mas não era uma boa idéia destruir o quarto para algo tão besta.

"Newark - coff - N-newark! Dá pra pegar o trem pra New York daqui, não é nem meia hora!" Ele colocou as mãos no braço dela, tentando empurrá-la, mas não fez muita força. "Você - arff - v-você não faria a gentileza..."

"O que?" Ela então notou que o rapaz estava vermelho, e o soltou. Ela corou, envergonhada, por alguns segundos. "Desculpe-me, não sei o que deu em mim. Mas quem é você, afinal?"

Ele retomou a respiração e esperou um pouco antes de falar, como se estivesse tomando fôlego. "Eu me chamo Josh, sou amigo do Memorável Cricket, já disse." Respirou mais um pouco. "Ele disse que você havia se ferido e que não podia deixá-la no hospital, então pediu para que eu cuidasse de você!"

Ela pensou alguns instantes. Sentou-se na cama, como se soubesse que pudesse confiar em Josh. Ele a achava bem atraente; cabelos dourados, olhos azuis e corpo atlético. Usava aparelho, era verdade, mas não se importava.

"Que horas são?"

"Umas duas e meia."

"Então eu fiquei apagada por quase meio dia. Parece que tomei uma surra... quer dizer..."

"Um dia e meio. Hoje é domingo."

"Que?" Ela pulou novamente, e ele se protegeu instintivamente com os braços. "Não, eu não acredito! Meus pais vão me matar! Eu tenho que ir embora!"

"Eu posso te dar uma carona, se quiser. Quero dizer, posso te acompanhar, eu não tenho carta de motorista ainda. Ou você pode telefonar!" Ele disse, pegando as coisas que havia derrubado no chão. Ela se desculpou novamente.

"Eu... não sei como agradecer, mas eu preciso ir sozinha. Eu, eu tenho que fazer umas coisas. Eu já estou bem, não precisa se preocupar." Disse ela. Na verdade, ela se sentia tão bem quanto se sente a maioria das pessoas que entra na emergência de um hospital, mas não podia esperar.

Eles comeram o resto da Pizza do outro dia e conversaram sobre o tempo. Josh emprestou roupas, mas ficaram largas. Os tênis particularmente saiam dos pés. Era estranho estar vestindo as roupas de um menino, mas ela procurou não pensar nisso. Ele a acompanhou até a estação de trem comprou a passagem e deu-lhe o dinheiro para o ônibus.

"O Confiável Cricket disse para você esperar ele hoje à noite, onde se encontraram da outra vez. Ele está com suas coisas, acho que vai ficar contente em poder devolvê-las." Disse Josh.

Ela sorriu. Ficaram se olhando por alguns segundos, até o trem apitar. Ela então deu um passo à frente e deu-lhe um beijo rápido nos lábios. "Obrigado por tudo!" disse, e entrou no carro sem olhar para trás e partiu. Seis metros dali estava a vizinha Sally, que havia seguido o casal, querendo saber quem era a garota estranha que estava com Josh. Ela saiu correndo chorando antes que Josh pudesse notar sua presença. Alias, Josh não notou nada por uns bons três minutos.

...

Naquela noite, Cricket estava esperando. Estava no topo da torre da antena, comendo um cachorro quente com cebolas e mostarda, típica iguaria da Grande Maçã. Perdeu-se nos pensamentos (e na música em volume absurdo que tocava em seu iPod).

"Desculpe o atraso" disse ela "Fiquei presa no transito". Cricket se assustou novamente e caiu da torre de metal. A Salteadora pulou na mesma direção.

"Ah, oi! O Preocupado Cricket adoraria saber se está tudo bem com você." Ele se levantou e limpou a roupa. Por sorte, os poderes (e a experiência em cair de lugares altos) permitiram que ele não se machucasse.

"O que você queria falar comigo?" ela disse, meio desconfiada.

Cricket saltou novamente na torre; a menina se assustou um pouco. Ele caiu uns segundos depois, segurando uma sacola. "Aqui, suas coisas. Eu costurei o uniforme, se não se importa."

"Eu... obrigada". Ela pegou. Mexeu nas coisas e notou que a bolsa ainda estava lá, com as coisas que tinha pegado. "Você... por que você..."

"Precisamos confiar uns nos outros se queremos sair vivos nessa linha de trabalho. O Informado Cricket sabe sobre os remédios. Não geram dependência, não são alucinógenos. São perigosos, no entanto. O Preocupado Cricket acha que você deveria contar a verdade." Ele estava sério.

Ela se sentou no parapeito do prédio. Cricket a acompanhou. A cidade parecia um oceano de pequenas luzes. "Você está certo. Seu sei que é pedir de mais para confiar em mim, mas... bem, eu vou contar tudo, desde o começo."

E contou. Cricket podia sentir a sinceridade nas palavras. Pensou que Cricket & Salteadora realmente não sairia tão ruim nos jornais. Bem, eles pelo menos poderiam se aliar quando ele viesse para Manhattan, não é mesmo?

The Naïve Cricket - Parte IX

Entrar numa sala de emergência com uma garota ferida nos braços seria uma cena de filme, não fosse pelo fato de ambos estarem fantasiados. O mais incrível é a estranha capacidade dos médicos plantonistas ignorarem todos os detalhes estranhos e prepararem imediatamente uma sala de cirurgia.

"Estavamos saindo de um baile a fantasias" disse Josh ao policial "Ai quatro ou cinco caras nos cercaram, queriam o dinheiro... ah seu guarda, eu não consigo me concentrar, eu estava assustado"

O policial assentiu com um sorriso. "Meu bom garoto, você é corajoso de mais. Todo ferido, ainda trouxe a namorada nos braços. Com certeza vamos pegar esse vândalos, a polícia vai fazer o possível!" e saiu do quarto.

Josh estava com várias bandagens, cortes costurados e recebia uma transfusão de sangue. Ainda era três da manhã, e esperava notícias da Salteadora. Além de inventar umas bobagens para manter os policiais ocupados, era só fazer o papel de garoto assustado de mais para entender qualquer coisa e não fariam perguntas.

Não era a primeira vez que teve de ser costurado. Falando a verdade, era a quarta só esse mês. Por alguma sorte, seus ferimentos se cicatrizavam muito mais rápidamente que o das pessoas comuns. Na outra semana, havia tomado um tiro no ombro; hoje não havia nem cicatriz. Sabia que tinha que ser rápido e sair pela janela assim que estivesse se sentindo melhor, mas não podia deixar a Salteadora sozinha. Ele precisava ver ela, precisava falar com ela. Não queria que ela... não podia deixar que morresse sozinha. Os ferimentos dela eram muito graves, disseram os médicos.

"Senhor Parker... Parker Kent, é você? Sua namorada está estabilizada. Foi um milagre cirurgico, eu ainda não entendo o que aconteceu. O ferimento desviou dos orgãos vitais, não houve sangramento interno, ela realmente foi abençoada!" disse um médico ainda com marcas de sangue na roupa.

Josh quase pulou da cama. Depois, conversou com o médico. Sua namorada, "Mary Lane", estaria livre do hospital em uma semana, apesar de provavelmente permanecer esse período inconsciente. Provavelmente teria de fazer muita fisioterapia, pois a ponta da flecha raspou na espinha; teria dificuldades para se mover por meses. Mas apesar disso, estava estabilizada e não corria risco de vida.

Claro que Josh já estava pensando adiante. Ele havia visto a menina tomar o disparo, e era impossível que a flecha tivesse desviado de qualquer orgão vital. A solução lógica era que ela, assim como ele, se curasse mais rápidamente que pessoas comuns. E claro, isso trazia uma nova série de problemas. O que os médicos diriam quando ela começasse a se recuperar milagrosamente, apesar do acompanhamento próximo? Será que lembrariam que eles entraram no hospital vestidos de super-heróis?

Cricket não pensou nisso por algum tempo. Pelo menos não até o trem parar na estação final em Newark. Incrível como as pessoas não notam uma menina inconsciente com roupas de hospital às cinco da manha num trem que vai contra o fluxo.

The Instable Cricket - Parte VIII

A vantagem que super-poderes dão em uma briga é assunto para lendas. Para Cricket, era como se o mundo fosse feito de papel e se movesse em câmera lenta. Nunca havia lutado assim antes, movido apenas pelos instintos. Os anos de Kung Fu haviam apagado esse seu lado, acreditava. De certa forma, era louvavel como mesmo em fúria, seus golpes mantivessem todas as características do estilo.

O Alvejador ainda sim era um adversário bem mais que digno. Estava com quatro costelas quebradas, parcialmente surdo e com o ombro deslocado. Ainda sim, havia enfiado vários dardos e lâminas no adversário, e não parecia nem um pouco interessado em parar. "Aceite, garoto, você vai sangrar até morrer, não importa o quão violento você seja sobre isso." Parecia manter a confiança, da forma que fazem os profissionais diante de um problema que já resolveram mil vezes. "São os fatos!"

Cricket não respondeu. Na verdade, nem escutou, nem sentiu as feridas em seu corpo escorrendo sangue. Manteve-se avançando, mesmo sabendo que tal atitude taurina não seria nem um pouco saudável. A única coisa que podia pensar era que alguém havia sacrificado a própria vida pela sua, e que não era uma troca justa.

"Você não tem chances de vencer, já está fraquejando. Nem com toda a força e velocidade do mundo você vai -" mas o Alvejador teve que parar de falar. Exige extrema perícia para se falar com o maxilar quebrado, e essa era uma das habilidades que ele nunca havia tido tempo de treinar. Cricket aproveitou o silêncio oportuno para desferir mais um golpe, arremessando o vilão na parede metálica do barco.

"Você já era! Eu vou quebrar você de um modo que você nunca mais consiga jogar nada! Nem video-poker!" E chutou o vilão no estomago. O Alvejador era profissional o suficiente para saber que agora tinha cinco costelas quebradas, e mais duas trincadas.

Cricket olhou com furia para o inimigo caido e cerrou os punhos. Seria extremamente fácil esmagar o crânio desse monstro, nem a mãe dele iria sentir falta. Tremeu as mãos, ameaçou, mas não conseguiu. Não conseguiu desferir um golpe fatal.

"Egah ixda dida..." apontou o Alvejador, ainda fortemente abalado pelo impacto.

"O que?" Cricket parecia reconsiderar o golpe fatal.

"Eua... a meinha... a medina... eua izda ziza" apontou novamente. "Zi voze gorrer vode zaubar a ziza deia..." o Alvejador parecia ter encontrado uma forma de permanecer vivo.

Cricket olhou para trás. A Salteadora estava encostava numa estante, sangrando. Parecia se mover, se tivesse tentado arrancar a flecha do peito e desistido. Gemia levemente.

Foi o suficiente para o garoto sai correndo. Agarrou-a nos braços e sorriu. Saltou pela abertura no teto e avançou pelos prédios da cidade em direção à um hospital. A vantagem que super-poderes dão em assuntos de vida ou morte também é assunto de lendas.

The Lone Cricket - Parte VII

A Salteadora lutava com a graça de um rinoceronte míope numa loja de cristais, notou o Perceptivo Cricket. A menina batia com a confiança de um caminhão cargueiro nos pobres bandidos desalmados, num ritmo que dava um pouco de dó.

Diferente de Cricket, ela preferia atacar pelas sombras. Subia pelos caixotes do porto e caia com os pés no peito dos pobres infelizes que haviam feito pobres escolhas vocacionais como se fosse feita de pedra. O interessante é que era tão ágil que poderia ser usada como parâmetro para imaginar o que aconteceria de Bruce Lee usasse Crack, caso Bruce Lee lutasse como uma menina nervosa. Na verdade, era a total falta de técnica aliada aos movimentos rápidos e de força extrema que faziam que Josh prestasse mais atenção nela do que na luta.

Cricket, por outro lado, era instrutor honorário de Kung Fu, estilo do Louva-Deus. Seus golpes, aliados com todo aquele Parkour que aprendera e ao uniforme davam a impressão de se estar lutando contra um grilo gigante e tagarela. "O Moralista Cricket vai fazer uma palestra sobre armas de fogo..." E distribuiu uma dúzia de golpes em um dos homens. "... no auditório da penitenciaria estadual!". Chutou numa pirueta o último dos homens, e sorriu. "Bem, bem, Salteadora! Parece que formamos uma bela dupla, você e o Amigável Cricket!".

Não houve resposta.

Cricket tentou senti-la com o Sentido-Cricket, mas havia simplesmente sumido. Fez silêncio (inclusive chutando um dos homens que estava gemendo no chão) e tentou se concentrar. Talvez por isso, ainda esteja respirando.

Uma seta do tamanho de um lápis 02 cortou o ar, e Cricket teve menos de uma fração de segundo para tirar seu corpo da reta; a seta quicou por entre as caixas e retornou, mas Josh conseguiu evitar o disparo saltando uma dúzia de metros para cima. Isso deu tempo para encontrar seu agressor, que estava parado no telhado do armazém onde ele e a Salteadora estavam momentos antes.

"Agora fique parado ai, que vai ser só uma picadinha, não vai doer nada!" O Alvejador era um homem mais alto e forte do que parecia nas fotos de seu site. O uniforme, no entanto, era mais feio. Preto e amarelo, numa seqüência de alvos desenhados. Usava óculos amarelos (o Plagiavel Cricket sentiu-se ofendido) e possuía uma quantidade enorme de armas à distância penduradas pelo corpo, das quais um enorme arco de caça era o menos discreto. "E pode escrever na lápide que foi o Alvejador."

Ficar parado não era uma das especialidades de Cricket. Ele não tinha nenhuma vocação para a coisa. Desviou com certa facilidade dos dois primeiros disparos, mas a terceira seta rasgou o kevlar leve da armadura corporal e perfurou sua coxa. "Ah! Seu f-" profanou Josh enquanto caia no chão.

"Olhe o linguajar, moleque. Eu acertei a artéria femoral com um dardo oco. Se você tentar remover, ele vai abrir a ferida. Se deixar ele ai, ele vai servir de canudo para o sangue sair. De uma forma ou de outra, você vai morrer por sangramento em três minutos." O Alvejador empunhou o enorme arco e preparou cuidadosamente uma flecha com aspecto de poucos amigos.

"É veia - hugh - seu inculto." Disse Cricket, enquanto apertava o ferimento.

"Como disse?" falou o Alvejador num tom de desinteresse.

"Veia Femoral. A - aarg - artéria femoral é do outro lado. Não teve aulas de biologia não, lá no cursinho para capangas do mal?" Cricket esperou o Alvejador demonstrar um sinal de fraqueza por um segundo, devido à provocação. Saltou imediatamente, com a maior dor do universo lembrando que havia um corpo estranho afundado em sua perna.

O Alvejador atirou uma flecha de surpresa. Uma excelente surpresa, ela atingiu em cheio a mão esquerda de Cricket, perfurando-a fora a fora. Mas Josh já estava preparado. Com toda a força do mundo, ainda no primeiro instante do pulo, bateu as canelas uma contra a outra. Um ruído enorme tomou conta do lugar, mil vezes mais estridente que giz raspando na lousa. Foi suficiente para destroçar as tábuas do cais e explodir vidraças próximas. O vilão perdeu o equilíbrio por um instante, deixando cair o arco; havia sangue saindo de seus ouvidos.

Era o tipo de distração que Cricket precisava. Não iria conseguir enfrentar o cara sozinho, não estando tão ferido. Não de frente. Dar uma surra no Morsa e seus capangas era quase que uma terapia, mas lutar com um assassino treinado não era nem um pouco divertido.

Seguiu seu instinto e entrou no navio. Podia sentir o perfume da Salteadora no ar. Amassou o cilindro de metal para evitar que mais sangue saísse de sua perna, arrancou a flecha da mão e gritou mais palavrões do que havia nos últimos dois meses combinados. Correu por entre o convés da embarcação, um cargueiro pequeno e enferrujado. Teve certeza de sentir a menina no andar de carga, e se jogou sem pensar.

A Salteadora estava lá, e mais dois homens caídos no chão. Ela estava de frente a uma das várias prateleiras de suprimentos médicos, mas fazia algo estranho. Jogava desesperadamente caixas de alguns dos medicamentos em uma bolsa que carregava por baixo do manto. Ela notou Cricket, e deixou cair vários pacotes, assustada.

"Eu posso explicar! Não é o que parece!" Ela disse, aflita.

"Não é o que parece, é? Eu quase morro pra te ajudar e você é uma ladrazinha mentirosa que só queria um palhaço pra enganar, não é isso?" Cricket estava tão furioso que estava falando em primeira pessoa. Como qualquer pessoa sensata, odiava ser enganado. Andou na direção dela num passo meio autoritário, meio coxo.

"Espere! Eu preciso desses remédios, você não entende! A minha vida é um inferno por causa dos poderes, eles são descontrolados! Se eu não me medicar eu vou enlouquecer, ou morrer!" E apesar do suplício, não parecia mais que uma ladrazinha drogada agora. Ela parecia assustada de mais para correr.

"Olhe aqui, suma da minha frente, você tem sorte de eu estar ferido! Mas da próxima vez que te ver sujando o nome de uma heroína de verdade, vou te entregar em papel de presente para a polícia!" Cricket deu um soco numa das estantes, que caiu, derrubando tudo que estava lá. O barulho de metal batendo em metal era muito forte.

Era tão forte que não ouviram quase 100 kg de mercenário cair na sala. O Alvejador ainda tinha sangue escorrendo dos ouvidos e das narinas. Não fosse o capacete especialmente projetado, Cricket estaria na mesma situação. "Bem, bem, cavalo dado não se olha os dentes. É hora de fechar a cortina!" e disparou.

A flecha cortou o ar, passando por entre uma prateleira, indo numa reta perfeita em direção ao coração de Cricket. Um a um, foi passando pelos oito metros de obstáculos que separavam o herói do vilão, estourando pacotes de remédios e zumbindo voraz. Por fim, atravessou-lhe o peito, derrubando uma linha de sangue logo atrás.

Cricket olhou assustado. Havia sangue em sua máscara. A Salteadora caiu em sua direção, segurou-a pelos ombros. Ela sussurrou bem lentamente, engasgada. "Eu n-não sou uma má p-pessoa — urhn — eu só achei que não ia f-fazer mal a n-ninguém se... se eu — ahgh — se eu... p-por favor..." e caiu pesada.

Ele a abaixou lentamente no chão e levantou-se mais furioso ainda. Ela havia se sacrificado por ele, mesmo depois do que ele dissera. Não era certo. Não podia ser assim. "Péssima jogada, cara. Péssima jogada."

The Amused Cricket - Parte VI

Saltar veloz pelos cânions de vidro-e-aço que é Manhattan? Fantástico. Transformar isso numa corrida não oficializada até o ponto mais distante da cidade? Diversão.

Cricket e Salteadora, eis um bom nome para uma dupla. Salteadora, pensou Josh, dava um nome bem razoável para uma ajudante. Ela teria de mudar o uniforme, com certeza: cinza-e-preto não combinavam com heroísmo. Faltava-lhe verde, que é uma cor bem mais nobre.

Queria ter conversado com ela durante o trajeto, mas se deslocavam de modos diferentes. Ele era do tipo que saltava feito um inseto, o que era de se esperar. Ela corria pelos parapeitos e atingia os terraços por pouco. Todo esse pensamento fez com que ele continuasse avançando, até, minutos depois, notar que já havia passado do porto. Retornou meio envergonhado, encontrando-a no telhado do armazém B-29, que ficava convenientemente no canto mais mal iluminado e isolado das docas.

"Ali embaixo, perto daquela barca enferrujada. Contei oito homens, mas nem sinal do Alvejador." Ela então olhou para os capangas, uns dez metros adiante. "Você sempre se perde assim?" Soltou, enquanto guardava um par de binóculos pequenos.

"Você sempre grita quanto pula?" disse o Afiado Cricket, enquanto discretamente alargava a roupa em regiões mais intimas. Arrependia-se da idéia idiota de usar roupas justas, que por mais que ficasse legal nas fotos, são frias, desconfortáveis e sempre te lembram se você comeu mais do que devia nos últimos dias.

"Em primeiro lugar, eu assustei por que eu escorreguei... umas vezes. E depois, o que tem de mais em gritar? Eu sou menina!" Cricket sabia que nessa hora, faltavam também sobrancelhas na máscara da Salteadora. "Preste atenção, aqueles caras estão armados. Aposto que tem mais deles por ai, e não vai demorar pra perceberem que estamos aqui! Vamos primeiro procurar os medicamentos, e ai vamos limpar a área pra polícia, entendido?"

Cricket colocou as mãos nas anteninhas no uniforme. Nem eram enfeites, mas potentes antenas de rádio que garantiam que estivesse sempre sintonizado com o canal da polícia, e que não perdesse o horário de piadas no final da tarde, entre outras coisas. Mas o uso de que ele mais se orgulhava eram os "Grilos no Sinal", um gerador de interferência num raio de 20 metros, por pelo menos dez minutos (ou menos, não lembrava se as baterias estavam recarregadas).

"O Atento Cricket está ciente do plano, mas gostaria de ter sua parte do acordo cumprida." Disse ele, ganhando tempo para analisar o ambiente com seu Sentido-Cricket.

"O quê? Não está vendo que estamos num ninho de cobras?" Talvez tenha passado pela mente dela que seria uma boa idéia colocar sobrancelhas na máscara, não fosse pelo tradicional senso de ridículo tão ausente em aventureiros mascarados.

"Bem, o Justo Cricket acredita que trato é trato, certo?" Ele arrumou as lentes da mascara como quem ajusta óculos; muitas pessoas não sabem, mas lentes amarelas ajudam a ver melhor no escuro. Quando se tem tanta paciência quanto Josh, é fácil colocar ajustes focais discretos para usar como luneta ou lente de aumento, conforme a necessidade. "Qual seu sorvete favorito?"

"O quê?" ela disse, quase esquecendo de que tinha que sussurrar.

"Qual seu sorvete favorito?"

"Você não pode estar falando sério! Eles vão nos matar!"

"Qual seu sorvete favorito?" Disse ele num tom mais melódico, quase musical.

"Ah, droga. Pistache. Eu gosto de Pistache." Nessa hora, talvez nem as sobrancelhas fossem suficientes.

Ele ainda estava se concentrando nos seus super-sentidos. Parte do truque para que ele parecesse fabuloso era que as pessoas nunca soubessem quanto trabalho realmente dava alguma coisa. Enquanto a Salteadora se mantivesse ocupada, ele poderia gastar o tempo refinando o mapa mental do cais em sua mente. Claro que na condição de rapaz adolescente, ele gastou mais tempo analisando a topografia da menina que do terreno de combate. "Qual sua música favorita?"

"Ah, não, pare com isso! Não vê o quão perigosa é nossa posição?"

"Qual sua música favorita?" Cantou ele novamente.

"Ah... Sweet Home Alabama, do Lynyrd Skynyrd! Agora chega disso, vamos acabar logo com esses caras!”Ela se colocou em uma posição da qual seria mais fácil se arremessar nos pobres infelizes contratados para fazer a segurança do lugar.

"O quê aconteceu com a antiga Salteadora?" Disse ele, pronto. Havia detectado mais dois homens que ela havia deixado passar, além de dezoito ratos, vinte e cinco baratas e uma colônia de cupins.

"Como assim, eu sou a única Salteadora!" Ela demorou, no entanto, mais de dez segundos para proferir tais palavras

"Sim, bem, então eu vou indo para casa, até mais." E fez que ia pular para longe.

"Não! Ei, eu respondi! Espera ai!"

"Mas não respondeu sinceramente, não é? Meu sentido Cricket sabe quando uma pessoa está mentindo", disse ele, quando seria mais fácil dizer que ela não parecia nada com a menina nas fotos.

"Ai, droga. Eu não posso contar! Eu prometi!" Ela parecia um pouco aflita com o fato de oito homens armados ainda não terem notado a presença dos dois tagarelas.

"Bem, se vai ser assim, o Decepcionado Cricket vai voltar para casa, afinal o Trabalhador Cricket tem que acordar cedo para salvar o dia..." E se ela caísse nesse truque, ela com certeza era a maior crédula da face da terra. Na verdade, ele já havia decidido que ia ficar no momento em que ela mandou bem no sorvete. Pistache é verde, e nada verde pode ser completamente ruim.

"Droga, ta bom. Eu... ela... ai, ai, droga, ela..." e ficou uns bons segundos balbuciando. "Ela morreu, está satisfeito? Ela era minha amiga, e morreu. Eu achei que o melhor que eu podia fazer era tomar o lugar dela." Parecia triste enquanto falava, chegando a engolir o choro.

Cricket colocou a mão no rosto dela (ou na máscara por baixo do manto) e sorriu. Não ligava se a menina tivesse demorado tanto tempo para inventar uma desculpa, nem do fato de não acreditar nela. Ela parecia realmente disposta para salvar o dia, e isso era o que importava.

"Bem, então, vamos lá. Você pega o da direita."

Ela olhou para ele, se recompondo. "Como assim, o da direita?"

Ele não respondeu. Na verdade, saltou duzentos metros para cima, caindo no meio dos homens.

"Senhoritas, seria aqui por acaso a bilheteria para o show da Amanda Fontana? Eu sou novo na cidade, sabe como é!" e aproveitou os dez segundos em que os homens ficaram paralisados para nocautear o mais feio deles.

A Salteadora ainda olhava atônita para a situação. Ele simplesmente pulou no meio deles. O moleque se jogou no meio de oito homens armados, cada um do tamanho de um cavalo pequeno, e ainda fez piada! Ele era insano, completamente insano! "Como assim, o da direita?!" resmungou ela.

The Nostalgic Cricket - Parte V

A Salteadora? A mesma das fotos? Ele não tinha o álbum, mas havia feito download; era o que todo mundo fazia. A essa altura, Cricket sabia com certeza que a garota que estava a sua frente não era a Salteadora das fotos.

O vento frio e o trânsito foram o único som que se ouviu na torre por quase um minuto.

"E então, Cricket, eu... olha, você vai me ajudar ou não?"

"A Salteadora? A dos jornais?"

"É sério, eu não pediria ajuda se não fosse importante, não assim! Eu queria pular toda a parte do brigam-e-se-aliam, nós estamos do mesmo lado!"

"Mas se você é a Salteadora, o que aconteceu com o uniforme? O que diabos fizeram com seu corpo?"

"Como assim? O que tem de errado com meu corpo?" e então mudou o tom de voz para algo menos nervoso "Você vai me ajudar ou não?" Ela saltou da torre, caindo há uns poucos passos de Cricket, sem arriscar nenhuma acrobacia para abafar o impacto.

"É verdade!" disse ele, ficando ereto. Quando Josh se esticava todo naquela roupa verde, parecia ser bem mais alto e magro do que realmente era.

"O que? O que é verdade?" disse ela, confusa e impaciente.

"É verdade que o Gramático Cricket vai ajudar-ou-não" apesar do trocadilho ter parecido bem melhor em sua cabeça. Cricket estava desconfiado de mais para abaixar a guardar, então usava o truque de sempre: ser confusamente irritante, para desconcentrar eventuais inimigos.

A menina bufou, ou ao menos, Cricket pensou ter ouvido-a bufar. Enfiou a mão no manto e tirou um punhado de papéis. "Você acompanha as notícias nos Fóruns? Alguém está roubando suprimentos médicos em New York, e traficando para Porco Rico. Metade dessas coisas são substâncias experimentais, e tem alto valor no mercado negro."

Cricket ouviu tudo atentamente. Fez uma nota mental de construir sobrancelhas para sua mascara; sentia uma falta enorme da capacidade de franzi-las nesse instante. Ao menos, sentia falta das pessoas saberem que ele o estava a fazer. "O Sensato Cricket acha que seria melhor chamar a polícia e as demais autoridades competentes para resolver esse problema..."

"Não! Eles não conseguiriam fazer nada! Olhe só" apontou para uma das fotos "Não reconhece? Esse é Bart Clinton, O Alvejador, lembra? Ex-atleta olímpico, forças especiais, e agora, mercenário. O cara tem um site com tudo isso!" ela foi mudando as fotos "Um assassino desse nível não seria contratado para guardar essa carga, a não ser que fosse algo mais. Capangas chamariam menos atenção, e são mais baratos!"

"O Confuso Cricket não compreende! Se os bandidos têm dinheiro para contratar alguém tão barra-pesada quanto o Alvejador, por que não gastar esse dinheiro para conseguir os medicamentos legalmente?" ele havia notado que a 'Salteadora' usava um perfume bem suave, e que provavelmente havia lavado os cabelos fazia poucas horas.

"É esse o ponto! Eles estão obviamente querendo fazer com que isso pareça contrabando de remédios! Meu palpite é que eles têm algo grande lá, sabe? Algo tão grande que estão usando os medicamentos como cobertura, caso sejam pegos!" Ela parecia ter certa empolgação na voz.

Cricket estava ligando as idéias. Essa seria à hora perfeita para ele ter se lembrado de trazer o comunicador que Cruzader e Liquid lhe deram. O Alvejador era um nível acima do que qualquer coisa que havia enfrentado. Mesmo com ajuda, ele não estava confiante. Ele tinha milhões de perguntas para a desconhecida, mas só tinha uma resposta - não podia confiar nela. Não inteiramente. Mas, se quisesse saber o que estava acontecendo, teria que jogar o jogo dela.

"Bem, bem, o Indeciso Cricket aceita ajudar" ele notou que ela pareceu aliviada "Porem, com uma condição. Você vai responder as questões do Curioso Cricket enquanto isso."

"Como assim? Quero dizer, eu..." ela parecia meio aflita.

"O Sensível Cricket sabe que se a donzela usa uma máscara, é por algum bom motivo. O Confidenciavel Cricket não deseja saber sobre a donzela por baixo da máscara, longe disso. Em nossa linha de serviço, o Curioso Cricket quer saber sobre a donzela mascarada." ele novamente estava pronto para pular para longe.

"Eu... bem, se você não perguntar nada sobre minha... identidade secreta, eu respondo." disse ela. Cricket era o único aliado que parecia ter, e não queria perder a oportunidade.

"Bem, então o Satisfeito Cricket está pronto! Quando partimos?" Disse ele. Não confiava nela nem um pouco mais do que quando achava que era um trote de internet.

"Agora. Para o porto."

The Exhausted Cricket - Parte IV

Josh saltou do trem assim que entrou em Manhattan. Literalmente.

Quando a gravidade finalmente se fez sentir, ele já estava no topo de um prédio de escritórios. O frio era terrível, nem mesmo o tecido térmico parecia fazer alguma diferença. Esfregou as mãos e vestiu o resto do uniforme, o que era saudável para manter a identidade secreta.

"Vamos lá, Cricket, sem timidez, você vai conhecer outro super-cara! Às vezes vocês podem até virar parceiros..." pulava de cobertura em cobertura. Às vezes, corria pelas paredes espelhadas de algum edifício por diversão. "Ou quem sabe um vilão novo para a galeria..." e lembrou-se de todos os avisos que Crusader e Liquid haviam passado no último sermão.

Chegar ao Empire State Building é extremamente fácil, quando se vai por cima. É possível ver o prédio de qualquer lugar da ilha, fazendo com que nem um idiota consiga se perder. "Ai vai o Nervoso Cricket cair numa pegadinha de um maluco de internet", gritou certo de que a 200 metros de altura ninguém o ouviria. E caiu graciosamente na beirada da torre.

Olhou ao redor. Céus, era uma queda monstruosa!, mas ele adorava isso. Nunca teve medo de altura, e o vento frio do topo-do-mundo aliado à vista assombrosa faziam com que se esquecesse de todos os problemas.

"Está atrasado", disse uma voz feminina. "Já passa da meia noite e quinze".

Cricket pulou de susto, trezentos e oitenta metros para cima. Demorou meio minuto para chegar de volta à torre.

"Ei, ei, ei!" disse, num tom de desculpa "O Pontual Cricket teve imprevistos no caminho!" Procurou pela mulher. Podia ver mais cores, ouvir mais sons e farejar mais odores que um ser humano normal, mas não tinha sentidos exatamente aguçados. Eram só um pouco diferentes. O "sentido-cricket", no entanto, que era extraordinário. Era como se seu corpo inteiro fosse uma antena para vibrações. Poderia mapear instantaneamente qualquer sala do mundo, desde que não fosse muito grande e estivesse moderadamente livre de entulhos.

"Cricket... eu li seu blog" disse ela. "Você é mesmo de outro planeta?" não era como se ele nunca tivesse ouvido essa questão. Na verdade, parte dele preferiria ter usado a história do grilo radioativo.

"Oh, sim, sim, o Alienígena Cricket viajou muitos anos-luz para chegar a esse planeta!" claro que o vento congelante atrapalhava tudo. Tinha quase certeza de que a moça estava escondida perto da torre de rádio, mas não podia dizer exatamente em que ponto. "Mas, calma lá! o Pwr@Pwr é um cara, quer dizer, um homem! Qual seu super-poder, você vira mulher? O Inquisitivo Cricket gostaria dessa resposta, donzela-cavalheiro!" disse, esperando localizá-la pelo som. Aprendeu esse truque cedo: tagarelar é ótimo para desconcentrar pessoas.

"Ei! Não! Eu sou mulher! Eu nasci mulher! Aquele profile é falso, não quero ninguém no fórum me tratando diferente!" disse, naquele tom de indignação que só técnicos de computador costumam usar. "Quero dizer, eu sou mulher mulher, mas aquele bando de nerds jamais me levaria a serio, iam ficar babando ovo!" mas não parecia conseguir explicar realmente.

Cricket pôde sentir, pela vibração do ar e do chão, onde ela estava. Mais ainda, pode sentir exatamente como ela era. Tinha entre 1,50m e 1,80m, pesava entre 40 e 60 kg, o que seria justamente o tipo de chute que qualquer pessoa, mesmo sem o auxilio de super poderes, seria capaz de dar. Certo, certo, não podia sentir exatamente, ela estava muito longe, e também estava ventando gelado!, Pensou ele, tentando consolar a si mesmo.

"O Paranóico Cricket gostaria de saber afinal, se você é... er... digamos, amiga ou inimiga? O Ofegante Cricket não gostaria de uma luta, está muito frio, e a corrida me deu fome..." falou, enquanto procurou por ela sem mover a cabeça. As enormes lentes que protegiam seus olhos (e metade de seu rosto) eram perfeitas para evitar que as pessoas soubessem para onde ele estava olhando. Claro que, há essa hora, ele já estava abaixado, como se estivesse se preparando para pular.

"Eu... olha, eu e você, a gente está do mesmo lado, ok? Pra falar a verdade, eu esperava que alguns dos caras da primeira divisão fosse aparecer... sei lá, o Lightning, o Sentinela..." disse ela, com um toque de desapontamento.

"Hey! Hey! O Ofendido Cricket pode não ser da primeira divisão, mas não precisa menosprezar! Mesmo heróis da segunda..." e ela interrompeu.

"Tecnicamente, terceira."

"Hey! Terceira já é maldade com o Menosprezado Cricket! Mas o Presente Cricket é tão herói quanto qualquer um, e só ele apareceu nesse encontro às cegas!".

"Oh, ok, desculpe. O que eu queria dizer é que eu esperava alguém mais forte. Eu sei que parece meio forçado, mas eu preciso de ajuda e o... digamos, o 'nosso pessoal', não é exatamente fácil de entrar em contato." Ela disse. "Eu acho que foi inocência minha, dei sorte de ter aparecido alguém conhecido, pelo menos. Mas... é que eu preciso de ajuda, de verdade."

Cricket estava com os braços apoiados nas pernas, ajustando levemente as luvas.

"Ora, mais é claro que o Disponível Cricket vai ajudar a donzela! Mas acho que é mais que justo que o Curioso Cricket tenha suas questões respondidas antes disso, não é?" ele disse. Ela concordou "Então, para começar, o Sagaz Cricket gostaria de saber... quem é você, ó donzela? Mostre-se!" A esse ponto, ele já estava preparando-se para pular para longe caso fosse uma armadilha.

Ela demorou alguns segundos, e então finalmente deu um passo para fora de seu esconderijo. Devia ter perto de 1,70m, e talvez uns 50 kg. Usava um manto comprido e um traje acinzentado por baixo.

"Eu sou a Salteadora".

The Reasonable Cricket - III

Passar o final de semana de castigo era um tédio. Estava, até segunda ordem, trancado no quarto. Claro que seria fácil para ele pular pela janela, mas não tinha coragem de fazer isso na vizinhança; alguém poderia ver, e ai, a coisa ficaria complicada.

Restava-lhe a internet. Atualizou o blog. "Mais uma vez o Brilhante Cricket salva o dia do Morsa", seguidos de uma série de fotos que recortou do jornal. Checou várias vezes para limpar seus rastros - aparentemente, o time de Crusader possuia bons hackers, e não queria que o encontrassem. Passou o restante do dia visitando os mesmos forums de sempre.

"Estou dizendo, o Impacto e o Through são a mesma pessoa, mas o Thunderboy é um cara completamente diferente! É só olhar nas fotos!" dizia Jess\^_^\NY. Josh achou bobagem. Havia conhecido Impacto pessoalmente, semanas antes, e tinha a teoria de que Thunderboy, o ex-parceito de Lightning, havia brigado com ele e se tornado independente. Ele parecia ser novo e inseguro de mais. Além disso, qualquer pessoa que lia forums de heróis sabia que Through era um ninja, e não um fortão. Era como dizer que o Sentinela e Lightning eram a mesma pessoa.

"Eu já catei a Sunshine" era um tópico com mais de três mil respostas feito por um alegado técnico do time de futebol da UCLA. Era só um super-herói ter identidade pública que qualquer um tentava dizer que se conheciam. Josh riu do post do infeliz, que dizia que inclusive a canadense o havia ameaçado de morte em tempos recentes. Claro que, por outro lado, Josh colecionava duzias de posters da tal Alisia...

"Eu estou te vendo" dizia o enigmático post de *\/*1*R*u*Z*. Josh achou esranho que um post sem respostas permanecesse em primeiro lugar de todas as páginas. Provavelmente um hacker engraçadinho.

"Todos esses super-caras são amigos, eles fingem essas lutas pra manter a gente assustado! Bando de ******, isso sim!" dizia B0b-Stuf3d. Josh perdeu meia hora escrevendo uma resposta muito boa, mas apertou voltar sem querer e perdeu o texto.

"Eu tenho super poderes, se você também tem, me encontre a meia noite de hoje no topo da torre da antena do Empire State Building", por Pwr@Pwr. Josh leu várias e várias vezes. As respostas eram todas debochadas, mas o tal Pwr@Pwr era um cara sério. Estava na comunidade fazia mais de um ano, tinha boas recomendações.

Ficou se remoendo o resto da tarde. Deveria ir ou não? Seria uma armadilha, ou apenas uma piada? Será que iria conhecer alguém com poderes que fosse de sua idade? Alguém que não tentasse convence-lo a parar de ser herói toda vez que o encontrasse? Era quase onze da noite, e se pegasse o trem agora, talvez conseguisse chegar em New York a tempo.

"Estarei lá - O Presente Cricket" e pulou pela janela, com o uniforme na mochila.

The Dynamic Cricket - II

Havia um punhado de coisas que Josh Sheldon não gostava. Cheiro de cigarro, refrigerante diet, macarrão e gatos. Ele também não gostava de música gospel, livros de auto-ajuda e de Gilmore Girls. E gelatina. Céus, a lista não era tão pequena. Mas provavelmente, disputando o primeiro lugar com macarrão, estavam os Super-Vilões.

Ele era o super-herói da vizinhança fazia uns 6 meses já; se ele fosse um dos figurões, como Lightning ou o Sentinela, provavelmente a coisa seria mais respeitosa, mas o fato é que tinha uma galeria de vilões. Bem, não eram vilões de notoriedade, como RDX ou Voltage. Não eram nem vilões menores, porém, assustadores, como o homem-de-lata-de-Paris. Seus vilões eram quase uma vergonha.

Primeiro, o Falcão Vermelho. Era um malandro qualquer que roubou um protótipo das armaduras dos MaxCops londrinos, ou algo assim. Depois, havia o Doutor Fantasma, um cientista louco especializado em truques de mágica, que roubava bancos e coisas do tipo. E claro, por fim, havia o Morsa, um mafioso local cuja aparência entregava o apelido. Céus, como odiava o Morsa.

Lembrou disso enquanto esquivava das balas dos capangas, e distribuia olhos-roxos. As vezes se esquecia de como pessoas normais eram frageis, e quase cometia alguma bobagem. Segurou um pouco a força e garantiu que O Morsa ficasse só inconsciente. A polícia cuidaria do resto.

"Não temam, senhores! O Prestativo Cricket acaba de salvar o dia... ou a noite!" disse aos refens que ainda estavam aterrorizados com o espetáculo. "Agora, por favor, queiram manter a paz enquanto o Paciente Cricket espera a polícia chegar para garantir que vocês vão estar em segurança!"

Ele odiava gritos, também. Droga, será que ele deveria escrever "Herói" em neon em seu peito? Nesse instante, o "Comunicador" tocou. E entenda-se por comunicador o fone de ouvido do celular escondido por debaixo da roupa.

"Josh Sheldom, onde diabos você está? A sua amiga Sally disse que você fugiu do baile!" gritou sua mãe. Josh saltou pela janela e escalou um prédio qualquer.

"Ah, mão, não é nada disso, eu já estou chegando em casa... é que, é que o clima tava ruim e..."

"E nada! Como você pôde deixar a Sally sozinha? O senhor vai ter que dar boas explicações em casa, rapaizinho!" Ela desligou antes dele falar qualquer coisa.

Ah. Sim. Ele odiava, provavelmente mais ainda que macarrão, o modo como sua mãe o tratava feito criança. Ah, se odiava.

The Awesome Cricket - I

A parte mais difícil da adolescencia eram, sem sombra de dúvidas, os super-poderes. Josh Sheldom jamais teria pensado isso meses antes, mas agora era o tipo de coisa que consumia seus momentos de monotonia. Era aquele tipo de pensamentos que ocorrem sem parar justamente quando não podemos fazer nada a respeito.

Sally Walters havia aceitado ir com ele ao baile, mas acabara de mandar uma mensagem de celular dizendo que havia mudado de ideia e que iria com Garry Trump. Justamente o Garry Trump que caçoava dele desde o jardim de infância. Justamente o Garry Trump que era o maior fan do Adorável Cricket em toda Newark.

Josh pensou na vida enquanto tomava um ar no pátio da escola. Todos os garotos legais estavam dentro do ginásio, no baile. Aqui fora, haviam apenas os nerds e outros que não tinham par. Droga, ele pensou. Ele não era exatamente um nerd! Fazia esportes! Le Parkour, Kung Fu, basquete. Ele no máximo era bom com computadores e ciências. E gostava de Jornada nas Estrelas. E tinha a coleção completa de X-Men. E jogava Dungeons & Dragons toda quinta-feira a noite. Céus, ele era um nerd.

Foi preso em pensamentos como esses que notou um brilho no horizonte. Um incêndio, provavelmente. Sirenes. O traje estava escondido no terraço de um predio seis quadras abaixo. Ah, sim, um pouco de ação.

"Josh... olha, desculpe, eu não sei por que fiz aquilo" disse Sally, docemente, enquanto se aproximava. "O Garry e eu temos história, mas... se você estiver disposto a perdoar, podemos dançar, eu... eu gosto de v..."

"Desculpa, Sally! Eu tenho que ir, a gente se fala na aula" disse ele, beijando a testa da menina. Josh saiu correndo pelos portões da escola, rezando para que ninguém o acompanhasse com a vista. Tirou o paletó e desabotoou as calças. Os sapatos já estavam em suas mãos. Se alguém estivesse vendo agora, pensariam que era um tarado correndo pela noite. Saltou então. Pelo menos trezendos metros para frente, num arco de mais de noventa metros de altura, caindo suavemente a uns poucos passos de onde guardara o uniforme.

Droga, ele podia estar com Sally agora mesmo. Mas alguém pode morrer se ele fizer isso. A parte mais difícil da adolescencia eram, sem sombra de dúvidas, os super-poderes.