Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Making of: Claude Monet Nistelroy.

Como disse no Making Of da Alisia, falar sobre o Claude é bastante tranqüilo e vai tomar muito menos espaço. O sujeito surgiu em uma época que eu estava desanimado dos poderes da loira, basicamente porque ela disparava rajadas e o Liquid era muito melhor nisso. Eu já tinha pedido um Speedster pro Calliban no comecinho da campanha, mas tinha a Sonique e ele não deixou. Tempos depois, enquanto eu chorava as pitangas da Alisia, ele perguntou se eu queria um Speedster e eu aceitei.

As influências na criação do cara foram várias porém muito bem definidas. O nome foi uma mescla. Claude Monet foi mesmo por causa do pintor impressionista Oscar Claude Monet. O sobrenome Nistelroy veio do jogador de futebol holandês Van Nistelroy, que eu queria usar já fazia tempo. Bom, ele era um inglês, filho de uma francesa com um sobrenome holandês, já tinha algo para começar.

Na época eu (e mais ninguém no mundo) assistia o seriado Thieves, na Warner Channel, que passava no SBT com o nome Os Vigaristas. Esse seriado era excelente mesmo mas não foi pra frente e só teve 10 episódios. Nessa série, o ator John Stamos interpretava o ladrão Johnny Miles. Refinado, irônico, cínico e sem nenhum senso de lei e ordem. Decidi usar o Johnny como modelo para o humano Claude.

Bom, eu precisava de uma história. Ele havia sido criado dentro da máfia francesa, seu pai era primo do chefão do crime de Paris, e quando o moleque ficou órfão ele foi morar com o tio. Anteriormente houve um outro tio, que só trabalhava para a máfia e se chamava Maurice, mas acabei tirando esse cara do rolo porque não tinha relevância alguma. Dentro da máfia veio o lance com Robert, seu primo/irmão, com o qual fora criado. Em uma versão "What If..." do Claude eu cheguei a trocar esse cara por uma mulher, de nome Nina Nistelroy. A versão What If ficou até legal, mas não tinha nada a ver, e além disso tinha surgido a Nina irmã do Nicholas. Deixei ela de lado, mais para a frente acabei transformando-a em outra personagem.

O lance com Robert foi que eles eram os melhores mesmo dentro da máfia, e competiam para saber quem era o melhor. Resolvi matar o Robert em uma disputa idiota por uma mulher, primeiro porque não sabia bem o que fazer com ele na época (e o Ariano Suassuna me ensinou a matar personagens que não têm mais uso). Segundo, porque isso criaria no Claude um pequeno senso de culpa e um maior de responsabilidade. Mais para a frente eu conversei muito com o Calliban e nós transformamos o Robert (que não morreu no acidente) em um vilão dos BlackOps, o Sniper.

Outro elemento de colagem na construção do Claude foi o único volume que tinha lido na época do Lobo Solitário. Me Apeteceu a idéia de ser o único no grupo com um filho órfão de mãe. Coloquei que a mulher da disputa que matou Robert era uma austríaca criada na França chamada Lisa Marie Kohler, e decidi que ela estava grávida de um dos dois. Assim tinha motivo para a disputa idiota, tinha uma dúvida montada no ar (quem é o pai do menininho), e dá o contexto para inserir no jogo o pequeno Klaus Kohler van der Nistelroy, atualmente (2017) com 7 anos de idade. A personalidade do garoto ainda não foi traçada, e acho que esse é justamente o momento ideal para escrever contos com ele.

Bem, o inglês tem mais personagens secundários. Ele se tornou um grande amigo do milionário norte-americano John Hasler, o Midnighter, que o ajudou a construir em 2016 o Poliedro, nos subterrâneos de Londres, sob o prédio da Nistelroy Security Technologies. Aquela personagem feminina que originalmente era sua irmã, foi transformada em uma ladra irlandesa de nome Victoria Lupin, descendente de Arnie Lupin, o lendário ladrão de casaca. Essa personagem é a única pessoa que Claude respeita como ladrão, e usa o codinome Pink Panther. Ele fez amizades com vários NPC's importantes, mas isso não é o ponto do Making Of.

Os poderes foram um problema. No início ele apenas era rápido e tal. Depois de um tempo fomos problematizando seu poder. Houve uma época em que ele retirava sua velocidade do calor, e perdia os poderes em ambientes frios. Como já havia visto com Alisia. é uma péssima restrição para um poder. Na segunda versão (momento em que ele se tornou efetivamente o homem mais rápido do mundo, na época do PL18), nós mudamos seu efeito colateral de poder para uma descarga de eletricidade causada pelo atrito com o ar. Isso, unido ao codinome que desde o princípio era Lightning, deu uma nova identidade para o herói. Baseado no Impulso dos Jovens Titãs da DC, ele ganhou regeneração (o que o tornou um cara muito difícil de se lidar). Confesso que não tenho a pretensão de que o Claude seja invencível, mas uma coisa que realmente aprecio quando jogo com ele é a dificuldade em ser atingido e – sobretudo – a capacidade de correr ao redor do mundo em uma Full Action.

Isso, é claro, e o fato de ele ser o ladrão mais estiloso do ocidente.

Luzes de Mercúrio

Enquanto as finas pontas dos saltos altos golpeavam alternada e calmamente a calçada, minúsculas partículas do pavimento eram espalhadas pelo impacto, misturando-se à poeira e sujeira das ruas do Soho. Dentro das lojas, interruptores eram ligados e desligados, gerando microscópicas faíscas multiformes. Acima das nuvens, uma enorme tela negra dispunha sobre si dúzias de desenhos pontiformes de luminosidades variadas, cujo brilho já era tão obscurecido pela poluição que mal podia ser visto. Acima das casas, dúzias de arranha-céus construíam com suas janelas acesas uma disléxica e multidimensional paisagem noturna. Acima das cabeças, postes luminosos jorravam fótons esparsos e multidirecionais em todas as direções. Alisia podia ver tudo aquilo, simultaneamente, dentro de cada casa, em cada lado dos prédios, cada uma das constelações. Podia ver os elétrons correndo pela fiação metálica dentro dos conduítes encapados. Podia ver a lâmpada se aquecendo e os filamentos de mercúrio começando a brilhar. Para quem podia ver de perto, nada era mais bonito que aquilo. Nem o pôr-do-Sol no Norte, nem cristal líquido. A sensação de cor de Alisia era muito diferente. Ela não via as coisas como as pessoas comuns. Era como um novo sentido, muito diferente da visão, muito mais amplo, muito mais profundo. Era muito mais próximo da audição e do tato do que da visão em si. A luz, em todas as suas extensões de onda, refletia e se misturava e Alisia podia captar tudo aquilo simultaneamente o tempo todo, como uma sinfonia luminosa constante.

355, Walt Baker St. Quinto andar. Parou de caminhar e virou a cabeça na direção da loja de conveniências do outro lado da rua. Quinto andar, ele estava no apartamento 52, sentado na privada. Atravessou a rua e adentrou a loja. Queria comprar cigarros, decidiu que não interromperia o homem em uma hora daquelas. Comprou um maço de Dunhill, uma pastilha de cereja e uma revista sobre Super-Heróis na América, que notou ao lado do caixa. Na capa, o Crusade cravava sua espada no chão para impedir que um metrô colidisse em Nova York. Era a única na Extreme que se preocupava em saber sobre a opinião pública. No geral era muito boa. Enquanto pagava a compra, leu as páginas internas. Um cara dava entrevista contando como o Crusade salvou o dia e inspirou ele próprio a salvar uma senhora em perigo dentro do metrô. Acendeu um cigarro saindo da loja, e colocou uma pastilha na boca. Sentiu-se estranha. Não sabia o que dizer da reportagem. Richard era um playboy excêntrico com síndromes de megalomania, mas havia conseguido alcançar o preceito máximo do herói, ele havia conseguido inspirar o heroísmo do próximo. Alisia não conseguia achar aquilo ruim, pelo contrário, mas sentia algo estranho, como se não acreditasse totalmente que fosse mesmo possível mudar o mundo pelo poder do exemplo.

Guardou a revista na bolsa E terminou o cigarro. No 52, ele também já havia terminado. Subiu as escadas do prédio, passando incólume e despercebida pelo porteiro. Dentro do circuito interno de câmeras, as lentes captavam uma imagem projetada de homens passando pela portaria. Decidiu subir as escadas, não estava disposta a chamar a atenção de ninguém naquela noite. Cinco lances de degraus flutuando a dois palmos do chão, e em um minuto Alisia já caminhava novamente sobre os finos saltos altos. Parou diante da porta. 4h13am. Os vizinhos certamente dormiam, e era melhor que fosse assim. Aproximou o olhar dentro da fechadura e, moldando um pequeno objeto de luz sólida, abriu a porta. Ele estava deitado na cama do quarto, acabara de se cobrir. Alisia fechou a porta e voltou a flutuar centímetros acima do chão. Moveu-se até a cozinha e abriu a geladeira, pegando uma lata de cerveja do congelador. Deixou a bolsa sobre a mesa de jantar e deslocou-se calmamente até a porta do quarto. Repetiu o truque da primeira porta e adentrou o aposento. Deitado na cama, um homem de aproximadamente 30 anos com aspecto de pouca higiene virou-se olhando assustado.Uma fina camada de luz invisível sólida formou-se ao redor de todas as paredes do quarto, criando uma imperceptível barreira acústica. O homem levantou-se rapidamente, pegando um revólver que Alisia notara sob seu travesseiro enquanto comprava os cigarros. Quatro disparos, ele sequer perguntou quem era ou o que fazia ali. Sua mão tremia segurando a arma e, em seguida, deixando-a cair apavorado enquanto assistia às balas amassadas no ar caindo no chão. Alisia acendeu outro cigarro e tirou um papel de dentro do bolso, desdobrando-o.

"Eu realmente não estou com pressa nenhuma, mas se estivesse no seu lugar ia querer que isso acabasse o quanto antes, então me diga: Você é Robert Porter, número de seguridade social 54876387/NY?"

Ele relutou um pouco, e então respondeu afirmativamente. Era a certeza de que precisava. Aquele homem, Robert Porter, 31 anos, duas passagens por suspeita de homicídio, era o responsável por violentar e matar 12 meninas de 11 a 14 anos entre New Jersey, Rhode Island e New York, desaparecidas entre 2 anos e um mês atrás. Era muito bom no que fazia, nunca deixava rastros, nunca ficava muito tempo na cidade, nunca usava cartões de crédito. Alisia demorou um mês inteiro para localizá-lo. Havia sido chamada pelo NYPD para auxiliar no caso e conseguira descobrir o paradeiro do monstro. No último assassinato, o único em que Alisia presenciou a cena do crime, ele deixou para trás uma única digital, na parede do corredor da casa abandonada. Alisia respirou fundo, lembrou-se da visão do corpo da menina de 14 anos morta após ser estuprada. Deu um longo trago no cigarro e tentou esquecer-se de que ela própria já havia passado por aquilo aos 14 anos. Não precisava de mais ódio daquele homem. Já tinha em si mais do que o ssuficiente.

***

4h40am. Os vizinhos continuavam dormindo. Amarrado sem suas roupas, Robert Porter era suspenso pelas mãos por correntes luminosas que pendiam do teto. De seu corpo, inúmeros filetes de sangue vertiam de incontáveis cortes sobre a pele, formando uma enorme mancha vermelha que já começava a coagular no carpete. Com o único olho que ainda lhe restava, Porter continuava olhando, aterrorizado, a mulher loira de aproximadamente 25 anos e formas delicadas que acendia mais um cigarro enquanto apanhava outra pastilha. A expressão no rosto dela não havia mudado em absolutamente nada na última hora e meia em que ela o havia torturado. Sua pele havia sido queimada por fótons, seu olho esquerdo e órgãos genitais esfacelados por lâminas laser. Suas unhas arrancadas dos dedos jaziam ao chão misturadas ao sangue. Nenhum ruído, nenhum som havia deixado aquele cômodo do apartamento, apesar dos urros bestiais que o monstro emitia cada vez que Alisia desferia outro golpe. Mas ela não se alterava. Apenas olhava em sua direção e, entre um suplício e outro, perguntava-lhe sobre uma das doze meninas. Perguntava sobre a sensação de possuí-las, de sentir seus corpos parando de respirar aos poucos. Robert Porter ainda se propôs ao despeito de responder a primeira das perguntas. Não pareceu muito cooperativo a partir da segunda, no entanto. Já estava tarde. Observou novamente o homem pendurado a sua frente. Pensou em Crusade. Ele não faria aquilo, ele teria entregue o criminoso à justiça.

Mas ela não era Crusade. Ela não via sentido naquilo. Ele seria julgado mentalmente insano e mandado para tratamento em uma clínica estadual. Passaria o resto de seus dias sendo sustentado pela população, pelos pais das meninas mortas. Jamais pagaria pela dor que causou, pelo mal que trouxe ao mundo. Não, Alisia não podia fazer aquilo, não podia deixá-lo escapar. Ele não era um homem, não tinha senso algum de moralidade, era um monstro, muito pior do que um animal. Ela apenas fez o que era preciso.

Deixou o apartamento, gravando outra cena de homens agora saindo da portaria na câmera. A polícia não encontraria pista alguma sobre os homens que mataram Robert Porter, e o caso seria arquivado em duas semanas. Ainda na calçada em frente ao prédio, pôde observar dentro do quarto o momento em que o coração de Porter parou de bater. Acendeu outro cigarro e caminhou pelas calçadas. Enquanto a sinfonia luminosa se mantinha nas ruas do Soho, Alisia olhava para a capa da revista em sua bolsa. Nela, o Crusade encravava sua espada no chão para impedir a colisão de um metrô em New York. Um cara dava entrevista contando que o ato o inspirou a salvar uma senhora em perigo dentro do metrô. Na noite seguinte, todos os estupradores de NY iam ler nos jornais o que aconteceu a Robert Porter. Caminhando sozinha pelas calçadas do Soho, Alisia concluiu que, de certa forma, ainda que por meios inumanos – palavra que para ela tinha outra conotação – estava inspirando, através do exemplo, uma sensação inversa à de Crusade. Não a coragem de fazer o bem, mas o medo de praticar o mal. Banhada pelas fabulosas luzes de mercúrio, Alisia sentiu que fizera o certo, e ninguém e nem revista alguma precisava saber daquilo.

Making Of: Alisia Kelly Bryant.

A Sunshine sempre foi, e de certa forma ainda é, para mim, um problema. Como tenho dois Making Of's para fazer, decidi começar por ela por dois motivos: foi minha primeira personagem aqui e é a mais difícil de explicar. O Claude é bem mais tranqüilo porque tem inspirações mais evidentes.

Bom, depois de jogar a saudosa (e agora iminente) campanha de Rurouni Kenshin com os caras, dando criação à modalidade PbS (play by skype), o Calliban me chamou para jogar uma campanha de Era do Apocalypse, para a qual eu pensei em criar um cara chinês controlador de sombras. Bom, acabou que a campanha não foi de Era do Apocalypse, meu personagem no fim não era chinês, não controlava sombras e nem era um cara.

Foi trabalhoso criar personagem. O Calliban é o sujeito mais mala do multiverso para aprovar personagem. Vetou uns 5 meus, alegando que eram alvos móveis, que não tinham estilo, que não iam funcionar em grupo, e por aí vai. Foi quando eu relia uma edição do Superboy e vi um heróizinho fuleiro da terceira divisão da Liga da Justiça, o Ray. Esse maluco tinha passado a infância sendo criado à noite porque diziam que ele tinha uma doença rara que o impedia do contato com luz solar. Ele aos 20 anos fez uma experiência com o irmão mais velho, depois que os pais já tinham morrido, e descobriu que na verdade ganhava super-poderes em contato com luz. A primeira coisa que pensei foi "puta dum mote legal prum PC, mas ta mal aproveitado". Tudo bem, não acho que a Alisia seja a melhor forma já empregada para o tema, mas convenhamos que ficou mais estilosa que o Ray. Mas o ponto não é esse.

Na primeira versão, a Alisia já usava o codinome Sunshine, mas seu poder era basicamente voar e disparar rajadas laser. Ela também tinha uma limitação extremamente chata: precisava de luz para ter poderes. Isso já complicou a vida dela mais de uma vez. Quando saíram os suplementos Power Corrupts 1 e 2 pela Devil's Workshop, surgiu o poder Photon Control. Foi aí que montei o combo de visão absoluta da moça. Esse poder, devo confessar, é o mais divertido de todos, nem a supervelocidade do Claude é tão legal. Bom, basicamente depois disso (e com a chegada da segunda edição do M&M) a ficha dela mudou pouco, ampliando os usos de luz e efeitos da supervisão. Ah, sim, ela perdeu a limitação de precisar de luz, agora ela pode inclusive emitir quantidades enormes de luz.

Mas a grande questão com a Alisia não é a ficha. A personalidade dessa moça sempre foi um problema. Primeiro porque só havia jogado com personagens femininas uma vez antes disso, em uma campanha de Dungeons & Dragons. Pensei em como montar uma personalidade feminina que convencesse. Lembrei da frase do Jack Nicholson no "Melhor Impossível" quando seu personagem escritor é perguntado sobre como conseguia criar personagens femininas tão convincentes. "I think about a man, and then take away the reason and accountability". Talvez seja verdade, mas com a Alisia não deu certo, ou pelo menos não me convenceu. Tentei moldar aos poucos sua personalidade, o que me fez começar a escrever os primeiros registros (hoje perdidos) dos Diários da Alisia, que o Call até curtia ler. Ajudou um pouco, mas com o passar dos anos aquela personalidade de menininha da Alisia não colava mais. A mulher já tinha visto o fim do mundo de perto meia dúzia de vezes, já tinha visto gente morrendo aos baldes, já tinha quase morrido outras tantas (lembrando a histórica ocasião em que o Voltage disparou a eletricidade de Manhattan inteira nela). Definitivamente a garota precisava de uma personalidade mais madura.

Comecei colocando ela de vez dentro da ONU, cuidando de incidentes diplomáticos envolvendo super-humanos. Também acabei com a história de loira burrinha, comprando mais Inteligência e perícias ligadas a geopolítica. Adicionei também um tom irônico e sarcástico no discurso dela. Achei por bem colocar mais um trauma na infância noturna dela, e transformei o tio bonzinho num bêbado solitário abandonado pela mulher e disposto a fazer coisas más com ela. Esse trauma fortíssimo fez com que a personalidade dela mudasse para algo afetivamente amargurado e sexualmente distante. A partir daí decidi explorar uma área até então latente nela: o aspecto inumano. O cenário (onde os personagens na prática não são exatamente humanos) favoreceu isso. Não se considerando humana, ela não se considera sujeita aos valores humanos. O que isso significa? Que ela tem um senso de moralidade e justiça próprio, que não necessariamente vai de encontro com o senso comum. Isso piora com o fato de que ela bebe. No princípio pensei em cocaína, mas achei clichê demais, até porque uma versão "What If..." do Claude já tinha feito isso antes. Achei que álcool seria mais romântico, mais decadente. Foi aí que meu lado sombrio deu vazão ao lado sombrio da Alisia. Comecei a imaginar que tipo de coisas um ser humano (e em seguida um ser inumano) faria se pudesse ver e não ser visto? Melhor, se pudesse matar a um quilômetro de distância? Claro, a Alisia não é uma assassina, mas isso não quer dizer que ela não mate quando acha necessário.

Com tanta coisa ruim, como ela trabalha com os heróis? Bom, primeiro ela considera os Next Steppers como iguais. Dentro dessa idéia, ela considera a Extreme (e mais alguns agregados) como amigos, e ela só tem amigos de verdade entre seus iguais. Sendo a luta de seus amigos, é sua luta também. Isso reflete insegurança e pouca auto-perspectiva (o que é interessante paralguém que vê tanto). Ela também luta porque mesmo não se sentindo humana, não se sente à vontade convivendo com o sofrimento humano. Difícil dizer se ela se julga racialmente superior a um ser humano, mas individualmente ela não consegue se imaginar superior a nada. O que deu verdadeiramente um novo sentido a sua vida sem dúvida foram os super-poderes. Ela os vê claramente como uma dádiva, e acredito que se sentiria muito mal se um dia fosse privada deles.

Realmente difícil fazer isso. Do jeito como está ela parece quase uma vilã. Não é o caso, ela ta mais para anti-heroína amargurada, meio como a Elektra porém mais light. Ou melhor, mais disfarçada, como ficará melhor demonstrado no próximo conto. O X da questão ao analisar a moça , acredito eu, acaba sendo: ela é uma pessoa boa, que deu alguns azares na vida (isso descreve bem toda a Extreme, aliás) mas que tem seus lados humanos, seus lados inumanos e que não tem muitos problemas para dormir a noite.

Uma luz diferente.

Seis e meia da manhã e eu ainda estou na cama. Vamos Thomas! Seu imprestável, levante logo antes que perca mais um emprego. Meu pai sempre me dizia isso quando era garoto, dizia tanto que pareço ter pego a mania dele. Droga de vida, 26 anos e ainda moro no sótão da minha mãe. Se eu tivesse seguido a carreira profissional no futebol, ah! eu seria um astro não fosse Ted Barnes ter quase arrancado minha perna fora naquele jogo! O joelho ainda dói todo inverno pra me ajudar a não esquecer aquele dia, como se precisasse.
Céus! Já são sete horas, ainda tenho que tomar banho ... não, o banho fica pra depois, a barba também, tenho que vestir o uniforme logo e voar para o trabalho. Voar, seria bom se eu pudesse, mas infelizmente ainda tenho que pegar o metrô, enfrentar fila, e sufocar por oito horas naquela guarita infernal.
Sair de casa já é uma luta, minha mãe reclamando sobre mim, reclamando sobre minha irmã, reclamando sobre o cadáver do meu pai. Reclamando. Bom, passo pelo meu vizinho Ed na surdina, eu ainda devo 20 pratas a ele. Depois disso, é só esquivar de Melissa e pronto, estou fora da rua mais acabada de Bushwick.
Daí é só caminhar pacificamente, evitando ser assaltado até o metrô, não que seja fácil, mas com os anos se ganha prática nestas coisas. Chego no metrô e como sempre, nenhum banco vago. Um acento livre surge na segunda estação. Eu sento. Uma mulher de 40 anos fica me encarando como se eu tivesse a obrigação de ficar em pé enquanto ela relaxa as pernas, sinto muito, não é por eu ter 26 anos que eu possa ficar em pé sentindo meu joelho ralhar a cada tremida do metrô para a senhora poder descansar seus joanetes.
A cena se repete mais uma ou duas vezes conforme eu troco de trens para chegar ao trabalho. E como sempre, chego atrasado. E como sempre, recebo bronca de Jefferson Malus, o encarregado da segurança do bloco B, e depois de mais 5 minutos, entre olhares de reprovação e comentários maliciosos, volto a rotina diária de entediamento.
Atravesso o salão principal, passo pelo corredor A-D e depois de alguns passos lentos me encontro dentro da guarita do Bloco B.Cara, o salário até que não é um lixo, comparado com os outros lugares, mas aquela guarita da ala B da Warden University é um inferno na terra de tão quente. Não sei quem foi o idiota que projetou aquilo. Por que é tão quente que não dá nem pra cochilar nem pra ficar acordado.
O Bloco B é a área destinada aos médicos da Universidade, para pesquisas e outras coisas que a gente nunca sabe, os médicos nunca se apresentam no horário, então não sei por que brigam tanto comigo. Fico mais 10 minutos sem fazer nada, 15, 20. Começo a ficar sonolento, mas logo tudo começa. Chegam os médicos do setor, saem os médicos do setor. E o dia vai passando assim.
Fico pensando sobre esses médicos, eles ganham pelo menos o triplo do meu salário e ainda parecem não estar contentes, a maioria é como sempre, esnobe, mas um chama muito mais a atenção, Dr. VonBühler acho que é alemão, eu sempre tive pavor de alemães. O Dr. tem um olhar sobrehumano, parece que ele vê os seus temores mais intímos com aquele olhar de gelo, ele me dá arrepios!!
Nossa, hoje tenho até pessoa ilustre passando por aqui, o patrão veio visitar o Dr. de olhar apavorante, acaba de chegar no seu ultimo carro novo. eu nunca vejo ele usando o mesmo carro, sempre um diferente, e sempre um modelo caríssimo, daqueles que eu só posso ver mesmo. Ah! esse Richard leva a vida boa, só nadando no dinheiro, ele passa e sorri como se o mundo fosse dele, sacudindo o rolex do braço enquanto acena um olá tentando ser simpático. O que esse cara fez pra merecer tudo que ele tem que eu não fiz? O que me deixa mais fulo da vida é que não consigo não sorrir pro cara, sei lá, ele tem alguma coisa que mexe coma gente. Ele passa e o tédio recomeça. E o tédio se prolonga. E se estende até que meu horário acaba.
Como cheguei atrasado, faço hora extra, normas da empresa. Tenho vontade de fuzilar quem inventou essas regras, mas o tempo da hora extra também passa como os outros, até que uma hora simplesmente acaba. Estou livre. Assim não me demitem pelo menos. Aproveito e vou pro bar onde os alunos frequentam, uma cerveja vai aliviar meu dia e meu humor. Acabo tomando 2 e pegando o telefone de uma uma menina com tara por homens de uniforme.
Me dou por satisfeito e no final da tarde de serviço me dirijo a passos lentos pro metrô. Fila pequena para entrar e milagrosamente pego um lugar vago logo de cara, mas não me faltam os olhares de acusação. Dá vontade de arriar as calças e gritar, olhem pra porra do meu joelho! Só que com a minha sorte teria algum guarda dentro do vagão para descer a lenha nas minhas costas por isso. Fico quieto e aproveito o banco. Que eles olhem como quiserem.
A viagem se estende como sempre. Mas como estou sentado até me sinto bem em estar no metrô. Quando o trem está chegando na estação do centro de Manhatam, até fico feliz. Metade do caminho já foi, mas então algo estranho acontece, um barulho ensurdecedor, depois outro e tudo parece tremer. Da janela direito consigo ver a parede do tunel ser arrebentada por uma criatura negra gigantesca. Parece um homem, mas não dá pra ver direito, muito rápido, o vulto passa e logo atrás vem outro, mas é claramente um homem com uma roupa verde. Ele salta do buraco do tunel e parece atingir a criatura ao mesmo tempo em que um cavaleiro medieval passa voando. Eu fico embasbacado com tudo isso, porém o tremor do trem me traz de volta.
Parece que o baque entre o cara de verde e o bicho de preto deve ter desestabilizado os trilhos do metrô. O trem treme como nunca, e parece aumentar a velocidade. Nunca tive tanto medo na minha vida. A velha que me olhou feio, rola ao chão com uma sacudida do vagão. Não sou muito inteligente mas saquei que a coisa ferrou pro meu lado, o trem provavelmente desgovernou de vez. Que maneira besta de morrer!
Eu olho pra janela e vejo a estação passar num vulto, rápido demais, e nada de parar, tudo treme, eu me seguro como posso. Que merda, a velha deve ter se machucado de verdade, ela não se mexeu mais, nem tentou se levantar. Tento me levantar pra ir ajudar, mas é difícil, faço um esforço, meus tendões quase se arrebentam, mas consigo me segurar, o vagão, não para de tremer. De repente penso, qual a serventia de ajudar a velha? Vamos todos morrer de qualquer jeito, o trem desgovernou, já era... e então paro de pensar e ajo, Cravo os dedos na poltrona pra me apoiar e então chego perto dela, eu toco o pescoço da senhora, ela não está respirando! Droga! Começo a fazer o procedimento de reanimação, 1,2,3... 1,2,3... segundos que parecem uma eternidade. Estou encostando a minha boca na da velha quando um baque no trem me lança quase um metro a frente dela, acho que morri, mas abro os olhos e percebo que ainda estou vivo. O trem diminuiu um pouco a velocidade, os trilhos rangem mais que a porta do banheiro de casa. Mas como?
Olho para o fundo do vagão (estou no último) e vejo a cena mais bizarra e mais emocionante da minha vida! O cavaleiro medieval com os olhos brilhando com uma fumaça azul está segurando o trem, ele está segurando o trem! Eu nunca imaginei que uma coisa dessas fosse possível. Com os dois braços e parado no ar, ele está segurando o trem! O cara gira uma espada enorme que eu nem vi ele tirar das costas, a espada deve ter o meu tamanho (ele mesmo deve ter mais de dois metros) e finca ela no chão como apoio. Eu juro que não acredito que estou vendo isso! Um cavaleiro medieval de quase 2,5 metros de altura, com uma espada enorme, voando com uma luz azul ao redor do corpo, está segurando a porcaria do vagão! O cara está salvando todo mundo! Eu não consigo acreditar ainda, vou acordar e estarei na minha cama, prestes a ir pra droga do meu emprego de novo.
O trem para de vez, o sangue escorrendo da minha testa me traz de volta a realidade, isso aconteceu mesmo. O cavaleiro, tira sua espada do chão, ele parece estar preocupado se alguém do trem precisa de ajuda, ele olha dentro do vagão. Sinto uma mão no meu ombro direito, me viro pra ver quem é, é a velha mal encarada em quem eu estava fazendo respiração boca a boca. Ela me olha bem diferente agora, como minha mãe olhava pra mim quando eu era pequeno.
Nós ficamos apenas um segundo olhando um pro outro, mas quando me viro o cavaleiro já desapareceu, deve ter ido enfrentar aquele bicho, ou aquele cara, nunca se sabe quem é o vilão com esses caras. Só se sabe quando eles nos salvam, como o cavaleiro. Me volto para a senhora e a ajudo a se levantar, ela me diz seu nome, Angeline Pinkerson, eu lhe digo o meu. Ela agradece e eu respondo que não fiz nada, que foi o que qualquer ser humano faria, e depois me lembro que salvei a vida dela, assim como o cavaleiro salvou a de todos nós.
Eu, Thomas Howley, 26 anos, subempregado, sem casa própria, sem namorada, sem cachorro. Eu salvei uma vida. O peso do meu ato me tira muito do peso que eu carregava nas minhas costas, juntamente com o fato de eu ter quase morrido, dá uma sensação diferente, de repente a vida parece ter novas possibilidades...
Eu salvei uma vida, assim como o cavaleiro mágico salvou a de todos nós. Eu nunca tinha visto um desses caras antes, assisti sobre eles na televisão, mas eles sempre pareceram tão longe... hoje é diferente, eu vi, e eu me sinto como ele, no mesmo nível. E essa comparação dá uma luz diferente ao meu dia.



Olhos Nublados — Parte II

Ela acordou lentamente. Seus olhos se abriram, vazios por alguns instantes, e vasculharam lentamente o lugar. Não ousava se mover. Quando encontrou os olhos de Zed no caminho, o rapaz esboçou um sorriso e lançou-se para a frente da poltrona, interessado.

— Então, será que terei a honra de ouvir seu nome, senhorita? Você me pregou peças a noite inteira, com seus bilhetinhos!

Jovem e bonito, Zed ainda demonstrava um corpo atlético, um ar charmoso, e aquela voz melosa e firme de locutor de rádio da decada de 50. Suas roupas eram modernas, como as de um artista, com calça azul-acinzentada, um blazer azul e uma camisa branca sem gravata. Seus cabelos loiros pendiam pelos lados da cabeça, longos o suficiente para dar um ar de descuidado, mas bem cuidados o suficiente para perceber-se que ele cuidava da aparência. A moça pareceu assimilar lentamente cada um dos detalhes da aparência do rapaz, como se as comparasse com alguma imagem mental antiga.

— Ah, qualé? — insistiu Zed — você fala ingês, eu sei disso! Só um nome, como gratidão, não?

Ela respirou fundo e ponderou por alguns instantes. Zed teve a impressão de que os olhos da garota ficaram levemente turvos e vazios, como se cobertos por um chiado de televisão. Antes que ele pudesse ficar assustado, ela abriu bem as mãos por baixo dos cobertores, e forçou os ombros pra fora.

— Mila... Mila Radjavitch, mas o nome muda alguma coisa? — Disse com um sotaque suave de alguma língua do leste europeu. Zed adivinhou que era do leste europeu por que havia passado uma temporada lá, alguns anos antes, para deixar a poeira baixar.

Ela se levantou. Estava usando pijamas estranhos, muito largos. Talvez tivesse sentido a falta do peso frio de suas roupas molhadas.

— São do Hotel, Mila... — Zed saboreou o nome — Você estava congelando, então achei que não se importaria. Pelo menos não li nenhum dos seus bilhetes falando que eu não poderia fazer isso.

Ele sorriu confiante. Levantou-se da poltrona, e jogou o livro que estava em seu colo numa mesinha qualquer. Tagarelou qualquer coisa sobre a baixa qualidade do vinho do bar do hotel, mas seu raciocínio foi interrompido pela voz triste da garota.

— Diga que não quer, que ainda está dormindo.

Antes de Zed poder perguntar alguma coisa, a porta bateu, e um grito avisando serviço de quarto foi ouvido. Zed dispensou. Olhou então para a garota.

— Viu, é desse tipo de coisa que estou falando! Como diabos você faz isso?

— Somos iguais... mas somos diferentes também. Somos diferentes das pessoas normais, não percebe?

Zed fingiu entender. Era algum tipo de filosofia? Talvez ela fosse uma maluca, ou apenas alguma garota em um esquema para lhe pregar uma peça. Ele se jogou na poltrona mais uma vez, afundando bem o corpo.

— Tá, pode parar por ai. Fale em inglês claro, sem rodeios! Quem diabos é você, e o que você quer comigo?

— É engano, não se de ao trabalho...

— Mas que diabos, engano? Eu — o telefone o interrompeu. O recepcionista do hotel havia feito a ligação para o apartamento errado, e se desculpou envergonhado. Zed jogou o aparelho para o lado, assustado.

Ele encarou a menina por alguns minutos. Ela permanecia com um rosto desanimado e um olha vazio. Talvez Zed estivesse esperando que ela lhe dissesse alguma outra coisa dessas, e ele não queria ser pego de surpresa. Quando a ansiedade passou, ele voltou à sua posição inquisidora.

— Como você sabe meu nome?

— Sim.

— Como diabos sim? Que tipo de resposta é essa, que tipo de doida você é?

— Não.

— Ei!, Ei!, Ei!, sem essa de "Bola 8" pra cima de mim! Me diga como você sabe quem eu sou!

— Eu sei.

— Sera que diabos você não entende inglês? - Zed pronunciou novamente todas as palavras lentamente, gesticulando exageradamente.

— Eu entendo inglês. Eu sei essas coisas. Só sei. Igual você, mas diferente, é tão difícil aceitar?

Mais uma vez, Zed estava confuso. Ele pensou em pegar sua arma, mas ela estava no criado mundo do lado da garota. Ele alargou a gola da camisa, respirou fundo, e massageou a testa, pensativo.

— Tá, tá. E por que diabos eu? Por que justo eu? E não me venha com resposta enigmática, eu salvei sua vida, você me deve isso!

— Eu não posso fazer sozinha. Você vai me ajudar, precisa me ajudar.

— Ou então...? O que eu ganho com isso? Digo, além dessa dor de cabeça que você está me dando?

— O suficiente. Às onze e dezessete, dois homens vão entrar no hotel. Eles vão subir o elevador e vão forçar a entrada. Por sorte, vai ser a porta errada. Mas eles vão tentar de novo, e acertar. Se você não vier comigo, eles vão cobrar pelo golpe que você deu no velho do barco. Vão entrar atirando, então você não vai ter tempo de tentar acalma-los.

— Como diabos...?

Zed olhou para o relógio na parede do hotel. Onze e dezesseis. Correu para a janela, e forçou a vista para baixo. Viu dois homens entrando no hotel pela porta da frente. Reconheceu um deles do jogo no iate de Don Rosso, um mafioso local (que, por acaso, havia perdido no Poquer ontém a noite). Diabos, como essa menina fazia isso?

— Tá, você está na liderança. Como eu saio dessa?

Ela fez força para se levantar da cama. O relógio corria ao fundo. Zed pegou a pistola rapidamente, e apertou-a entre os dedos. Ela andou até a janela e puxou uma corda. Uma plataforma para limpadores-de-janela surgiu. Mila fez força para entrar. Zed a empurrou, e se jogou. Com toda sua força, ele puxou as cordas, erguendo-se a pouco mais de metro e meio do limite da janela.
A porta do quarto ao lado se abriu. Tiros. Um grito de pavor. Instante depois, a porta do quarto de Zed se abriu com violência. Uma rajada de balas foi disparada. Um dos homens gritou com um sotaque estranho, enquanto uma barulheira enorme se seguiu. Eles pareceram deixar o quarto. Minutos depois, sirenes foram ouvidas.

— Solte a corda.

— O que? Você está louca, nós vamos cair! São pelo menos vinte metros!

— Não.

— Não o que?

— Solte a corda, agora! — ela puxou uma das mãos de Zed, o balanço da plataforma fez com que ele soltasse a outra.

A plataforma seguiu em queda livre por talvez uns dez metros, e então parou suavemente. Inclinou-se lentamente em uma janela aberta, e os dois deslizaram para dentro de um quarto. Zed estava inginado com aquilo, mas antes de argumentar, lembrou que ele poderia estar morto.

— Tá, tá, e agora?

Mila não respondeu. Andou até o armario e tirou de lá algumas roupas.

— Vire-se.

— Que? Não, perai, o que...

Ela começou a se despir. Zed já havia visto a cena um milhão de vezes. Ele mesmo havia dado um banho quente na desacordada Mila, horas antes, mas ele se sentiu um pouco envergonhado. Se virou.

— Bem, pelo menos não podem dizer que Zed não é um cavalheiro, não senhor.

Percebeu que estava nervoso, pois sempre falava em terceira pessoa quando perdia o controle da situação. Ouviu a porta abrindo, e se virou assustado. Mila estava saindo. Correu até ela.

— Ei, ei, você não vai se livrar de mim assim tão fácil! Pode parar por ai, mocinha!

Ela chamou o elevador. Estava agora vestida com calça jeans e uma camiseta branca. Seus cabelos arrepiados e seus olhos brilhantes contrastavam com a cor de sua pele, e ela parecia magra como uma modelo de moda. Zed pensou que ela provavelmente deveria estar faminta.
Desceram até o andar do térreo, e foram até o balcão. Zed olhou para o responsável, um homem magro e careca, com queixo saliente, pronunciado ainda mais pela gola alta do ridiculo uniforme do hotel.

— O senhor foi procurado por uns cavalheiros, senhor Andreas. Acho que seria incomodo se eles fossem notificados de sua saida — o homem fez um sinal com a mão, esfregando os dedos.
Zed havia sido traido por um atendente de hotel barato. Ótimo, era tudo que ele queria! Olhou firme nos olhos do homem, e falou alguma coisa em tom bem firme. Mila pareceu interessada no que estava acontecendo.

O homem se encolheu atrás do balcão, em posição fetal. Zed calmamente apagou os registros de sua estada no hotel — mesmo de seu nome falso, Pablo Andreas, que ele havia inventado na entrada do lugar. Foi sendo guiado por Mila por um caminho estranho, até chegarem na garagem. Lá, entrou em um carro esporte prata, que havia usado na noite passada.

— Moça, é bom que você realmente valha a pena, esse trabalho todo vai acabar comigo.

Ela sorriu para ela mesma, mas seus olhos ainda pareciam nublados. Zed parecia ser o tipo de canalha que destroi corações de mocinhas por diversão, mas ela não pensou nisso.

— Ceeerto, estamos no Zed-movel, pra onde agora?

— MaxCorp.