Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Olhos Nublados — Parte II

Ela acordou lentamente. Seus olhos se abriram, vazios por alguns instantes, e vasculharam lentamente o lugar. Não ousava se mover. Quando encontrou os olhos de Zed no caminho, o rapaz esboçou um sorriso e lançou-se para a frente da poltrona, interessado.

— Então, será que terei a honra de ouvir seu nome, senhorita? Você me pregou peças a noite inteira, com seus bilhetinhos!

Jovem e bonito, Zed ainda demonstrava um corpo atlético, um ar charmoso, e aquela voz melosa e firme de locutor de rádio da decada de 50. Suas roupas eram modernas, como as de um artista, com calça azul-acinzentada, um blazer azul e uma camisa branca sem gravata. Seus cabelos loiros pendiam pelos lados da cabeça, longos o suficiente para dar um ar de descuidado, mas bem cuidados o suficiente para perceber-se que ele cuidava da aparência. A moça pareceu assimilar lentamente cada um dos detalhes da aparência do rapaz, como se as comparasse com alguma imagem mental antiga.

— Ah, qualé? — insistiu Zed — você fala ingês, eu sei disso! Só um nome, como gratidão, não?

Ela respirou fundo e ponderou por alguns instantes. Zed teve a impressão de que os olhos da garota ficaram levemente turvos e vazios, como se cobertos por um chiado de televisão. Antes que ele pudesse ficar assustado, ela abriu bem as mãos por baixo dos cobertores, e forçou os ombros pra fora.

— Mila... Mila Radjavitch, mas o nome muda alguma coisa? — Disse com um sotaque suave de alguma língua do leste europeu. Zed adivinhou que era do leste europeu por que havia passado uma temporada lá, alguns anos antes, para deixar a poeira baixar.

Ela se levantou. Estava usando pijamas estranhos, muito largos. Talvez tivesse sentido a falta do peso frio de suas roupas molhadas.

— São do Hotel, Mila... — Zed saboreou o nome — Você estava congelando, então achei que não se importaria. Pelo menos não li nenhum dos seus bilhetes falando que eu não poderia fazer isso.

Ele sorriu confiante. Levantou-se da poltrona, e jogou o livro que estava em seu colo numa mesinha qualquer. Tagarelou qualquer coisa sobre a baixa qualidade do vinho do bar do hotel, mas seu raciocínio foi interrompido pela voz triste da garota.

— Diga que não quer, que ainda está dormindo.

Antes de Zed poder perguntar alguma coisa, a porta bateu, e um grito avisando serviço de quarto foi ouvido. Zed dispensou. Olhou então para a garota.

— Viu, é desse tipo de coisa que estou falando! Como diabos você faz isso?

— Somos iguais... mas somos diferentes também. Somos diferentes das pessoas normais, não percebe?

Zed fingiu entender. Era algum tipo de filosofia? Talvez ela fosse uma maluca, ou apenas alguma garota em um esquema para lhe pregar uma peça. Ele se jogou na poltrona mais uma vez, afundando bem o corpo.

— Tá, pode parar por ai. Fale em inglês claro, sem rodeios! Quem diabos é você, e o que você quer comigo?

— É engano, não se de ao trabalho...

— Mas que diabos, engano? Eu — o telefone o interrompeu. O recepcionista do hotel havia feito a ligação para o apartamento errado, e se desculpou envergonhado. Zed jogou o aparelho para o lado, assustado.

Ele encarou a menina por alguns minutos. Ela permanecia com um rosto desanimado e um olha vazio. Talvez Zed estivesse esperando que ela lhe dissesse alguma outra coisa dessas, e ele não queria ser pego de surpresa. Quando a ansiedade passou, ele voltou à sua posição inquisidora.

— Como você sabe meu nome?

— Sim.

— Como diabos sim? Que tipo de resposta é essa, que tipo de doida você é?

— Não.

— Ei!, Ei!, Ei!, sem essa de "Bola 8" pra cima de mim! Me diga como você sabe quem eu sou!

— Eu sei.

— Sera que diabos você não entende inglês? - Zed pronunciou novamente todas as palavras lentamente, gesticulando exageradamente.

— Eu entendo inglês. Eu sei essas coisas. Só sei. Igual você, mas diferente, é tão difícil aceitar?

Mais uma vez, Zed estava confuso. Ele pensou em pegar sua arma, mas ela estava no criado mundo do lado da garota. Ele alargou a gola da camisa, respirou fundo, e massageou a testa, pensativo.

— Tá, tá. E por que diabos eu? Por que justo eu? E não me venha com resposta enigmática, eu salvei sua vida, você me deve isso!

— Eu não posso fazer sozinha. Você vai me ajudar, precisa me ajudar.

— Ou então...? O que eu ganho com isso? Digo, além dessa dor de cabeça que você está me dando?

— O suficiente. Às onze e dezessete, dois homens vão entrar no hotel. Eles vão subir o elevador e vão forçar a entrada. Por sorte, vai ser a porta errada. Mas eles vão tentar de novo, e acertar. Se você não vier comigo, eles vão cobrar pelo golpe que você deu no velho do barco. Vão entrar atirando, então você não vai ter tempo de tentar acalma-los.

— Como diabos...?

Zed olhou para o relógio na parede do hotel. Onze e dezesseis. Correu para a janela, e forçou a vista para baixo. Viu dois homens entrando no hotel pela porta da frente. Reconheceu um deles do jogo no iate de Don Rosso, um mafioso local (que, por acaso, havia perdido no Poquer ontém a noite). Diabos, como essa menina fazia isso?

— Tá, você está na liderança. Como eu saio dessa?

Ela fez força para se levantar da cama. O relógio corria ao fundo. Zed pegou a pistola rapidamente, e apertou-a entre os dedos. Ela andou até a janela e puxou uma corda. Uma plataforma para limpadores-de-janela surgiu. Mila fez força para entrar. Zed a empurrou, e se jogou. Com toda sua força, ele puxou as cordas, erguendo-se a pouco mais de metro e meio do limite da janela.
A porta do quarto ao lado se abriu. Tiros. Um grito de pavor. Instante depois, a porta do quarto de Zed se abriu com violência. Uma rajada de balas foi disparada. Um dos homens gritou com um sotaque estranho, enquanto uma barulheira enorme se seguiu. Eles pareceram deixar o quarto. Minutos depois, sirenes foram ouvidas.

— Solte a corda.

— O que? Você está louca, nós vamos cair! São pelo menos vinte metros!

— Não.

— Não o que?

— Solte a corda, agora! — ela puxou uma das mãos de Zed, o balanço da plataforma fez com que ele soltasse a outra.

A plataforma seguiu em queda livre por talvez uns dez metros, e então parou suavemente. Inclinou-se lentamente em uma janela aberta, e os dois deslizaram para dentro de um quarto. Zed estava inginado com aquilo, mas antes de argumentar, lembrou que ele poderia estar morto.

— Tá, tá, e agora?

Mila não respondeu. Andou até o armario e tirou de lá algumas roupas.

— Vire-se.

— Que? Não, perai, o que...

Ela começou a se despir. Zed já havia visto a cena um milhão de vezes. Ele mesmo havia dado um banho quente na desacordada Mila, horas antes, mas ele se sentiu um pouco envergonhado. Se virou.

— Bem, pelo menos não podem dizer que Zed não é um cavalheiro, não senhor.

Percebeu que estava nervoso, pois sempre falava em terceira pessoa quando perdia o controle da situação. Ouviu a porta abrindo, e se virou assustado. Mila estava saindo. Correu até ela.

— Ei, ei, você não vai se livrar de mim assim tão fácil! Pode parar por ai, mocinha!

Ela chamou o elevador. Estava agora vestida com calça jeans e uma camiseta branca. Seus cabelos arrepiados e seus olhos brilhantes contrastavam com a cor de sua pele, e ela parecia magra como uma modelo de moda. Zed pensou que ela provavelmente deveria estar faminta.
Desceram até o andar do térreo, e foram até o balcão. Zed olhou para o responsável, um homem magro e careca, com queixo saliente, pronunciado ainda mais pela gola alta do ridiculo uniforme do hotel.

— O senhor foi procurado por uns cavalheiros, senhor Andreas. Acho que seria incomodo se eles fossem notificados de sua saida — o homem fez um sinal com a mão, esfregando os dedos.
Zed havia sido traido por um atendente de hotel barato. Ótimo, era tudo que ele queria! Olhou firme nos olhos do homem, e falou alguma coisa em tom bem firme. Mila pareceu interessada no que estava acontecendo.

O homem se encolheu atrás do balcão, em posição fetal. Zed calmamente apagou os registros de sua estada no hotel — mesmo de seu nome falso, Pablo Andreas, que ele havia inventado na entrada do lugar. Foi sendo guiado por Mila por um caminho estranho, até chegarem na garagem. Lá, entrou em um carro esporte prata, que havia usado na noite passada.

— Moça, é bom que você realmente valha a pena, esse trabalho todo vai acabar comigo.

Ela sorriu para ela mesma, mas seus olhos ainda pareciam nublados. Zed parecia ser o tipo de canalha que destroi corações de mocinhas por diversão, mas ela não pensou nisso.

— Ceeerto, estamos no Zed-movel, pra onde agora?

— MaxCorp.