Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Sussurros e sonhos

2 de Novembro de 2014.

Um bando de pássaros cruzou os céus de um pequeno recanto ao sul da Espanha. Não eram pássaros grandes, como gaivotas ou pelicanos. Eram mais parecidos com pequenas andorinhas. Eles pareciam seguir uma formação de seta bastante irreverente, como se não houvesse nenhum risco ao redor. E não havia. Amanda pegou algumas flores no chão. Era primavera, e os gramados pareciam tapetes de branco e rosa. Um riacho seguia ao fundo, cortando o terreno de maneira irregular. Ela correu alguns segundos, sorrindo. Seu vestido branco misturava-se com as pétalas.

Colocou as flores num arranjo do lado da cabeça. Escutou algumas vozes chamando-a, mas não deu atenção. Seus olhos sorriam inocentes, enquanto acompanhavam os pássaros. Eles pareceram cumprimentá-la, e ela retribuiu jogando várias flores para cima. Sorriu mais uma vez, e se deitou entre todas as flores do mundo que podia querer naquele instante.

- Senhorita Fontana? Nós já terminamos as filmagens, você não precisa mais...

Ela não ouviu. Fingiu que não ouviu, na verdade. Fechou os olhos e se imaginou em um mundo onde estivesse sozinha. Imaginou voar junto com os pássaros, sem nenhuma responsabilidade. O vento ficou mais forte. Ela adorava, sentia um prazer infantil no ar passando por seu corpo, como cócegas feitas pelos pais às crianças. Sorriu, respirou fundo mais uma vez, e ignorou todo o barulho das pessoas ao seu redor.

"Parece uma criança, não entende que estamos trabalhando?"
"Esse café está doce, eu disse que não gosto de açúcar!"

Pareciam falar diretamente em seu ouvido, sussurrando. Ela abriu os olhos, assustada. Apenas o senhor Ortega, seu empresário, estava perto. Apoiou-se nos braços, e ficou sentada, procurando por mais pessoas. Os homens da produção estavam perto do furgão, a mais de cinqüenta metros. Riu de si mesma, como se tivesse cochilado e acordado com um sonho.

- Já era hora! Sabe que se continuar assim, vai atrasar sua agenda! Agora levante-se, temos que pegar o avião para...

"Eu fico imaginando se são de verdade, são muito grandes!"
"Não diga bobagem, ela deve ser inteira fabricada."
"Ei!, Vocês têm que ver isso, acabei de baixar esse jogo pro meu celular!"

Amanda olhou assustada. Tinha certeza ter ouvido as vozes dos homens da produção. A voz rouca era com certeza do bigodudo que ficara encarando-a a viagem toda. Mas estavam longe de mais. Até os pássaros estavam mais perto. Ela se levantou e limpou as pétalas do vestido.

- Está prestando atenção no que eu estou dizendo? Amanda?

- Hã? Desculpe, eu não ouvi direito, estão falando muito alto... - Ela jogou os cabelos para trás, e tirou a tiara de flores que havia feito.

O senhor Ortega falou mais alguma coisa qualquer. Ele pareceu irritado, e segurou o pulso de Amanda. Andaram até o carro. Ele deu uma bronca no motorista, que dirigiu até a estrada.

"Eu queria ter tirado umas fotos daquelas coisas, ninguém do estúdio vai acreditar que eu filmei de tão perto!"
"Fique quieto, Ruiz! Você não fez nada de especial, aposto que ela é do tipo que..."

Olhou rapidamente, mas a Van do estúdio estava parada centenas de metros atrás. Amanda então começou a ouvir as ordens de Ortega. Ela normalmente não prestava muita atenção, mas dessa vez, era ainda mais difícil se concentrar. Seguiram de carro vários minutos, até uma cidade modesta.

7 de Janeiro de 2015.

Estava parada no banheiro, em frente ao espelho. Puxou os cabelos de lado, e olhou com esforço para cima da testa. Parou um instante para ver sua expressão, e parecia com aquela que as mães olham quando fazemos algo errado. Riu. Olhou de novo para o topo de sua cabeça, puxando os cabelos com os dedos. Eles estavam lá! Os malditos, estavam lá! Os cabelos brancos! E ela ainda nem tinha completado 24 anos! Todas as raízes, todos os fios, brancos. Olhou novamente. Não, não eram brancos, não todos. Alguns eram de um azul pálido, quase cinza. Mas quem ela iria enganar? Eram, afinal, cabelos brancos. Sua carreira estaria terminada, velha aos 23 anos. Achava ter entendido por que os artistas duravam tão pouco tempo. Essa vida devia envelhecer as pessoas mais rápido! Não, não era possível. Artistas ficavam jovens para sempre. Principalmente os do cinema. Ela havia feito quatro clipes já, será que isso contava para alguma coisa? Não, os cabelos brancos estavam lá a toda.

Enrolou a toalha na cabeça e saiu. Mercedes, sua fiel escudeira, estava esperando. Falou sobre os compromissos do dia e tagarelou sobre o serviço péssimo que o afinador de pianos havia feito. Amanda não ouviu nada. Na verdade, ouviu, mas não prestou atenção em uma palavra. Quando chegaram ao quarto de vestir, tirou a toalha da cabeça e olhou para a secretária.

- Mãe de Deus!
- Eu estou velha! Eu não acredito! - Amanda jogou a toalha em um canto do aposento, e quase derrubou um abajur. Começou a lacrimejar, esperando que Mercedes, a salvadora, tivesse uma solução.

Hora e meia depois, Amanda estava com uma toca na cabeça. Mercedes havia tingido seu cabelo. 23 anos, e velha. Ela ainda estava tentando se conformar. Pensava se teria que usar dentadura. Quando a tintura secou, ficou se olhando no espelho por mais quinze minutos. Parecia tão falso... Nem notou que seus olhos estavam um pouquinho mais claros.

21 de Janeiro de 2015.

Estava sozinha no quarto. Era uma quarta-feira, e nos últimos dois anos, as quarta-feiras haviam se tornado seus domingos. Os domingos haviam se tornado suas segundas-feiras. Talvez isso fizesse quintas das segundas, ou terças dos sábados. Havia ido a dois médicos na outra semana, e feito milhões de exames. Nenhum deles sabia dizer por que seus olhos haviam ido do negro ao azul claro em duas semanas. Não havia perguntado nada sobre os cabelos, era um segredo entre ela e Mercedes.

"Ela não seria louca de assinar, isso vai acabar com a carreira dela!"
"Mercedes, ela diz ouvir vozes da pessoas na cabeça. Se isso continuar assim, ela vai acabar internada. A televisão é a melhor saída!"

Estava sentada ao piano da sacada de sua casa. Suspensa por vigas de madeira, beirando uma encosta de vinte metros. Haviam montanhas e árvores ao redor, tudo muito bonito. Não se incomodou em olhar procurando por alguém. Sabia que eles estavam longe. Ela não acreditava que pudesse estar ficando louca, não com todas essas coisas acontecendo de uma vez. Tocou mais algumas notas dissonantes, tentando se lembrar de alguma melodia que sua mãe cantara ao berço. O aroma das flores no pequeno vale abaixo era delicioso. O perfume amargo de Ortega fazia o possível para abafar qualquer outro cheiro, mas mesmo assim, as flores se destacavam.

A porta de vidro se abriu. Ortega e Mercedes entraram, calados. Ele explicou sobre o excelente contrato que havia conseguido com os executivos de uma grande rede de televisão, um arranjo para Amanda apresentar um programa de auditório. Mercedes não se pronunciou.

- Desculpe, senhor Ortega. Eu sou música. Eu gosto de música. Eu prefiro voltar aos barzinhos.

Ortega pareceu enraivecido. Mercedes tentou acalmá-lo, e convencer Amanda de que era o melhor para ela. A garota não escutou mais nada. Não podia. Estava maravilhada com o que começara a sentir.

Podia ver os ventos, nítidos e fortes. Eles não atrapalhavam sua visão, nem embaçavam objetos. Era como se fossem parte de uma segunda visão, separada da primeira. Podia sentir que corriam pelo vento. Sussurros, milhões de sussurros, pessoas falando suavemente em seus ouvidos. Podia saborear os aromas como nunca, eram todos novos, diferentes. Tinham cores! Então, sentiu o perfume de Ortega (era de um verde amarelado, quase podre), o esgoto da cidade, o cheiro de urina. As vozes gritavam em seus ouvidos, agressivas.

O vento ficou forte. Os papéis voaram das mãos de Ortega. As telhas da sacada foram arremessadas nas janelas da casa ao lado, e uma quantidade enorme de poeira entrou na sala. Mercedes tentou arrastar Amanda para dentro, mas o vento parecia vir de todo o lugar. O enorme piano de cauda começou a se mover sozinho.

Amanda desmaiou, gritando de medo.

3 de Fevereiro de 2015.

Estava tentando se controlar. Não havia contado para ninguém, mas ela sabia a verdade. De alguma forma, ela podia sentir o vento. Era como um animal selvagem, que se torna perigoso quando acuado. Amanda queria domá-lo. Estava parada, na cobertura ao ar livre do hotel, olhando para a cidadezinha, dezessete andares abaixo. Ela podia ouvi-los conversar. Uns sussurravam suavemente, apaixonados. Outros gritavam, furiosos. Mas todos eram reais, todos eram vivos. Podia dizer qual perfume cada um usava, o que haviam comido. Ninguém acreditava nela. Nem Mercedes, nem Ortega.

Se divertiu por alguns minutos vendo o ar quente das ruas dar lugar ao ar frio do mar. Sabia que não estava louca. Era tudo bonito de mais. Começou a cantarolar uma antiga música celta. Fechou os olhos, e começou a dançar. Imaginou que talvez caísse na piscina, mas o mundo fazia uma melodia maravilhosa, e não podia deixar de celebrar.

Um vento suave acariciou sua pele. Era uma brisa do mar, adivinhou. Havia se perdido das ruas, e estava sozinho. Ela também estava sozinha. Dançaram juntos, até que ouviu o grito assustado de uma das camareiras.

Abriu os olhos, e a música do vento cessou. Podia ver as pessoinhas na rua. Sorriu para elas. A mulher gritou de novo. Ela falara alguma coisa, Amanda tinha certeza disso, mas não tinha idéia do que. Olhou para trás, e percebeu que estava de pé em uma pequena extensão da parede do prédio, um mastro de concreto que se estendia a quase três metros do parapeito, além das grades. Amanda não teve medo. Ao invés disso, riu. Ando calmamente pela estreita ponte, e voltou para o prédio. Não teve dificuldades de pular as grades - se sentia estranhamente leve.

16 de Fevereiro de 2015.

O Tour na Dinamarca havia sido um sucesso. Os boatos sobre sua tentativa se suicídio haviam tido uma repercussão positiva para sua carreira. Mas Amanda não se importou muito. Na verdade, faziam dias que o mundo parecia estar distante de mais dela.

Ela era Autista. Sabia disso. Vivia em um mundo diferente do das outras pessoas. Havia sido diagnosticada assim aos oito anos, mas isso nunca a impediu de nada. Na verdade, não era um autismo forte. A maioria das pessoas pensaria que ela era bastante distraída, desligada, mas na verdade, era por que seu mundo particular era mais interessante. Seus ouvidos podiam diferenciar notas mais precisamente que equipamentos eletrônicos. Ajustava todos seus instrumentos pessoalmente - menos o piano, ela não sabia como afinar um piano.

Andou até a janela de vidro. Ortega havia pedido aos camareiros que trancassem todas as janelas do quarto. Sentia-se como um passarinho engaiolado, entoando tristes suplicas de liberdade. Sua respiração fez uma marca no vidro, e ela fez um desenho com o dedo. Não percebeu a porta se abrindo, nem a conversação que veio depois. Na verdade, havia ouvido tudo muito claramente, mas nenhuma palavra havia lhe despertado interesse, pois tinham um som monótono.

- Senhorita Amanda? Este é o rapaz que enviou aquelas cartas. O do Instituto Lautrupvang.

Amanda se virou. Parecia ter saído de uma viagem longa. Seus olhos percorreram o rapaz. Tinha cabelos cor de fogo. Será que ele também tinge os cabelos? Parecia forte e inteligente. Talvez seja algum artista de televisão. Ela não queria apresentar o programa de televisão. E se o rapaz estivesse ai para convencê-la do contrário? O fogo dança ao vento. Talvez ele seja um dançarino!

- Perdão? Senhorita Amanda? Eu sou Kelvin Dølwist, nós trocamos cartas, se lembra de mim? Senhorita Amanda?

Ela acordou novamente de seu transe. Ele havia falado por quase meio minuto antes de ela começar a ouvir. Sorriu e comentou algo sobre dançarinos, mas ninguém entendeu. Ortega atendeu ao telefone, e se afastou dos dois, pedindo desculpas. Estavam sozinhos.

- Amanda, eu sei sobre você. Sei que você é diferente. E sei que você pode fazer a diferença para o mundo!

"Doze Mil? Doze Mil? Onde você acha que eu consigo dinheiro? Isso não cai do céu, sabia?"

- Se você vier comigo, só umas horas... Eu posso te apresentar para alguém. Alguém que pode te ensinar a controlar sua habilidade! Eu sei que é difícil, mas tudo que está acontecendo com você, tudo tem uma explicação.

"Não quero saber, eu preciso do equipamento para ontem!"

Ele não falava sobre dança. Talvez, fosse um artista moderno! As palavras não pareciam querer se alinhar em sua cabeça, mas Amanda não fez nenhum esforço para entender. Kelvin parecia aflito. Olhou para os lados, assegurando-se que estavam sozinhos.

"Como assim, azul?"

- Olhe.

Suas mão direita pegou fogo. Não como se estivesse em chamas, mas como se controlasse as labaredas delicadamente. Uma flor se formou nas chamas, perfeita. Amanda cortou toda sua linha da pensamentos. A chama se apagou. Ela sorriu com os olhos.

- Eu vou estar ocupada nos próximos dias por causa dos shows. Dia 18 é meu aniversário. É uma quarta feira... Eu vou estar livre. Mas não pense que é um encontro, viu?

Kelvin sorriu. Cumprimentou a moça, e saiu da sala.

18 de Fevereiro de 2015.

Amanda estava maravilhada com o céu. Era maior do que em qualquer outro lugar. O vento era forte, mas gentil. Tudo era perfeito. Curtiu o momento por alguns minutos. Parecia uma pracinha, mas era tão muito mais. Kelvin havia a trazido para cá num jatinho ovalado. Ninguém sabia onda ela estava, e isso lhe fazia se sentir livre. Dançou e cantou, abraçada às correntes de ar.

- Não sinta vergonha. O vento é uma extensão de seu próprio corpo.

A voz era diferente, que conseguia quebrar os pensamentos da garota e atingir diretamente sua mente. Um homem muito velho, rouco e sério. Havia se apresentado a pouco como Dmitri Tchekov, o mesmo que era Secretário de Segurança da União Européia. Era menor e mais troncudo do que mostravam na TV, mas Amanda não poderia saber - não assistia TV.

- Sinta-se leve. Pode dançar no vento, não pode? Deixe que ele te guie!

Amanda dançou. Sentia-se mais feliz do que nunca. Não ouvia vozes, todos os aromas eram agradáveis, e o vento era delicado e macio. Começou a se sentir cada vez mais leve, mais confortável. Então, outro vendaval começou. Era forte, e parecia não querer desistir. Resistia às súplicas da moça. Ela se desesperou, como da outra vez. Tudo era de mais, os sons, os aromas, eram muitos, intensos.

- Não desista! Sinta o vento! Sinta-o como parte de seu corpo! Não o deixe descontrolado!

Ela resistiu. Dois, três, cinco minutos. O vento ficava cada vez mais forte. Ela fechou os olhos de medo. Ordenava que parasse, mas ele fazia exatamente o contrário. Sentiu que seria arremessada para longe. Escutou então uma melodia desordenada. Atentou-se à suas notas, esquecendo-se em parte do perigo que corria. Em sua mente, tentou acertar os tons e as notas da música, para que soassem agradáveis aos ouvidos. Então, o vento parou.

- Abra os olhos, Amanda. Abra os olhos, pela primeira vez.

Ela abriu. Via a pequena pracinha lá embaixo, centenas de metros distante. Podia sentir com perfeição todas as correntes de ar, os sussurros e os aromas. Tudo era perfeito. Então, percebeu que não sentia o peso do próprio corpo. Notou, pela primeira vez, que não estava mais presa ao chão. Estava livre como os pássaros. Estava voando. Sorriu de verdade pela primeira vez.

6 comentários:

Guilhotina Voadora disse...

Muito legal cal, entendi o por quê do tamanho do conto.

Guilhotina Voadora disse...

Da uma checada no primeiro parágrafo, em "pequenas com andorinhas"

Calliban disse...

Nossa, dois comentários!
Deve estar cheio de erros, eu não reviso realmente =P

Unknown disse...

^^
Então foi assim que a Amanda entrou para o supremos... então ela é altista... estranho pq ela é um 3º stepper, ela não deveria ter "defeitos"

Guilhotina Voadora disse...

autismo não é defeito, é uma condição mental. Vc quer alguem com mais problema mental que a Christine? Se for considerar autismo como um defeito, deve-se considerar ambição, ira, qualquer desvio moral ou psicológico?

Mavericko disse...

Porra, saudaveis Nicholas, Gunther, Richard, Alisia e cia neh?

E como vc eh grosso guiemo, a Christine n tem problemas mentais, ela tem dois lados a serem explorados, eh como sair com 2 garotas ao msm tempo, ja pensou por esse lado?

Let it Pig, let it pig, let it pig...