Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

Os dias secretos dos Nistelroy

Inverno, um bordel sujo, escuro e malcheiroso em um bairro precário e abarrotado de uma cidade pequena e pouco observada da Costa do Marfim. Em uma mesa, dois homens faziam negócio, enquanto duas prostitutas de aparência lamentável agradavam-lhes as partes íntimas. A doze metros, em outra mesa, mais próxima da janela, Claude Nistelroy e Grenko Mardov bebiam um destilado de sabor característico e procedência envolta em mistério, e fumavam charutos afegãos. Sem qualquer cerimônia, o eslavo baforejou:

“Sabe, senhor N, de todos os muitos clientes improváveis que recebo, e veja bem, em um mundo nada razoável como este em que vivemos, há muitas coisas improváveis mas quase nenhuma impossível... mas bem, como eu dizia, de todos os malucos estranhos e pouco prováveis que fizeram negócio comigo, você com toda a porra duma certeza é o mais engraçado!” e virando mais um copo do misterioso destilado, puxou uma maleta de baixo da cadeira “Trouxe sua parte?”

O inglês baforejou o charuto, pensou no bordel sujo e miserável em que se encontrava, e desejou poder marcar essas reuniões em lugares mais distintos, com mulheres mais bonitas e máquinas de Milk-shake. Puxou um estojo grande de baixo de sua própria cadeira, e colocou sobre a mesa. Era cúbico, com não mais do que 12 centímetros de lado.

“Saca só, Mardov, tu pediu essa parada e eu peguei, e nós dois concordamos que isso nem direta e nem indiretamente vai ser usado ou vendido para quem pretenda usar para ferir ou ameaçar pessoas, isso está correto e bem entendido?”

Uma confirmação, na forma de um arroto etílico e fumacento. O mercenário empurrou a valise na direção de Claude, sorrindo.

“Saca só você, senhor N, o que ta combinado ta combinado, e palavra de ladrão é uma só” uma rápida olhada no estojo “fala pra mim, senhor N, como foi que você conseguiu passar pela segurança de uma porra dum laboratório da Max...” um chute, impressionante, inacreditavelmente rápido, cruzou por sob a mesa a distância entre Claude e a canela de Mardov, que tossiu mais fumaça, deu um soco na mesa, sacou um revólver e apontou para o inglês, que fingiu, sem grande sucesso, sentir-se ameaçado.

“Guarda essa porra e não fala alto o nome de quem não conhece, moleque. Tem certeza que são os documentos certos?”

“Claro que são. Eu não sou o maior negociador da Ásia Menor à toa, ta sabendo? Agora, senhor N, eu vou sair por aquela porta e nós dois vamos esquecer que nos conhecemos, está certo?”

*****

RELATÓRIO DE ANÁLISE DE MÚLTIPLOS ASPECTOS DE GENEATIVO

Exemplar: 08/0001 – Klaus Kohler van der Nistelroy.

(...)

ASPECTOS SUPER-HUMANOS: Ainda que o exemplar, atualmente um bebê com 7
anos de idade, não apresente qualquer manifestação notável de habilidades super-humanas, observações das estruturas genéticas comparadas a amostras de DNA obtidas de ambos os pais (conforme Tópico 3.2.4 deste relatório) sugerem a manifestação de habilidades ligadas a matéria e energia negra (conforme detalhado no Apêndice 2) quando das alterações hormonais referentes à puberdade masculina. Extrapolações de modelos observados em filhos de Second Steppers sugerem que, de certa forma, as habilidades do exemplar possam estar ligadas a aspectos do tempo.

(...)

*****

Uma pequena ilha tropical, com não mais que dois quilômetros de diâmetro, a 300 milhas marítimas de Madagascar, na costa Leste da África. Em seu centro, o único refúgio visível de civilização cercado por uma pequena floresta e uma grande e bela praia de areias brancas e macias. Um complexo de aparência industrial e pouco sofisticada, ocupando um grande quadrado com cerca de 700 metros de lado, cercado por grades e arames eletrificados, pavimentado e asfaltado em uma disposição organizada de quatro enormes galpões. Uma estrada recém-concluída dava acesso do complexo a um porto na costa Sul, onde um barco cargueiro de proporções medianas repousava flutuante.

E abaixo desse complexo, mais exatamente 500 metros abaixo, em um complexo incomparavelmente maior e mais sofisticado, Claude Nistelroy encontrava seu filho, Klaus, na sala dos computadores. O garoto vestia jeans, tênis e uma camiseta branca com a estampa de alguma banda de rock (ou daquilo que os garotos de 2018 chamam de rock), e parecia entediado. Claude entrou na sala segurando uma prancheta.

Era um menino de 11 anos recém-concluídos. Uma criança. Era nisso que Claude gostava de acreditar, mas a cada dia se tornava mais difícil. Começou quando notara que as roupas de Klaus duravam não meses como se esperaria de uma criança em crescimento, mas semanas. As notas altas na escola a despeito da total falta de interesse eram a princípio, entendidas apenas como os sintomas de um prodígio. Mas após 20 dias, era absolutamente visível a qualquer um, Klaus estava amadurecendo, física e intelectualmente, a uma taxa 8000% superior à humana. Foi quando o inglês repentinamente entregou todas as atribuições administrativas da Nistelroy Security Solutions a Rose, comprou uma pequena ilha a Leste da África e guardou, sem olhar para trás, o uniforme que tornava o pai Claude Nistelroy no herói Lightning.

A taxa de amadurecimento decaiu, com o passar dos dias, e de acordo com os resultados de exames que Claude tinha em mãos, estavam atualmente em 300% da média humana. Dentro de si abaixo da máscara pouco eficaz de segurança que tentava manter, o herói se sentia aterrorizado com o leque de possibilidades sombrias que se desdobrava diante do primeiro Gen2.

“Está pronto para começar os últimos testes de lógica e resolução de impasses?”

“Eu já terminei. Para o homem mais rápido do mundo, você se atrasa demais...” as palavras do garoto, em um timbre de voz que denunciava uma adolescência, eram carregadas de aborrecimento. Diante dos dois, Claude viu um dos monitores exibindo os resultados do teste, e o score de 100%.

“Impressionante...” o olhar de Claude voltou-se para o filho. Tinha a aparência de um rapaz, poderia comprar álcool em qualquer país sem que ninguém pedisse seus documentos. Tinha apenas 11 anos, mas desdenhava e desafiava o pai como um jovem rapaz.

“Bom, então talvez eu possa sugerir uma nova leitura dos seus índices de ...” as palavras do homem de quase 30 anos que se sentia um velho foram insolentemente interrompidas pelo cinismo amadoresco do garoto.

“Talvez eu pudesse te sugerir uma coisa, que tal isso?” e suas palavras foram guiadas por um olhar desafiador de alguém que não tinha razão alguma para temer seu adversário. Claude respirou fundo.

“É claro.”

“Acho que devia voltar pro trabalho.” Os olhos do adolescente desviaram do rosto do pai, contemplando aleatoriamente as dúzias de monitores da enorme sala.

“Rose pode cuidar perfeitamente da empresa enquanto eu ...” nova interrupção, dessa vez com um tom de impaciência.

“Não estou falando da empresa, olha pai, eu não quero me repetir, mas para o homem mais rápido do mundo você é lerdo demais pra sacar as coisas” as mãos do garoto alcançaram os teclados à sua frente, e com poucos comandos acessaram uma pasta pessoal e uma foto.

No instante em que os dedos de Klaus apertaram ENTER, o monitor central, o maior deles, exibiu a imagem escolhida. Em uma foto de primeira página do The Sun, o Lightning nocauteava o último de 50 piratas em uma embarcação na costa da Somália.

“É disso que tou falando, senhor treinador. Desse trabalho. Ou vai dizer que a Rose arrumou um colante vermelho e tem cuidado dos seus super-inimigos depois do expediente?”

“Não seja tolo, não existem heróis gordos como a Rose. E você e eu ainda temos uma porção de testes para realiz...” parecia, afinal, um grande prazer ou compulsão do garoto cortar as frases do pai.

“Isso era outra coisa que eu tinha pra dizer. Eu to fora, pode terminar seus testes sozinho, eu cansei.”

A expressão de Claude mudou, diametralmente.

“Como assim, cansou? Ta fora de onde? Você ta maluco, garoto?”

“Não, pai!” retrucou em voz alta e levantando-se da cadeira “Você é quem ta maluco! Você decidiu que tínhamos que vir pra cá, você me tirou de Londres, me arrastou pra esse buraco dos infernos e me fez pular, bater, correr, erguer peso, resolver questões de tudo que é merda de matéria e como se não fosse suficiente eu tou em uma merda de uma puberdade hiperacelerada do caralho por culpa dos SEUS GENES e não tem NENHUMA GAROTA NUM RAIO DE QUINHENTAS MILHAS DAQUI!!!”

As palavras do jovem calaram fundo, e Claude esperou até que o silêncio se formasse novamente para falar.

“Ta certo, tudo bem. Eu posso ter exagerado, reconheço que saber que você tinha habilidades me deixou fora da normalidade, mas peraí, como assim, você ta fora? O que pretende fazer, supondo que saia daqui, meu jovem?”

“O que eu vou fazer?” e aqui o semblante do rapaz adquiriu um tom divertido, como de alguém que imaginava um futuro enquanto o narrava. Olhou para Claude com um sorriso malicioso, e respondeu descontraído, mas resoluto.

“Eu vou fazer o que qualquer garoto de 11 anos com corpo e inteligência de 18 com um pai multimilionário faria. Vou pegar alguns dos seus cartões de crédito corporativos da Nistelroy, que afinal de contas é nossa empresa, vou falsificar documentos de 21 anos e vou torrar os Euros do meu pai com o que achar legal.”

Claude sorriu. Não conseguia esconder uma ponta profunda e muito bem escondida de orgulho ao reconhecer a si mesmo quando tinha aquela idade. Ou melhor, a idade que aquele jovem aparentava ter.

“E por que acha que seu estimado pai ficaria numa boa com isso?”

“Porque ele tem coisas mais importantes para fazer do que cuidar de um homem que envelhece mais rápido do que seu pai corre. Já olhou os noticiários dos crimes na Europa nesses quatro meses? O mundo inteiro quase foi pro saco no mês retrasado, e tu num tava lá, pai! Porra, que que adianta tu ser o cara mais rápido do mundo se fica parado dentro dessa ilha dentro desse buraco olhando pra mim com cara de medo?”

Dessa vez, Claude não sorriu, nem conseguiu encarar seu interlocutor de 11 anos com cara e argumentos de 18. Respirou profundamente mais uma vez, e quando ergueu a cabeça, tinha certeza de que Klaus estava certo.

“Eu não posso deixar um garoto de 11 anos andando pela Europa com meus cartões de crédito, você não terminou seus estudos, não sabemos quem pode ir atrás de você e faz mais de um mês que não acontece nenhum grande atentado na Europa, senhor Klaus Nistelroy.”

“Bom, eu já te dei suficientes provas de que sou esperto o bastante pra me cuidar. Além disso, seus cartões, que sei que não vão te fazer falta, podem me manter seguro e ninguém sabe como me pareço hoje, então acho que nada me impede, de qualquer forma” nesse ponto, o garoto voltou os olhos atentos, a bem da verdade muito mais atentos que os do pai, para um monitor distante, e apontando com o dedo concluiu “... e sobre atentados na Europa, pai, é melhor olhar de novo, viu?”

A 5 metros, um dos vários monitores de notícias globais exibia imagens ao vivo de uma enorme explosão mandando pelos ares o topo do Big Ben, em Londres. Antes de serem devastadas por uma segunda explosão, as câmeras ainda exibiram um indivíduo, claramente Geneativo, surgindo em meio às chamas. Levantando-se e indo em direção a seu quarto para arrumar as malas, Klaus deu um tapa nas costas de Claude.

“Me parece sua deixa, herói. Vou pegar o barco às 6, então se quiser falar comigo é só rastrear o cartão. Tchau, pai.”

2 comentários:

Unknown disse...

Só uma palavra para descrever esse texto... GENIAL!

Victor que texto maravilhoso, gostei do mundo nada razoavel ^^

Ainda bem que agente tem alguem para manter esse blog vivo!

Guilhotina Voadora disse...

Texto bacana Capa.