Em 2015, um grupo de super-humanos escapa de uma base do governo para salvar o mundo, e acaba descobrindo uma série de segredos sombrios. Essas são suas histórias.

O fluxo da história.

As coisas pioraram. Todos diziam que iriam melhorar, mas pioraram. Não houve aumento de empregos, nem ascenção ao primeiro mundo. Continuamos de onde estávamos. Sempre vamos continuar e como crescemos, pioramos.

O grande plano do mundo, a desordenada ordem das coisas, o sistema, esse grande problema, etc. Isso que chamamos de mundo mexe com a cabeça de algumas pessoas, mas a grande maioria, aquela que vive todo dia, só está preocupada com uma coisa: sobreviver.
Em Valparaíso isso não é uma atividade notavelmente fácil. Ainda mais depois dos terremotos.
Muitos de nós tentam sobreviver honestamente trabalhando no porto, entretanto o porto não recebe tantas cargas quanto costumava e os empregos continuaram os mesmos enquanto a população aumentava. É uma vida dura e, ao contrário do que diz o governo, falta muito emprego. Pelo menos legalizado.
Há quem se importe com a lei, e há quem não se importe com mais nada.
Miguel Cortez sempre foi um bom filho para sua mãe, Maria, assim como a maioria de nós tenta ser para aquela senhora que te colocou no mundo. Mas Miguel se esforçava de verdade, muito mais que alguns de nós juntos. Sempre se esforçou na escola, mesmo sendo um zero à esquerda. Não que não fosse esperto, pelo contrário, aprendeu inglês rápido, mas algumas coisas como física e Geometria não entravam em sua cabeça. Mesmo assim ele se esforçava. Na escola sempre tirava a média, não matava as aulas, era um bom filho.
Procurou emprego desde sempre, nunca achou um decente.
E quando a fome veio e ele viu sua mãe chorando, Miguel passou a não se importar com mais nada. Assim como a maioria de nós, só demorou um pouco mais para entrar na fila.
O turismo é uma fonte confiável de renda em Valparaíso, uma cidade litorânea atrativa para o passeio. Legal e ilegalmente. Legal para os donos de hotéis que contratam alguns de nós para ganhar uma miséria em altas horas de serviço humilhante. Ilegal para os que não são contratados ou preferem não servir aos outros. Turistas significam, em sua maioria, dólares. Uma moeda que vale bem mais que a nossa. Então um pouco furtado de um bolso descuidado, já é uma alegria gratuita para uma família pobre.
Miguel não queria entrar nessa alegria, tentou duas vezes ser manobrista de hotel, mas era muito novo para o emprego e nunca conseguiria uma vaga em tempo. Então ele fez o que todos os moradores da favela de Valparíso fizeram quando se viram sem saída.
Ele veio até mim.
Um garoto esperto, desesperado e esforçado. Não demorou muito para aprender quase tudo que eu tinha para ensinar.
Miguelzito se tornou o melhor mãos leves da região portuária com 13 anos. Ele sabia inglês, sabia ler e escrever e fazia contas. Logo juntou dois e dois e se tornou o melhor ladrão do bairro. O garoto sabia escolher o que roubar e como se misturar no fluxo de pessoas quando algo dava errado.
Aos 15 era meu braço direito. Virou administrador da praia do porto. E posso dizer sem vergonha alguma que eu confiava cegamente nesse moleque. Ele não tinha nada a ganhar por abandonar a posição ou por me roubar. Sua mãe estava bem, decepcionada, claro, como todas ficam quando seus filhos entram para os Albatrozes, mas ela tinha comida, roupas, até uma televisão nova. E isso compra uma certa transigência das pessoas miseráveis para a sua decepção. Nada como assistir sua novela favorita com a barriga cheia e roupa limpa.
Mas o moleque não se metia nos meus ramos mais escusos de tabalho. As meninas e o branco ficavam por minha conta, tanto por uma questão de segurança, quanto por respeito ao garoto. Ele tinha que cuidar das mãos apenas. A inocência deve ser perdida aos poucos porque um homem tem que ter uma moral a temer antes de pensar em te roubar.
Se ele não te teme o suficiente, ele tem que temer a Deus, a Justiça, ou a sua própria honra.
Miguelzito era desses ligados em honra. Bom garoto, como já disse.
Nunca machucava ninguem e sempre saia de confrontos na conversa.
Quase sempre. No seu último dia de serviço, Miguelzito fez diferente.
Uma gangue rival chamada Locos estava tentando tomar nosso território e como você deve prestar atenção, o nome não é apenas uma formalidade poética no ramo.
Eles entraram no porto e pegaram dois rapazes do Miguel: Pedro e Afonso. Pedro era um moleque esguio e rápido, mas não era mais rápido que um trinta e oito. Afonso era um rapaz negro e forte e apanhou bastante para provar isso. Foi assim que encurralaram Miguel.
Pedro com dois tiros na perna, Afonso sangrando no meio de três Locos. Miguelzito no meio de tudo, provavelmente suando frio e se borrando todo.
Só que o moleque não chorou, não pediu arrego, nem correu e se jogou no mar.
Como eu disse, ele acreditava em honra. E um cara que acredita em honra de verdade não deixa dois manos pra morrer.
Fato é, não sei se foi aquele clarão luminoso que distraiu os locos ou o que foi. Mas sei que nunca mais vi o Miguelzito depois dessa noite. Só encontramos os cinco membros dos Locos arrebentados no chão do porto enquanto Pedro e Afonso foram parar na porta do Quintero (unidade de emergência) à uns bons quilômetros de distância. E nada de Miguelzito.
Então o que eu fiz? Fui atrás da mãe do garoto, mas ela tinha sumido também.
Ninguem no bairro sabia deles e olha que eu sei ser bem persuasivo.
Então há uma semana atrás eu vejo essa manchete no jornal da cidade e finalmente encontro Miguelzito. Primeiro eu não acreditei, mas lembrei da história dos Locos e entendi depois. O Miguelzito era um deles, um desses supercaras. Adotou nome de herói, roupa de herói e foi viver num apartamento chique em Santiago.
Fluxo, o mais novo herói do Chile. Patrocinado pelas maiores empresas do país. Rico e prejuldicando meu trabalho. Cuspindo no prato que comeu. Não é irônico?
...
Então senhorita Estevez, quanto vale essa matéria para a senhorita?


Um comentário:

Guilherme Mariano disse...

Acredito que precisa de uma boa revisão ^^